Ambientalistas José Marques Porto e Isabela Narde falam sobre enchentes que afetam a região sul
O enfrentamento a enchentes como as que afetaram cidades do Espírito Santo nos últimos dias demanda que Estado e municípios elaborem planos de ação climática com urgência. Essa é a opinião de dois ambientalistas que pesquisam o tema: José Marques Porto, cientista político e social, e Isabela Narde, diretora de Estratégias da Organização Não Governamental (ONG) Restauração e Ecodesenvolvimento da Bacia Hidrográfica do Itabapoana (Redi).
O sul do Espírito Santo registrou, até esta segunda-feira (25), 7,2 mil desalojados e 19 mortos, após um grande volume de chuvas no fim de semana resultar em transbordamento dos rios da região. Os municípios afetados pelas enchentes incluem Alegre, Alfredo Chaves, Apiacá, Atílio Vivacqua, Bom Jesus do Norte, Guaçuí, Jerônimo Monteiro, Mimoso do Sul, Muniz Freire, Muqui, Rio Novo do Sul, São José do Calçado, Vargem Alta e Cachoeiro de Itapemirim.
É consenso no meio científico que as mudanças climáticas globais, resultantes do aumento da temperatura terrestre por conta da ação humana, tem feito com que eventos climáticos extremos aconteçam com cada vez mais frequência. Mas existem problemas locais nas regiões atingidas no Espírito Santo que acabam potencializadas pelos eventos climáticos.
Um desses problemas é o histórico de péssimo uso e ocupação do solo no sul do Espírito Santo, com cidades construídas praticamente dentro dos rios – as bacias hidrográficas do Rio Itabapoana e Rio Itapemirim abastecem a região.
“Esse é o primeiro ponto. A gente poderia estar com eventos climáticos extremos, mas em cidades em que pessoas não moram na beira dos rios, em que o sistema de drenagem funcionam bem durante as chuvas. Mas nada disso foi pensado, apesar de a gente saber das mudanças climáticas há mais de 50 anos”, comenta José Marques Porto.
Outro ponto é a baixa cobertura vegetal das bacias hidrográficas, resultando em dificuldades para que o solo absorva a água das chuvas. “São séculos de exploração, e o desmatamento, sobretudo no Rio Itabapoana, é diretamente responsável pelo assoreamento, diminuindo a área do rio. Se há muitos anos o rio era navegável em alguns trechos, hoje é inviável”, afirma Isabela Narde.
A expansão no sul do Espírito Santo do cultivo de eucalipto que, reconhecidamente, consome muita água do solo, é lembrada por José Marques. Isabela identifica, ainda, o frequente uso na região da queima de pastagem na agropecuária, prática danosa ambientalmente.
As hidrelétricas construídas ao longo do Rio Itabapoana também geram impactos, adiciona a diretora da Redi. Ela cita ainda uma ameaça socioambiental em vias de se concretizar, que é a construção do Porto Central em Presidente Kennedy, no litoral sul, onde deságua o Itabapoana, que resultará em uma ampla área de desmatamento – além do fato de o empreendimento ser voltado à comercialização de petróleo, combustível fóssil que tem responsabilidade no aquecimento global.
José Marques aponta para uma grave falha governamental estadual relacionada à emergência climática. “A Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) não tem análise climática de risco das bacias dos rios capixabas. Se tivesse isso, a gente saberia, por exemplo, que existem grandes possibilidades de acontecer esse tipo de evento e tomar providências com antecedência. O governador Renato Casagrande (PSB) anda pra lá e pra cá dizendo que combate as mudanças climáticas, mas nada de efetivo foi feito”, critica.
Já Isabela Narde ressalta que os municípios do interior também sofrem com marginalização, no que diz respeito à implantação de políticas públicas. “Nós sabemos que a região metropolitana concentra mais pessoas, mas as cidades do interior passam por problemas semelhantes e não recebem a mesma atenção”, argumenta.
Propostas
Nesse sentido, planos municipais e estaduais de enfrentamento à emergência climática deveriam conter ações de curto, médio e longo prazo, segundo Isabela. No curto prazo, estão ações para a efetiva estruturação das defesas civis e dos serviços de saúde para atender pessoas afetadas. Também é preciso que se estabeleçam fundos emergenciais para esse tipo de evento, além do fortalecimento dos sistemas de alerta de eventos climáticos. A médio e longo prazo, está a necessidade de realizar reflorestamento e desassoreamento dos rios.
Segundo José Marques, existem soluções de engenharia para enfrentamento dos alagamentos, como sistemas de drenagem e bombeamento das águas e aprofundamento das calhas dos rios, como fez a cidade de Paris, capital da França. “Mas só infraestrutura cinza não resolve”, pondera. Isabela concorda: “Bom Jesus do Norte, minha cidade, recebeu um grande recurso ano passado para a construção de muro de contenção. Isso é muito bom, mas não suficiente.”
Os municípios e o Estado precisam construir planos para captar recursos e retirar as pessoas que moram em áreas de risco, acrescenta José Marques Porto, lembrando que os períodos de seca também são um desafio na emergência climática.
“Enquanto no sul tivemos chuvas e enchentes, no norte e noroeste do Estado enfrentamos déficit hídrico. O calor extremo é algo que precisa ser enfrentado pelo poder público, com a criação de locais em que as pessoas que não condições de ter ventilador e ar condicionado possam se refrescar”, defende.
Fórum
Isabela Narde aposta no I Fórum de Saberes da Bacia Hidrográfica do Itabapoana como uma possibilidade de construção de soluções coletivas. O evento deverá ser realizado em julho deste ano, em Bom Jesus do Itabapoana, no extremo norte do Rio de Janeiro, com a presença de representantes de todos os municípios da região do Itabapoana.
“Cada cidade tem suas peculiaridades, e o fórum vai ser um momento importante para que todo mundo possa colocar a situação do seu município, avaliando o que dá certo ou não em cada local”, comenta.