“O STF reestabeleceu a legalidade ao anular a lei que representa um projeto de morte. Ficou claro que procuradores que deram parecer pela legalidade, pessoas com formação jurídica, deputados, quem apresentou o projeto, votou favorável, quem não vetou e quem sancionou, agiram de má-fé, ou precisam voltar à faculdade para estudar Direito e aprender a legislar”, avalia o militante do Movimento Nacional de Direitos Humanos no Espírito Santo (MNDH/ES), Gilmar Ferreira, que vê na lei considerada inconstitucional uma forma de atender aos interesses da indústria de armas, além dos eleitoreiros.
A Adin foi ajuizada em agosto do ano passado pelo então procurador-geral da República, Augusto Aras. Na ação, ele alegou que a Lei nº 1.017/2022 viola a competência da União para autorizar e fiscalizar a produção de material bélico e legislar sobre a matéria e direito penal. Afirmou violar, ainda, o Estatuto do Desarmamento, que ao relacionar os agentes públicos e privados autorizados a portar arma de fogo, não incluiu os agentes de segurança socioeducativos. O procurador-geral destacou também a necessidade de tratamento uniforme do tema em todo o País.
A decisão pela inconstitucionalidade do porte de armas para os agentes socioeducativos do Espírito Santo já era algo previsível diante do posicionamento do STF em julgamentos anteriores sobre situações parecidas. Em julho de 2023, também de forma unânime, a Corte declarou a inconstitucionalidade de uma lei no Mato Grosso que conferia porte de arma para agentes socioeducativos.
Também foi declarada inconstitucionalidade em uma de Sergipe que garante porte de arma para procuradores estaduais. Um dos argumentos da decisão do STF para as leis de ambos os estados foi a jurisprudência de que normas estaduais não podem conceder porte de arma para agentes socioeducativos e procuradores estaduais.
No caso do Espírito Santo, houve, desde a aprovação da lei, uma mobilização para revertê-la. A Procuradoria-Geral de Justiça foi procurada em setembro de 2022, para que fizesse a arguição da inconstitucionalidade, pela Comissão de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana (CPDH), vinculada ao Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória (Aves), que encaminhou ofício para Luciana Andrade. O argumento utilizado foi o fato de que a regulamentação das armas deve ser feita em âmbito federal.
A CPDH destacou ainda parecer emitido pelo Mecanismo Nacional de Prevenção a Tortura (Mepet), referente à Nota Técnica nº 04, de 2018, que analisa “leis e projetos de lei estaduais para porte de armas de fogo a agentes socioeducativos”. O documento diz que “torna-se patentemente inoportuno e potencialmente antijurídico o investimento nestas medidas [de armamento] num contexto onde faltam investimentos para implementação de medidas básicas para a Socioeducação, como Planos Individuais de Atendimento [PIA], atividades profissionalizantes, medidas de saúde mental, trabalhos de justiça restaurativa e etc., que são preconizados com prioridade na legislação vigente”.
Gilmar Ferreira também recordou a resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 8 de fevereiro de 2023, que traz recomendações para as Unidades de Internação Socioeducativas (Unis) do Espírito Santo. Uma delas é que “no tocante à autorização legal para o porte de arma de fogo por parte dos agentes socioeducativos, que possuem atribuição pedagógica e não de força de segurança, a Corte considera que esta medida desvirtua o propósito do sistema socioeducativo, fomenta a violência e pode aumentar consideravelmente o risco de danos à integridade pessoal e à vida dos adolescentes privados de liberdade na Unis”.