Justiça também ordenou revisão imediata dos auxílios financeiros negados a atingidos inclusos no Novel
São “ilícitas” e “levianas” as posturas adotadas pela Fundação Renova contra os atingidos que aderiram ao sistema Novel para indenização por danos materiais decorrentes do crime da Samarco/Vale-BHP no Rio Doce em 2015, bem como contra dezenas de comunidades localizadas entre Nova Almeida, na Serra, e Conceição da Barra, no norte do Estado, incluindo mais de trinta comunidades quilombolas que continuam totalmente desassistidas.
A posição consta na sentença expedida nessa segunda-feira (25) pelo juiz da 4ª Vara Federal de Belo Horizonte, Vinícius Cobucci, atendendo a pedidos feitos pelas Defensorias e Ministérios Públicos Estaduais e Federais do Espírito Santo e Minas Gerais.
“A Fundação Renova reitera o seu descaso pelas ordens do juízo e autoridade do poder judiciário, o que é censurável e merece reprimenda, já que deliberado e reiterado. E, além disso, como apontado pelo MP e DP, o comportamento da Fundação Renova tem consequências reais e desastrosas para o processo de reparação, com ofensa à imagem do poder judiciário e demais órgãos públicos, ao tomar interpretações unilaterais sem quais qualquer fundamento ou autorização”, afirma o magistrado.
Especificamente sobre os atingidos que aderiram ao sistema Novel, Vinícius Cobucci atende ao pedido feito pelas instituições de Justiça, para que seja feita uma imediata revisão dos auxílios financeiros emergenciais (AFE) negados, com base na cláusula de quitação geral dos danos, imposta nos contratos de indenização via Novel. “A Fundação Renova adota posição leviana ao afirmar que poderia haver sobreposição de programas, visto que, como órgão de execução do TTAC, não detém tal atribuição para retirar um direito do atingido em detrimento de um programa que julga adequado”, afirma o juiz, decidindo ainda por aplicar “multa por litigância de má-fé no valor de R$ 250 mil”.
Sobre as comunidades do litoral norte, Vinícius Cobucci determina sua imediata inclusão nos programas de reparação e compensação de danos da Renova, em cumprimento à Deliberação nº 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF). “É ilícita também a postura da Renova em relação às áreas abrangidas pela Deliberação n. 58/2017. Não há ordem que suspenda os efeitos da deliberação”.
Para provar o cumprimento da decisão relativa aos atingidos incluídos no Novel, o juiz determina, entre outras medidas, que a Renova “apresente listagem nos presentes autos (sob sigilo), contendo relação de todas as pessoas atingidas que tiveram negada sua elegibilidade ao AFE sob o fundamento de que não possuiriam tal direito em razão do pagamento de indenização e do termo de quitação exigido no âmbito do Novel, fazendo constar o seguinte: a) nome completo; b) protocolo de atendimento; c) município de residência; d) data da solicitação de adesão ao AFE; e) data da decisão de indeferimento à elegibilidade ao AFE”. Mesma listagem deve ser apresentada, prossegue o despacho, “nos casos de indeferimento relacionado aos atingidos localizados em territórios impactados identificados na Deliberação CIF nº 58/2017”.
O juiz determina ainda duas medidas adicionais, “com base no poder geral de cautela e a ante o caráter indisponível e alimentar do AFE”, com objetivo de evitar futuras ações igualmente “ilícitas” e “levianas” por parte da Renova e das mineradoras que a sustentam, a saber a Vale, a BHP Billiton e a Samarco.
Primeiro, proíbe a Renova de: “efetuar qualquer suspensão unilateral do AFE, a qual dependerá de autorização do CIF ou judicial”; e “adotar interpretação genérica para recusar a avaliação do benefício, de modo que todo requerimento deverá ser avaliado o de forma individualizada e desvinculada de qualquer análise em relação à indenização pretérita”. Segundo, as mineradoras e a Renova “estão proibidas de adotar qualquer interpretação unilateral no sentido de afastar qualquer estado de emergência ou interpretar unilateralmente a retomada de condições econômicas ou produtivas, as quais dependem de autorização do CIF ou judicial”.
A sentença prevê outra multa, em caso de descumprimento das determinações, por “ato atentatório à dignidade da justiça, sem prejuízo da investigação criminal dos responsáveis”.
O juiz estabelece ainda que o presidente da Renova – Luiz Scavarda, em substituição a Paulo Misk, que renunciou em agosto, por “motivos pessoais”, segundo nota da entidade – seja intimado pessoalmente, por mandado, ou eventual substituto e eventual diretor do setor de compliance, no prazo de dez dias, e que, “em caso de reiteração, as sanções serão proporcionalmente mais gravosas”.
Quitação geral e litoral norte
A cláusula de quitação geral dos danos, incluída nos contratos de indenização feitos no âmbito do Novel, já foi denunciada pelas instituições de justiça como ilegal por diversas vezes, com sucessivas sentenças nesse sentido pela Justiça, mas continua sendo imposta pela Fundação Renova.
Sobre a Deliberação 58/2017 do CIF, ela também está na mira da Procuradoria Geral do Estado (PGE) do Espírito Santo, que, em reunião com comunidades quilombolas atingidas no início deste mês, afirmou que o seu cumprimento é condição inegociável para que o governo do Estado retome as negociações no âmbito da repactuação do acordo de reparação e compensação pelos danos do crime, atualmente sob liderança do governo federal.
Uma conversa com o desembargador responsável pelo caso no Tribunal Regional Federal da Sexta Região (TRF-6) chegou a ser anunciada pelo procurador, Jasson Hibner Amaral, na ocasião, com objetivo de sensibilizar o magistrado para a vulnerabilidade das dezenas de comunidades ainda excluídas dos programas da Renova.