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PGE e Casa Civil: Estado só retoma repactuação com litoral norte reconhecido

Anúncio foi feito em reunião com comunidades quilombolas atingidas, totalmente desassistidas

“O Espírito Santo não voltará para a mesa de negociação enquanto a Deliberação 58 do CIF [Comitê Interfederativo] não for atendida. Não é admissível que as empresas causadoras de tamanho dano fiquem insensíveis a essa situação que abrange 32 comunidades remanescentes de quilombos”. A fala é a resposta do procurador-geral do Estado, Jasson Hibner Amaral, diante do apelo feito pelas comunidades quilombolas, que continuam totalmente desassistidas das ações de reparação e compensação pelo crime da Samarco/Vale-BHP na bacia hidrográfica do Rio Doce, passados oito anos da tragédia.

A escuta foi feita nesta sexta-feira (8), na sede da PGE, com representantes dos quilombos de Linhares, São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado, que relataram a grave crise de insegurança alimentar e hídrica decorrente do não reconhecimento e pediram a adoção de medidas humanitárias urgentes.

O subsecretário da Casa Civil para Assuntos Administrativos e coordenador executivo do Comitê Pró Rio Doce, Ricardo Iannotti da Rocha, também participou da reunião e defendeu a mesma posição. “O Governo do Espírito Santo só participará de tratativas na mesa de repactuação, caso haja novas tentativas de acordo, com o reconhecimento efetivo de todos os municípios atingidos no Estado, em especial os da Deliberação 58, de 31 de março de 2017, do Comitê Interfederativo, que reconhece áreas do litoral norte capixaba”, reforçou o subsecretário. 

Divulgação/PGE

A Deliberação 58 foi aprovada em 2017 pelo CIF, que é a instância responsável por fiscalizar as ações de reparação e compensação. Porém, nunca foi cumprida pela Fundação Renova, o que coloca também comunidades pesqueiras de Conceição da Barra, São Mateus, Linhares, Aracruz e Serra em situação de alta vulnerabilidade, há oito anos.

Pela Deliberação 58/2017, devem ser incluídas nos programas da Renova comunidades localizadas entre Nova Almeida, na Serra, até Conceição da Barra, dentre as quais: Urussuquara, Campo Grande, Barra Nova Sul, Barra Nova Norte, Nativo, Fazenda Ponta, São Miguel, Gameleira, Ferrugem, Pontal do Ipiranga, Barra Seca, Regência, Povoação, Degredo, Portal de Santa Cruz, Itaparica, Santa Cruz, Mar Azul, Vila do Riacho, Rio Preto à Barra do Sahy, Barra do Riacho e Nova Almeida.

A judicialização dessa situação chegou a ter decisão favorável para as comunidades em agosto último, mas em novembro passado, recebeu uma sentença contrária por parte do desembargador Ricardo Machado Rabelo, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), que acatou o agravo impetrado pelas mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton e pela Renova.

“A gente entende que é uma questão humanitária urgente, porque há uma vulnerabilidade social, hídrica, alimentar e de saúde muito grave nesses territórios, que ficou ainda mais explícita depois dos relatórios da Aecom, mostrando a contaminação das águas e dos alimentos”, afirma Simony Jesus, diretora de relacionamento institucional da Associação dos Pescadores, Extrativistas e Remanescentes de Quilombo de Degredo (ASPERQD), entidade criada por moradores do Degredo, em Linhares, e que instituiu a primeira Assessoria Técnica Independente (ATI) contratada no Espírito Santo pela Renova.

“A dor do quilombola, do afrodescendente, é tão naturalizada, que para as empresas não faz diferença”, afirma Simony, que também é coordenadora da ATI da associação e sabe a importância da assessoria técnica para que a situação de Degredo seja diferenciada das demais comunidades quilombolas do norte do Estado. “Somos a comunidade mais avançada na reparação em toda a bacia”, reconhece a líder quilombola. Degredo, afirma, tem se dedicado a apoiar as demais comunidades a também alcançarem seus direitos como atingidas.

“O procurador-geral disse que iria ter uma reunião com o desembargador do TRF-6 para expor a posição do governo do Estado sobre a Deliberação 58. O Tribunal deve decidir em breve sobre o caso novamente, em colegiado, e a gente espera que dessa vez seja favorável às comunidades e respeite a deliberação do CIF”, afirma.

As esferas federais também foram acionadas em relação à Deliberação 58 e outras medidas necessárias ao amparo de comunidades e povos tradicionais atingidos, incluindo indígenas e pesqueiras de todo o Espírito Santo e Minas Gerais, durante a 55ª reunião ordinária da Câmara Técnica Indígena e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT/CIF), realizada na terça e quarta passada (5 e 6) em Linhares.

Visita da Câmara Técnica às obras do Complexo Quilombola do Degredo, em Linhares. Foto: ASPERQD

Quilombolas de Santa Efigênia, em Mariana, Minas Gerais, e do Sapê do Norte, e indígenas Krenak, de Minas, e de Aracruz, no Espírito Santo, além de pescadores tradicionais de diversas regiões dos dois estados, participaram. Da parte do governo federal, vieram representantes dos ministérios de Igualdade Racial (MIR), Povos Indígenas (MPI), Desenvolvimento Agrário (MDA), da Fundação Cultural Palmares (FCA) e do Gabinete da Presidência da República. Assim como o coordenador regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no Espírito Santo e Minas Gerais, Douglas Krenak, e o subsecretário da Casa Civil, Ricardo Ianotti.

O cumprimento da Deliberação 58 foi um dos pontos altos da reunião, ressalta Simony, tendo se desdobrado na reunião três dias depois na PGE. Outro destaque foi a visita da Câmara Técnica Indígena e Povos e Comunidades Tradicionais ao território do Degredo, para conhecer a construção do complexo arquitetônico, o primeiro quilombola desde Zumbi dos Palmares, há 330 anos.

“O complexo é fruto do PBAQ [Plano Básico Ambiental Quilombola], que conseguimos aprovar e implementar por meio da Assessoria Técnica Independente da ASPERQD”, explica a diretora da entidade, citando, entre os componentes da obra, uma Casa da Cultura, uma sede da associação, quadra de esportes e museu.

Em outras ações de reparação e compensação, como a estação de tratamento de água de Degredo, o Governo do Estado também se comprometeu a atuar pela celeridade das obras, que foram determinadas em decisão judicial de 2022.

Ação de R$ 155 bilhões

Outra condição para o sucesso da repactuação, do ponto de vista da Comissão Externa da Câmara Federal, é alcançar um valor mínimo de R$ 100 a R$ 120 bilhões, conforme relatou a Século Diário o relator da Comissão, deputado federal Helder Salomão (PT). “No final do ano passado, as empresas ofereceram um valor absurdo. Se as empresas continuarem mantendo o valor de 45 bilhões, não terá repactuação do acordo. O patamar para a gente conversar sobre repactuação do acordo é no mínimo R$ 100 a 120 bilhões, que é o valor mínimo que se pode adotar como parâmetro para que a gente tenha uma recuperação e reparação daqueles que foram duramente atingidos com o crime ambiental de Mariana, que já faz mais de oito anos”, argumentou o parlamentar.

Outros pressupostos para o aval da Comissão Externa, complementou Helder Salomão, são ao atendimento aos pontos basilares do relatório aprovado pelo colegiado em dezembro passado, que incluem: a participação das pessoas atingidas nas negociações; a utilização do dinheiro da repactuação exclusivamente nos territórios atingidos; a extinção da Renova e a criação de uma governança coordenada pelo governo federal; e o cumprimento das medidas de restauração ambiental, independentemente do valor, diretrizes e ações definidas na repactuação do acordo.

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