Não se compara o holocausto a nada
Não, Lula não tem razão, não está certo. Ele se utilizou de uma, digamos, flexibilidade semântica de aloprado, e que dizem que foi de improviso, e se não foi, pior ainda. Tomar por base de comparação o holocausto com qualquer genocídio que tenha ocorrido na História é um erro de interpretação da História e de semântica. O genocídio ocorrido em Ruanda, em Srebrenica, e agora na Faixa de Gaza, não se compara com o termo holocausto, pois este se refere ao extermínio sistemático de seis milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial.
Sim, ocorre um genocídio na Faixa de Gaza, e Benjamin Netanyahu deveria ser julgado como genocida pelo Tribunal Penal Internacional, e o Estado de Israel também por crime de genocídio pela Corte Internacional de Justiça, mas daí a comparar, até em escala, este genocídio com o holocausto judeu, é um erro de interpretação histórica e uma ofensa a maior parte da comunidade judaica.
O projeto do Nazismo era, a princípio, o extermínio de judeus, ciganos e homossexuais, e a dominação territorial do continente europeu. Mais adiante, o extermínio se estenderia como um projeto racista de caráter geral e de supremacia de uma suposta raça pura, a raça ariana. O projeto eugênico, por fim, tinha um caráter disruptivo, e a ideia de extermínio sistemático de raças e etnias e de grupos de orientações sexuais não aceitas, além de pessoas com deficiência física e intelectual, ou ainda os chamados alienados, loucos etc, e que se chama holocausto, não tem precedentes na História.
O discurso aloprado como o de Lula, que tenta equalizar tudo, como se o inominável, o holocausto, pudesse dar nome a várias coisas, numa operação semântica que banaliza o Mal Absoluto do Nazismo e o estende a qualquer tentativa genocida que ocorrer na História, é um erro absurdo.
O fato é que não há, nem conceitualmente, nem em escala, a comparação de genocídio de um grupo, com o genocídio nazista, o holocausto. Como projeto racista, o holocausto tanto tinha um caráter muito mais sistemático que qualquer outro genocídio no mundo, o que muda seu conceito, como era de uma escala astronômica, muito maior que qualquer guerra local em que houve ou haja genocídio.
Lula já tinha derrapado com seu companheirismo alucinado com o criminoso de guerra Vladimir Putin, e agora, às vésperas de liderar uma reunião do G20, vai além de uma gafe comum, dando um salto escalafobético, tanto na semântica, como na sua logorreia que, muitas vezes, pode causar danos. O dano agora provoca, neste caso, a formação de um gabinete de crise, enquanto a sua claque de sabujos, pessoais e de redes sociais, depois desta declaração “bombástica”, já deve o tomar por candidato ao Nobel da Paz e arauto de uma nova era de entendimento entre os povos no século XXI.
Sim, Lula errou, e agora nos deparamos com uma ruptura diplomática com Israel, numa escalada verbal de desinteligências, e mais uma vez caímos na mediocridade diplomática, que só não ultrapassa os tempos de piada de alemão que foi o período bolsonarista. Contudo, estamos diante de um Lula que insiste, por diversas vezes, em se tornar uma espécie de liderança diplomática internacional, um ator relevante de geopolítica, o seu sonho dourado, mas derrapa em cascas de banana criadas por ele mesmo, e os esforços de uma diplomacia sóbria, nos modos da que foi erguida pelo Barão do Rio Branco, vai pelos ares.
Não se compara o holocausto a nada. Não se compara um projeto de dominação mundial racista com genocídios de guerras localizadas. A ignorância histórica sobre o maior crime que ocorreu na História não tem base de comparação com nada no mundo. Banalizar a palavra holocausto é muito mais grave do que o que vemos de aplicação generalizada das palavras nazista e fascista, pois esta palavra holocausto não se presta a esta flexibilidade semântica, nem em redes sociais, e muito menos através do discurso de um Chefe de Estado que, quando improvisa e erra, parece levar uma conversa séria para o balcão de um boteco.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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