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Uma Secretaria Estadual da Pesca é solução para as demandas da categoria?

Ulysses Raposo levantou o debate na Assembleia Legislativa sobre a pauta, que é antiga entre os pescadores

Uma Secretaria Estadual da Pesca é solução para atender as necessidades da pesca artesanal capixaba? O debate foi retomado na Assembleia Legislativa, pela fala do presidente da Associação dos Pescadores e Amadores de Pesca de Itaipava (Apedi), Ulysses Vieira Raposo.

“O Estado do Espírito Santo, infelizmente, não tem uma Secretaria da Pesca. Em nome dos pescadores, quero aqui pedir ao nosso governador Renato Casagrande (PSB), precisamos de uma secretaria que dê atenção, que dê a importância que a pesca precisa no Espírito Santo. A pesca não pode ser lembrada só na época de eleição”, disse na Tribuna Popular da Casa, nessa quarta-feira (3).

Atualmente, a pesca está alocada dentro da Subsecretaria de Agricultura Familiar, que faz parte da Secretaria de Estado de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag). Porém, sem estrutura que dê conta das demandas da categoria. “Está dentro da Agricultura Familiar, mas não tem gerência nem diretoria. O Estado deveria seguir o Governo Federal, que criou o Ministério da Pesca”, opina.

“Tem barco nosso que sai com despesa de R$ 100 mil a R$ 140 mil para o alto-mar, para passar de 18 a 25 dias. Essas embarcações geram riquezas em nossas cidades, recursos, empregos. Nossa frota de Itaipava, da qual faço parte, é espalhada pelo Brasil inteiro. Têm pescadores nossos de Norte a Sul do país. Inclusive foram muitos pra África, para ensinar lá como pescar. Olha a importância da nossa pesca!”, disse, em referência à importância econômica da atividade, para além da importância cultural.

“Nós precisamos entender a importância do alimento, da cultura, da nossa famosa moqueca capixaba. Nós precisamos entender que isso é importante para o nosso Estado. As milhares de famílias, de empresas, a quantidade de pessoas que vivem direta e indiretamente da pesca. Os que comem, os que compram, os que vendem, os empregos que são gerados. Cadê o valor que a pesca tem no Espírito Santo?”, questionou.

Concordando com a pauta, o pescador Braz Clarindo Clarindo, integrante da Colônia Z-5 e ex-diretor do Sindicato dos Pescadores do Espírito Santo, afirma que a secretaria estadual pode ser uma solução se for gerida por uma pessoa capacitada para a função, com experiência na área, e recursos financeiros para trabalhar.

“O secretário de Pesca [federal] nosso é um ex-vereador, um advogado, que não sabe o que é pesca. Se criar a secretaria estadual e colocar pessoas sem competência, não vai resolver, vai continuar como está. Tem que colocar pessoas competentes, que conheçam a pesca e tenham condições de trabalho. Se colocar alguém que não ganhou eleição, só por indicação política, não adianta”, afirma.

É preciso também, acrescenta, saber dialogar com todas as esferas do Executivo e trabalhar pela simplificação das leis, portarias, resolução e instruções normativas. “A legislação da pesca é a coisa mais complicada que existe. Um barco para ir para o mar tem oito documentos. A secretaria tem que ter gente da área”, reforça. “O Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis] quando vem, a gente perde tudo: camarão, barco, rede, é multado …e quando vai lá para tentar resolver o problema, não consegue”.

A capacitação do atendimento, sublinha, precisa acontecer em todos os órgãos. “Eu queria ir no Ibama, na Seap [Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca, vinculada ao Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA)], na Capitania, chegar lá e pegar os documentos tudo certinho. Mas tá tudo parado, não tem funcionário capacitado para atender a gerente, renovar a carteira, as licenças. Daí a gente é multado. O clandestino consegue trabalhar, porque não tem documento de nada, não tem como ser localizado. Eu cansei, tô vendendo meu barco. Tenho cinco filhos, não deixei nenhum deles tomar gosto pela pesca. Não quero isso para eles”, lamenta”.

A desistência da profissão que ele vive na família é disseminada entre muitos colegas de todo o Estado, avalia Braz. Em 2020, durante manifestações na Prefeitura de Vitória contra a criminalização da pesca artesanal iniciada pela gestão de Luciano Rezende (Cidadania) com a sanção da Lei nº 9077/2017, o sindicato estadual, do qual ele era vice-presidente, tinha uma estimativa de 16,5 mil pescadores em atividade, que contribuíam com cerca de 7% do Produto Interno Bruno (PIB) capixaba. “Esse é um dado de 2011. De lá para cá não foi feito levantamento outro levantamento, mas tem muita gente desistindo. O governo federal, o estadual e o municipal só prejudicam a gente”.

Especificamente na baía de Vitória, local tradicional da pesca artesanal, elemento fundamental da identidade cultural capixaba, ele salienta a gravidade da criminalização iniciada pela Lei 9077/2017, cuja fiscalização foi intensificada na atual gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos). “Falam que pescador que degrada. Mas olha lá: é óleo diesel, é óleo queimado, é minério de ferro no mar, na praia. É o pescador que faz isso? Claro que não! É o porto, a Vale! Agora, vai fechar a Vale! Não fecha. Mais fácil jogar a culpa no pescador e prejudicar a gente“.

A angústia é compartilhada pelo pescador Valquírio Sampaio Loureiro, que tem o episódio da perseguição protagonizada por Pazolini como emblemático do abandono generalizado que os pescadores artesanais sofrem nas políticas públicas em todas as esferas.

“A prefeitura de Vitória, a Polícia Ambiental, o Ibama, a Capitania dos Portos…estavam tudo recriminando os pescadores porque morria tartaruga. Agora que pararam de recriminar, não morre mais? Era o pescador mesmo que estava errado? Os ambientalistas viam no começo os pescadores como bandidos, mas quando começaram a ter entendimento de quem é o pescador, entenderam que a culpa não é nossa. A Capitania dos Portos saía de madrugada para procurar pescador de canoa. Nunca vi isso em lugar nenhum no Brasil. Duas horas da manhã, a capitania se enfiando nos mangues procurando gente pescando. A Prefeitura de Vitória tomou minha canoa, colocaram arma em cima de mim, me multaram dizendo que minha carteira estava vencida. Eu fui na prefeitura, mostrei que nunca fiquei com a carteira vencida. A multa continua”, relata.

Após meses de intensa perseguição contra os pescadores artesanais da Capital, a Prefeitura recuou, publicando normativas que visavam regulamentar a pesca, mas que, na avaliação dos pescadores e do Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca), não resolvem as questões legais, ambientais e sociais de forma adequada. Por isso, a iniciativa de retomar a atualização da normativa federal sobre o assunto. “O prefeito suspendeu a fiscalização contra os pescadores, mas a gente não sabe se vai voltar, caso ele seja reeleito. A única solução para a gente é o Ibama publicar a portaria regulamentado a pesca assistida”, diz.

A minuta da portaria foi elaborada no âmbito de um O Grupo de Trabalho (GT) criado dentro do Compesca e enviada para Brasília em dezembro. O texto precisa passar pelo Ibama e o Ministério do Meio Ambiente e da Pesca para ser publicado. Porém, até agora isso não aconteceu. “Não saiu do papel ainda. Estamos aguardando uma reposta, mas os servidores do Ibama estão em greve e está tudo parado”.

Sobre uma possível secretaria estadual, Valquírio concorda com os colegas. “As coisas que acontecem aqui no Espírito Santo dependem de Brasília. Nosso Estado fica refém dos outros estados. Acho que era para ter criado há muito tempo uma secretaria estadual, mas uma secretaria que pudesse resolver essa situação. Com gente competente trabalhando, pode melhorar, porque ficaria mais fácil dialogar”.

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