Líder de estudo internacional, Ângelo Bernardino destaca manguezais do ES, com 1,5 mil toneladas por hectare
Os manguezais têm uma capacidade de estocagem de carbono muito maior do que as florestas continentais e cumprem uma função fundamental na regulação do clima. A informação, que já circulava no meio científico há algum tempo, agora foi devidamente medida e encaminhada como proposta de inclusão desses ecossistemas no mercado de carbono brasileiro, o que tende a incentivar ações que visem sua proteção e recuperação. Trata-se da pesquisa “A inclusão dos manguezais da Amazônia no programa REDD+ do Brasil”, patrocinada pela National Geographic e pela Expedição Perpetual Planet Amazônia, da Rolex, publicada este mês na revista científica Nature Communications.
“As nossas descobertas sugerem que, ao mitigar a perda de apenas um hectare de manguezais, chegamos a proteger o equivalente a mais de 100 hectares de florestas secundárias de terras altas, em termos de emissões de carbono evitadas”, destaca o professor do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e explorador da National Geographic Ângelo Bernardino, que lidera a equipe, formada por outros professores da Ufes, das universidade de São Paulo e do Ceará (USP e UFCE), de instituições dos Estados Unidos e da Suíça, e de pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
“Interromper o desmatamento de manguezais no bioma da Amazônia brasileira evitaria emissões equivalentes àquelas emitidas por mais de 200 mil carros movidos a gasolina todos os anos. Temos uma oportunidade única de abordar essa lacuna para aprimorar os esforços de conservação do Brasil no bioma Amazônia”, acrescenta.
A pesquisa analisou 900 amostras de solo e medições de árvores de mais de 190 lotes de florestas de manguezais em áreas intocadas e desmatadas perto da foz do Rio Amazonas, incluindo Sucuriju, Araguari e Bailique, e a leste, incluindo Curuçá, Maracanã e Bragança. Entre os resultados encontrados, está a capacidade de sequestro de cerca de 468,3 toneladas de carbono por hectare nos manguezais estudados, considerada de três a 20 vezes maior do que a dos biomas continentais de “terras altas”.
A proposta objetiva dos pesquisadores é pela inclusão dos manguezais brasileiros nos cálculos das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), estabelecidas para que o país cumpra com o Acordo de Paris, firmado mundialmente em 2015, para evitar que o planeta aqueça mais do que 1,5ºC em relação às médias de temperaturas antes da Revolução Industrial, em meados do século XIX.
O estudo, afirma Ângelo Bernardino, propõe também a inclusão dos manguezais no chamado “mercado voluntário” de créditos de carbono. Assim esses ecossistemas poderão receber financiamento para proteção e recuperação, por meio da REDD+, iniciativa criada no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para beneficiar países em desenvolvimento que se esforcem para reduzir suas emissões de GEEs geradas a partir do desmatamento e outras formas de degradação florestal.
Mercado capixaba
O Espírito Santo aderiu oficialmente, em 2021, à campanha Race to Zero (Corrida para o Zero), da Organização das Nações Unidas (ONU), se comprometendo com a neutralidade na emissão de GEEs até o ano de 2050. A elaboração do Plano de Descarbonização fez parte deste compromisso e foi concluída neste mês de março. Nele, ficou evidente que os setores de Energia & Indústria e Afolu (Agricultura, Florestas e Outros Usos da Terra) são os principais emissores no Espírito Santo, representando a maior parte das emissões brutas. Outra meta importante do Estado é reduzir em 27% as emissões de GEEs até 2030, antes de alcançar o Netzero em 2050.
Com tradição em pesquisar manguezais, inclusive no Espírito Santo, Ângelo Bernardino destaca a importância dos estuários capixabas para a regulação climática. Entre eles, o Piraquê-açu e Piraquê-mirim, em Aracruz, no norte do Estado, onde os estudos apontam uma capacidade ainda maior de estocagem de carbono do que os amazônicos, com cerca de 1,5 mil toneladas por hectare. Confira a entrevista:
Professor, por que os manguezais têm tanto poder de capturar carbono da atmosfera?
São muitas razões e uma delas é que eles são ecossistemas muito produtivos. Ficam na zona costeira, entre o continente e os oceanos, e recebem grande quantidade de material do continente trazido pelos rios e também muita matéria orgânica de origem marinha. Isso faz com quem eles sejam muito produtivos em termos fotossintéticos, porque produzem grande quantidade de material orgânico. E quando se fala de material orgânico, de nutrientes, isso significa carbono. As árvores dos manguezais sequestram muito carbono e muito desse carbono, mais de dois terços, fica preso no solo, na vegetação, diferentemente de outros ecossistemas terrestres. Como os solos são alagados, eles têm pouca concentração de oxigênio e isso ajuda na preservação desse carbono. Então, ao invés dele ser degradado, decomposto e retornar para a atmosfera, como ocorre muito em florestas terrestres, nos manguezais esse carbono fica preso, porque tem pouco oxigênio. E esse carbono fica preso no solo por centenas, milhares de anos.
Por que escolher a Amazônia para fazer esse estudo?
O Brasil é o segundo país com maior extensão de manguezais e dois terços desses manguezais estão na costa norte, na Amazônia, entre o litoral do Amapá, Pará e Maranhão. E lá eles são bem preservados, têm proteção permanente por lei, apesar de que a gente sabe que essa proteção por lei é só no papel em alguns lugares. Há áreas onde os manguezais são removidos para ocupação urbana ou, no caso do Nordeste, para construir fazendas de camarão. No nosso artigo, o que a gente viu foi o problema da pastagem, com lotes que são cortados para dar lugar a pastagens, nas áreas mais altas dos manguezais da Amazônia.
Se os manguezais são tão importantes para a fixação do carbono, por que eles ainda não foram incluídos nas NDCs do Brasil? Quais os trâmites necessários para isso?
Hoje o Brasil considera principalmente os ecossistemas florestais e não florestais terrestres, que incluem a Floresta Amazônica, o Pantanal, a Mata Atlântica, os Pampas. O nosso trabalho traz como novidade o uso dos manguezais na mitigação climática, para o abatimento das emissões de gases de efeito estufa no setor florestal, que são os programas REDD – Redução de Emissão por Degradação de Florestas. E a gente quantifica, pela primeira vez, para o Brasil, a costa amazônica, quais os níveis de emissões por perdas de manguezais para pastagens e fazendas de camarão, que são as duas formas mais comuns, mais abundantes de conversão de mangues em áreas de não florestas, áreas impactadas. E a gente determina os níveis médios de perda de manguezal na Amazônia. Era isso que precisava para que o Brasil começasse a usar os manguezais como forma de mitigação.
Na prática, como o estudo pode ajudar a apoiar a proteção e recuperação dos manguezais do Brasil, dentro do mercado de carbono, que atende às metas de descarbonização das empresas?
A descarbonização é uma iniciativa que as empresas têm que fazer por lei. As empresas têm que cumprir metas de redução de emissões de gases de efeito estufa. Isso é descarbonizar, é o mercado regulado de carbono. Mas, dificilmente, todas as empresas conseguirão ficar carbono neutras, pois algumas emissões serão difíceis de reduzir. E aí que entra o mercado voluntário, onde elas podem adquirir créditos de florestas ou outros projetos para compensar as emissões que não conseguem eliminar. Os projetos REDD+ já existem há muitos anos e vão nessa frente. Eles geram créditos por conservação ou mitigação de perda de florestas. Esses créditos REDD+ vão para o mercado voluntário e gera recursos para financiar a conservação, fiscalização e outras medidas. No caso de manguezais, os créditos gerados na proteção deles poderiam ser negociados em mercados voluntários, projetos voluntários, onde as empresas podem investir e assim comprar os créditos de carbono que precisam.
Qual a estimativa do potencial dos manguezais capixabas para reduzir os efeitos das mudanças climáticas? E como isso pode se refletir em incentivo para sua proteção e recuperação, considerando que o Estado perdeu uma grande área de manguezais nos últimos 45 anos?
Os manguezais de Aracruz têm os maiores estoques que a gente já mediu no Brasil, em torno de 1,5 mil toneladas por hectare. Apesar da mortandade de 2016, existe ainda uma quantidade muito grande de carbono estocado. No Piraquê-açu e Piraquê-mirim, a gente já determinou as taxas de perda. Agora estamos estudando os manguezais da baía de Vitória. Então aplicar o estudo em outros biomas é dessa maneira: a gente primeiro conhece os estoques e, em seguida, pode determinar o potencial de abatimento de emissões desses manguezais. A partir daí, o Estado tem que tomar uma ação para conter as perdas de manguezais, e essa perda mitigada pode ser usada no mercado de carbono, ou seja, usada para abatimento de emissões no setor florestal.
O que falta no Brasil é a regulação desse mercado para projetos de carbono azul [reservatórios de carbono em biomas como os manguezais, marismas e gramas marinhas], envolvendo questões como a regulação da posse das terras, sobre a propriedade desses créditos, se seria do governo federal ou dos estaduais…são tópicos que estão sendo discutidos no governo do Espírito Santo.
É muito importante que essa regulação aconteça, para incentivar a proteção e recuperação dos manguezais. Eles já são protegidos por lei, mas a fiscalização falha em proteger 100%. Além do valor de sequestro de carbono, do benefício climático muito importante, eles também trazem benefícios diretos para as pessoas que vivem próximas. Os manguezais fornecem uma gama de serviços ecossistêmicos muito importantes, que ainda não têm valor de mercado, mas são importantes para as pessoas e podem e devem ser valorados.