Jacilene Braz Mota, Íris Rocha, Marileide de Jesus da Silva e Joilza Santos da Silva são algumas das mulheres vitimadas fatalmente no ano de 2024 no Estado. Seus nomes constam no manifesto do 8 de Março, divulgado nessa quarta-feira (6) pelo Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes), no qual reivindica-se investimentos em políticas públicas, cumprimento das legislações, e acolhimento e atendimento de qualidade para todas as mulheres. O texto é assinado por 79 organizações, como sindicatos, coletivos, centrais sindicais, movimentos sociais e associações.
Jacilene foi morta a facadas pelo marido em Guarapari. Morta a tiros na cidade de Alfredo Chaves, Íris estava grávida de oito meses. Marileide foi encontrada morta estrangulada em sua casa, no município de Cariacica. A facadas, Joilza foi assassinada pelo marido em Serra Sede.
O manifesto traz dados do Observatório de Segurança Pública e da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), que apontam que, em 2023, ocorreram no Estado 84 homicídios de mulheres, sendo 34 classificados como feminicídios. Muito provavelmente os altos índices permanecerão em 2024, vide a quantidade de mulheres já assassinadas. Diante disso, o Fórum traz como uma de suas reivindicações o cumprimento da Lei 14.541/2023, que prevê o funcionamento 24 horas por dia, incluindo domingos e feriados, das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams).
“Queremos a efetivação dos mecanismos previstos e construídos na Lei Maria da Penha para cessar as diversas violências contra as mulheres, não queremos substituição das DEAMs por salas rosas/Maria da Penha, mecanismos ineficientes de proteção à mulher”, critica o manifesto. O documento também defende que as equipes sejam fixas na Delegacia, de maioria feminina, e que passe por treinamentos constantes sobre a Lei Maria da Penha, “para assegurar atendimentos sólidos às mulheres em situação de violência”.
Por meio do manifesto, é reivindicado ainda o cumprimento e atualização do Pacto Estadual Pelo Enfrentamento à Violência Contra As Mulheres, que não foi assinado por todos municípios capixabas. O Pacto foi institucionalizado em 2020, com o objetivo de prevenir, combater e enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres, construindo uma rede de atendimento articulada.
O Fórum denuncia que tanto a gestão de Renato Casagrande (PSB) quanto as municipais não ofertam os serviços de saúde pública necessários, principalmente os de saúde mental. As mulheres tecem críticas ao fato de o Governo do Estado usar verba pública para financiar a Rede Abraço, rede manicomial que, conforme consta no documento, tem “viés religioso e origem ao caráter eleitoreiro”.
“Este serviço faz alianças com comunidades terapêuticas e se apropria de discursos da política de saúde mental antimanicomial, mas os serviços ofertados são paralelos a RAPS e não compõem com a Reforma Psiquiátrica. Além disso, financiar a Rede Abraço impede que a verba pública realmente vá para o cuidado em liberdade. Queremos uma RAPS [Rede de Atendimento Psicossocial] com o financiamento público para os serviços de saúde mental para as mulheres serem acolhidas com dignidade e cuidado. Queremos o fim da Rede Abraço! Queremos o fim das comunidades terapêuticas, que são espaços de violências e de violações de direitos humanos. Queremos mulheres com suas dores sendo acolhidas nos CAPS [Centro de Atendimento Psicossocial], nas Unidades de Saúde, nos Centro de Convivência e de Cultura”, defende o manifesto.
Entre os muitos direitos das mulheres destacados no manifesto, também está o reprodutivo. “Inclusive, pelo direito à maternidade, considerando que várias mulheres têm esse direito retirado, seja pelo genocídio da juventude negra, seja pela falta de condições de cuidar de sua prole em virtude da ausência de políticas públicas como saúde integral, educação, alimentação, habitação e demais direitos humanos”, diz o manifesto.
O Fórum de Mulheres também recorda quando, em 2020, uma menina de apenas 10 anos, em São Mateus, norte do Estado, engravidou ao ser vítima de estupro e teve seu direito ao aborto recusado no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam). A criança, então, teve que se deslocar para Recife, em Pernambuco, para fazer o procedimento. “Infelizmente, esse não é um caso isolado. Exigimos que os serviços de abortamento legal funcionem no Espírito Santo, garantindo os direitos das mulheres e crianças vítimas de violência”, cobra o manifesto.
Soma-se a isso, a reivindicação pela descriminalização total e legalização do aborto no Brasil; por políticas de atenção integral à saúde sexual e reprodutiva; pela efetivação da educação sexual e reprodutiva e formação para igualdade de gênero e raça para adolescentes e jovens nas escolas; pela universalização da cobertura da rede de atenção básica de saúde na qual estão inscritos tanto o pré-natal quanto o planejamento reprodutivo; pelo fortalecimento da rede de apoio com o aprimoramento dos fluxos e protocolos; bem como serviços públicos regionalizados, para o abortamento legal no Espírito Santo.
O manifesto também pede justiça para as vítimas do massacre de Aracruz, norte do Estado, em novembro de 2022, quando um adolescente de 16 anos invadiu duas escolas, fazendo vítimas fatais e deixando várias pessoas feridas. “Queremos respostas sobre as investigações do ataque e cobrar medidas e políticas que possam atender as demandas das famílias, estudantes e profissionais da educação”, enfatiza.
O texto traz, ainda, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2023 que mostram que mais de 2,5 milhões de mulheres não trabalham formalmente no Brasil para poder cuidar de parentes ou executar tarefas domésticas. “Isso significa que as políticas de saúde, educação, lazer, esporte e cultura estão em déficit com as necessidades da população, em especial de mulheres e, mais ainda, mulheres negras periféricas”, destaca.
Para o Fórum, não basta emprego para as mulheres, pois a defesa é pela garantia de “dignidade, condições adequadas de trabalho e salários que correspondam às necessidades reais e concretas das mulheres da classe trabalhadora”.
As mulheres do campo, das águas e das florestas não são esquecidas. As entidades recordam que, no final de 2023, o Senado aprovou e o presidente Lula (PT) sancionou o Projeto de Lei (PL) 1459/2022, o chamado Pacote do Veneno, com apoio da bancada ruralista.
“Defender a existência é defender a natureza, o sociometabolismo entre seres sociais e seres naturais, os saberes ancestrais e a relação não predatória. A luta ambiental em um país marcado por desigualdades sociais e raciais como o Brasil é por garantir a existência e autoorganização das populações do campo, das águas e das florestas, é lutar pela garantia das condições de produção e reprodução da vida de indígenas, quilombolas, ribeirinhas, camponesas e populações das cidades”, destaca o documento.
Manifestações na Grande Vitória e no interior
As manifestações alusivas ao 8 de março, nesta sexta-feira, Dia Internacional da Mulher, terão atividades em Vitória, capitaneadas pelo Fomes, e também no interior. As ações abarcam formações, roda de conversa, vigílias e panfletagens, reunindo organizações que contemplam mulheres periféricas e com deficiência, do campo, indígenas, quilombolas, negras, de movimentos comunitários, mães de filhos com deficiência, parlamentares, e do movimento sindical urbano e do campo.
O tema deste ano é “Pela vida das mulheres do campo, das águas, das florestas e das cidades: pelo direito de existir e decidir com dignidade e sem violência.
Antecedendo a marcha, nesta quinta-feira (7) acontecerá uma vigília, a partir das 16h30, na Praça Oito, Centro de Vitória, que será marcada por apresentações culturais que tratarão da realidade da mulher no Espírito Santo, como no que tange aos altos índices de feminicídio e homicídio, e violência sexual e obstétrica. Saindo da Praça Oito, as mulheres farão um cortejo pelas ruas do Centro, que, no dia seguinte, será palco da Marcha do Dia Internacional da Mulher.
Ao contrário dos anos anteriores, a tradicional marcha será pela manhã, com concentração às 8h30, na Casa Porto das Artes Plásticas, ao lado da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), no Centro de Vitória, tendo como ponto de chegada o Palácio Anchieta. No dia, o Fomes irá divulgar uma carta pública à sociedade capixaba com uma análise sobre a realidade das mulheres e os obstáculos enfrentados para dar fim às opressões vividas “pelas mais diversas mulheres que somos, pois somos plurais”, como afirma Edna Martins, uma das integrantes do Fórum.
Também na Grande Vitória, no sábado (9), às 16h, em Guarapari, as mulheres organizarão uma marcha a partir das 16h. A concentração será na Praça Trajano Lino Gonçalves, a Praça da Bússola, no Centro da cidade
Fora da Grande Vitória, as mulheres também se mobilizam em diversas ações, por meio de entidades ligadas ao Fórum. No norte e noroeste, as manifestações acontecerão nas cidades de São Mateus, Aracruz e Colatina. Em São Mateus haverá uma marcha no sábado (9), com concentração às 7h30, na Igreja Velha, no Centro. A programação no município de Aracruz será nos dias 11 e 16 de março. No primeiro dia, acontecerá uma vigília em frente à Câmara Municipal, às 17h. No segundo, roda de conversa sobre os Benefícios Previdenciários para mulheres e pensão para dependentes de vítimas de feminicídios, às 15h, na Praça da Amizade, em Coqueiral de Aracruz.
Em Colatina, no sábado (9), às 8h, haverá caminhada pela Avenida Getúlio Vargas, no Centro de Vitória. Das 10h às 11h, diálogos com as mulheres no Calçadão Geraldo Pereira, também no Centro.