Intervenções da macrodrenagem em Santa Tereza foram iniciadas, mesmo com pedido de suspensão da Defensoria
“Está tudo devastado”. É assim que Viviane Rodrigues resume a situação do espaço da comunidade de Santa Tereza, em Vitória, onde é realizado um projeto de horta comunitária que ela coordena. A empresa contratada pela prefeitura para a realização das obras de macrodrenagem deu início, nesta semana, às intervenções no local – apesar do pedido da Defensoria Pública do Estado (DPES) para que o trabalho fosse suspenso.
Imagens feitas por moradores mostram árvores centenárias cortadas e tombadas no chão. “Mandei todas as fotos para a Defensoria, vamos aguardar. Só sei que eu não tenho nem mais forças para ir ao local de novo para ver a destruição”, lamenta Viviane.
Representantes da empresa responsável pela obra de macrodrenagem – identificada como “Contracto Serviços” – e da Secretaria Municipal de Obras (Semob) foram até o espaço na manhã dessa segunda-feira (26), e informaram que as intervenções começariam no dia seguinte.
Após conversa telefônica com uma representante da DPES – que argumentou que nenhuma intervenção poderia ser feita antes de uma reunião sobre o tema agendada para acontecer em breve no Ministério Público (MPES) –, os representantes da prefeitura e da empresa foram embora, dizendo que o início das intervenções havia sido abortado. Entretanto, nessa quinta-feira (29), os moradores voltaram a denunciar a presença da empresa, dessa vez com o trabalho já em andamento.
No início da semana, foi ordenada a troca do cadeado do portão de acesso, e os moradores foram informados de que deveriam acionar a assistência social da prefeitura caso quisessem pedir uma cópia da chave. Seguranças também deverão fazer vigilância 24 horas no local.
Além da horta, cujos primeiros plantios foram feitos em 2019, são realizadas diversas iniciativas da comunidade na parte construída do espaço, que conta com cinco salas, incluindo eventos e ações de apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade, que já atenderam a cerca de 200 famílias. Também há planos para expansão das atividades, incluindo turismo de base comunitária, abrangendo regiões como a da Basílica de Santo Antônio e do Parque da Fonte Grande.
“A gente vai continuar tocando o projeto, mas agora com dificuldades. Teremos que comprar terra, porque hoje a gente não tem um terreno para a produção do húmus para fertilizar. Também estamos sem espaço para realizar as oficinas. Mas a luta continua”, afirma Viviane.
Atuação da Defensoria
No último dia 8 de fevereiro, o Núcleo de Defesa Agrária e Moradia da Defensoria Pública do Espírito Santo (Nudam/DPES) solicitou que a gestão do preito Lorenzo Pazolini (Republicanos) suspendesse a obra de macrodrenagem. A solicitação foi feita em um ofício que apresenta um requerimento para a cessão do imóvel público para a comunidade.
A Defensoria também solicitou, no mesmo documento, que seja realizada uma audiência pública para discussão do projeto de macrodrenagem e sobre alternativas de permanência da horta comunitária.
No último dia 2 de fevereiro, o Nudam também encaminhou ofícios ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) e às secretarias municipal e estadual de Meio Ambiente (Semmam e Seama), questionando se o espaço é uma Área de Preservação Ambiental (APA) constituída.
Antes ainda, no dia 16 de janeiro, o Núcleo tinha requisitado à Secretaria Municipal de Obras (Semob) “esclarecimentos acerca da obra projetada para a região onde está localizada a horta comunitária de Santa Tereza, com envio do projeto executivo e cronograma da realização das fases da obra”. Também foi perguntado se “a prefeitura de Vitória pretende realocar o projeto da horta comunitária para outro local”.
Histórico do projeto
A horta comunitária de Santa Tereza foi criada no espaço de 51 mil metros quadrados de uma antiga estação da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), que estava desativada há mais de dez anos. O local foi cedido à comunidade em 2018, quando começaram os projetos, após uma mobilização que data de 2006.
Apesar disso, a Defensoria obteve a informação, em 2022, de que a Cesan devolveu o terreno ao município em 2019, e não foi lavrado o termo de cessão de uso à comunidade. Atualmente, a associação de moradores local está sem representação formal, o que dificulta os trâmites burocráticos.
“De fato, a prefeitura se recusa a formalizar a cessão de uso sem representação formal por parte da associação (regularidade do CNPJ). Assim, a horta não consegue regularizar o fornecimento de água e energia”, disse a DPES em nota a Século Diário.
No fim de 2023, os moradores foram pegos de surpresa quando souberam da obra de macrodrenagem. Apesar de a gestão de Pazolini alegar que haverá espaço para a horta, segundo os moradores, o projeto prevê apenas uma pequena área de 8 metros quadrados.
A Prefeitura de Vitória tem alegado que a obra de macrodrenagem beneficiará moradores dos bairros Mário Cypreste, Santo Antônio, Inhanguetá, Estrelinha, Grande Vitória, Universitário e Santa Tereza, com a construção de um dos dois reservatórios de contenção de águas das chuvas do sistema de macrodrenagem da Grande Santo Antônio. Entretanto, a comunidade reclama da falta de diálogo por parte da administração municipal.
‘Forte viés socioambiental’
Questionada novamente por Século Diário, a Prefeitura de Vitória encaminhou nota com as mesmas informações já passadas anteriormente, sem responder aos questionamentos sobre a situação atual. Segundo a nota, “o projeto em questão passou pelo licenciamento ambiental e possíveis supressões de vegetação poderão ser executadas para a realização dessa benfeitoria, que possui forte viés socioambiental”.
A prefeitura argumenta ainda que “dialoga com a comunidade desde abril de 2023”, e que “o projeto da horta comunitária não acabará e que técnicos da empresa responsável pelas obras da macrodrenagem já foram ao local com os representantes da horta a fim de apresentar o novo espaço da horta comunitária, após a construção do reservatório”. Segundo a prefeitura, o projeto do novo espaço, que terá uma casa de apoio, foi apresentado por meio de “plantas técnicas e fotos em 3D”.
A nota ressalta ainda que “o terreno em questão é de propriedade do município”, e que “o investimento na obra é de R$ 139 milhões, com recursos próprios, e tem como objetivo minimizar o risco de alagamentos em 18 bacias de drenagem da região. Os constantes alagamentos são fruto de ocupações irregulares sobre manguezais aterrados a partir do final da década dos anos 80 até o início dos anos 2000”.