A Comissão de Legislação e Norma do Conselho Municipal de Educação de Vitória (Comev) iniciará, na próxima segunda-feira (11), visitas às unidades de tempo integral da rede municipal de ensino. O objetivo é fazer uma avaliação para auxiliar o colegiado no seu papel de fiscalizador e elencar informações que possam contribuir para o debate da reformulação do Plano Municipal de Educação, encabeçado pelo Fórum Municipal de Educação, do qual o Comev é integrante.
As visitas se estenderão até o dia 25 de março, abrangendo 11 escolas, sendo duas nas regiões de Maruípe, Santo Antônio, Centro, Jucutuquara e São Pedro, e uma na região Continental. O professor e integrante da Comissão, Aguinaldo Rocha de Souza, diz que um dos pontos a serem observados pelo grupo é a infraestrutura das unidades de ensino. O docente aponta que, para implantar uma escola integral, não se pode aproveitar a estrutura física da unidade de ensino de tempo parcial.
Com base nisso, será observado se há espaços como laboratório, sala de artes, quadras e outros locais específicos para as atividades previstas em escolas de tempo integral, não ofertadas nas parciais. Aguinaldo acredita que o número de unidades de ensino sem a infraestrutura adequada para isso pode chegar a 90%, já que não foram construídas novas escolas com a criação das integrais. Outras observações a serem feitas, afirma, são sobre as condições dos banheiros e sala dos professores.
O relatório também levará em conta o quadro de pessoal. Aguinaldo destaca que praticamente não há profissionais com carga horária de 40 horas semanais na rede municipal. Portanto, a Comissão quer saber quantos de carga horária de 25 horas semanais estão com extensão para que se chegue a 40h, além de averiguar se há escolas de tempo integral com professores com carga horária de 25h, uma vez que as reivindicações das comunidades escolares era era para que os profissionais que não pudessem ou não quisessem trabalhar em tempo integral, tivessem a possibilidade de fazer isso sem mudar de escola.
Aguinaldo explica que, no caso de um docente com carga horária de 40h ter que se ausentar por licença média, por exemplo, pode acontecer de a gestão municipal colocar dois com carga horária de 25h, provando que a reivindicação feita pelas comunidades, mas rechaçada pela Secretaria Municipal de Educação (Seme), era viável. No que diz respeito aos professores, a Comissão também quer mensurar como está a presença de profissionais que atuam por meio do Programa Aprende +, do Ensina Brasil,
instituído pela gestão do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), por meio do Decreto Municipal nº 18.698, em 2021.
O Ensina Brasil tem como alguns de seus mantenedores grandes corporações, como o Itaú e a Fundação Lemann. Quando o programa foi instituído na rede municipal, houve discordância por parte do magistério, que apontou a interferência do setor privado na educação pública. Para Aguinaldo, o avançar da contratação de docentes por meio do Aprender +, além de desvalorizar esses profissionais, pode ser um indicativo de que, futuramente, os concursos públicos para professores serão ainda mais escassos.
A Comissão quer averiguar, ainda, se as unidades de ensino estão com o quadro de professores completo. O terceiro item a ser observado é se também há um quadro completo na equipe de apoio, composta por profissionais como auxiliar de educação infantil, cuidadores, profissionais da limpeza, pedagogos e coordenadores, além de levantar possíveis dados de evasão escolar.
Falta de diálogo
A implantação do tempo integral em Vitória durante a gestão de Pazolini tem sido marcada por muitas polêmicas, já que as comunidades escolares apontam falta de diálogo por parte da Seme.
Durante a prestação de contas da secretária Juliana Roshner, responsável pela pasta da educação, em dezembro último, o vereador André Moreira (Psol) apontou que a meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE) determina que os sistemas de educação devem garantir de forma qualitativa no mínimo 50% das escolas públicas funcionando em tempo integral de forma a atender pelo menos 25% dos estudantes da educação básica. Prevê, ainda, a ampliação progressiva da jornada dos professores. Apesar disso, recordou, muitos professores tiveram que ser deslocados, pois foi imposta a adesão ao trabalho em tempo integral de forma imediata.
A situação dos professores, inclusive, conforme apontou o vereador, foi uma das motivações para que a comunidade escolar do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Sinclair Philips, em Caratoíra, se mobilizasse contra a implantação do tempo integral. O vereador acredita que comunidades que não aderiram ao modelo poderiam ter feito caso a gestão de Lorenzo Pazolini tivesse dialogado com elas, já que uma das reclamações foi que a iniciativa estava sendo tomada de maneira impositiva.
A comunidade do Sinclair Philips foi a primeira a levar a público sua insatisfação com a implantação do modelo integral, anunciada em agosto de 2023. Foi apontada uma série de problemas que impossibilitavam a mudança, como precariedade na infraestrutura; horário de término das aulas, que seria às 16h, quando os responsáveis pelas crianças estão no trabalho; redução do número de vagas em cerca de 50%; e extinção de turmas para estudantes de seis meses a um ano.
Outro argumento foi a violência, já que os responsáveis teriam que matricular os estudantes em CMEIs de bairros vizinhos, como Santo Antônio e Morro do Quadro, o que a comunidade considera temeroso, já que a circulação de pessoas nessas áreas não é bem vista pelo tráfico. No final das contas, foi feita uma consulta pública em que a comunidade optou pela manutenção da jornada ampliada na unidade de ensino. Essa opção contou com 124 votos. Havia, ainda, outras duas. Uma eram um processo de transição de dois anos para que se tornasse um CMEI de tempo integral, que obteve sete votos. A outra, a implantação do integral de forma imediata, que recebeu 15 votos. Um voto foi anulado por não ter marcado nenhuma das três opções.
A comunidade do CMEI Jacy Alves Fraga, em Tabuazeiro, também se opôs à forma como o modelo integral estava sendo implantada, mas conseguiu reverter parcialmente a situação. A Seme, em novembro, anunciou que os estudantes terão a opção de se matricular no modelo parcial, em horário matutino. A iniciativa, embora não atendesse plenamente o pleito da comunidade, foi considerada uma conquista, já que a gestão de Lorenzo Pazolini estava decidida a deixar como opção somente o integral.
No entanto, por causa do atraso das obras da nova unidade de ensino, o CMEI continuou a funcionar em tempo parcial no ano letivo de 2024, com previsão de se tornar integral a partir do segundo semestre.
Outro problema é a imposição aos docentes da atuação em tempo integral, portanto, quem tem cadeira em outros municípios ou na rede estadual de ensino, teria que optar por uma delas. A tendência, neste caso, é que os profissionais saiam de Vitória, já que a cidade com menor salário para o magistério na região metropolitana.
Além dos CMEIs de Tabuazeiro e Caratoíra, outras unidades de ensino se posicionaram contra a implantação do modelo integral, mas ao contrário dessas duas, não tiveram êxito em seus pleitos.
As comunidades são as do CMEIs Valdivia da Penha Antunes Rodrigues, em Santos Dumont; Magnólia Dias Miranda Cunha, na Ilha das Caieiras; e da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) José Áureo Monjardim, em Fradinhos.
A escola de Fradinhos, segundo a comunidade, não tem infraestrutura para adotar o modelo integral. Para que a criança possa continuar frequentando a unidade, os responsáveis teriam que retirá-las de projetos sociais como os do Serviço de Convivência para Crianças e Adolescentes Caminhando Juntos (Cajuns), da própria Prefeitura de Vitória, que tem mais opções de atividades do que a proposta de tempo integral.
O horário a ser adotado a partir de 2024, das 7h às 16h30, também foi questionado pela comunidade escolar, por não levar em consideração que, no horário estipulado para a saída, os responsáveis pelas crianças estão trabalhando. Em Santos Dumont, os problemas apontados foram os mesmos. Além da falta de diálogo, a unidade de ensino, denunciou a comunidade, não conta com infraestrutura, o que impossibilita atividades como as de cultura e esporte e lazer, que deveriam passar a ser desenvolvidas.