Pescadores devem ser indenizados e envolvidos em ações de recuperação, com base nos relatórios da Aecom
“Tem que fechar a pesca no litoral do Estado todo e no Rio Doce. Linheiro, camaroeiro, todo tipo de pesca. Tradicional, artesanal e profissional. Até o sul da Bahia e o norte do Rio de Janeiro, em Macaé. Está tudo contaminado”. O clamor vem do pescador Braz Clarindo Filho, da Colônia de Pesca Z-5, na Praia do Suá, em Vitória, quando perguntado qual é a solução para garantir a dignidade do trabalhador do mar, dos estuários e dos rios atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP na bacia do Rio Doce.
Ex-vice-presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), Braz alerta para a gravidade da situação, conforme pela segunda vez demonstrou o mais recente relatório da Aecom do Brasil, perito judicial do caso, publicado com exclusividade em janeiro, em Século Diário. “Já perguntei várias vezes para o pessoal contratado para fazer esses estudos técnicos: ‘quantos anos para recuperar o Rio Doce e o mar?’. Eles falam que é uma pergunta sem resposta. ‘São décadas”, relata.
“Está tudo contaminado e ninguém faz nada pra descontaminar. Tem que tirar a contaminação. Com algas marinhas que consomem esse minério, com dragagem, onde puder. Parado é que não pode ficar”, exige. “E tem que envolver o pescador nessas atividades e em outras, porque ficar parado dá depressão, alcoolismo, drogas. Nós temos muito conhecimento para passar. Fui na Ufes [Universidade Federal do Estado] recentemente dar uma palestra de uma hora e fiquei horas ali. Parei a universidade”, ilustra.
Posição semelhante tem o atual presidente do Sindpesmes, João Carlos Gomes da Fonseca, o Lambisgoia. “Desde a época do primeiro relatório da Aecom, tinha que ter fechado tudo”, afirma, referindo-se ao relatório publicado em agosto de 2022 pela perita judicial sobre a segurança do consumo do pescado na Bacia do Rio Doce, sua foz e litoral capixaba, que mostrou a gravidade da contaminação e o nexo de causalidade com o rompimento da barragem em Mariana/MG, em 2015. Na época, os pescadores buscavam tornar públicos os recorrentes casos de peixes deformados e com tumores que encontram no dia a dia.
“Ninguém ainda deu valor a esses relatórios da Aecom. É um dos documentos mais importantes na Bacia do Rio Doce até o momento, mas ninguém tomou nenhuma atitude. A contaminação já passou dos 20 metros”, afirma Lambisgoia, citando a profundidade definida na sentença de 2016 do juiz de Linhares, Welington Lopes da Silva, confirmada em 2020, que proíbe a pesca na região entre Barra do Riacho, em Aracruz, e Degredo/Ipiranguinha, em Linhares, até a profundidade de 20 metros .
“Já passou dos 40 metros. Eu me comprometo a provar onde está a lama. Mas não quero fazer isso para a Renova, nem para a BHP, a Vale ou a Samarco. Se for o MPF [Ministério Público Federal], a Defensoria [Publica] ou outra entidade fora das empresas, eu me comprometo a mostrar”, convida Lambisgoia.
O líder pesqueiro explica a importância da foz do Rio Doce para a pesca capixaba, principalmente a camaroeira. “Onde desagua o Rio Doce, na boca mesmo do rio, onde ele chega no mar, é um viveiro. Constitui ali a criação dos camarões. Eles ficam por ali quando são pequenos e vão lá pra fora no mar quando crescem”.
A dinâmica de marés e ventos da região também explica porque, para além de todo o litoral norte e sul da Bahia – onde já foi encontrado rejeito de minério da Samarco/Vale-BHP dentro do Parque Nacional Marinho de Abrolhos –, a lama também já alcançou todo o litoral da Grande Vitória, sul do Espírito Santo e norte do Rio de Janeiro. “A nossa maré predomina para o sul. Quando a lama chegou, em 2015, naquele momento a maré estava predominante para o norte. Mas, dos 365 dias do ano, 280 a 290 dias ela é para o sul. Mas a Justiça, os governos não aceitam isso, porque indo para o sul, olha o tanto de pescadores que tem que indenizar”.
Não reconhecem nem mesmo a totalidade dos atingidos ao norte do Rio Doce, acrescenta. “A Renova não quer reconhecer nem a Deliberação 58! E olha que não é só o pescador, são as crianças, a saúde, o lazer, o turismo, a agricultura. Ninguém quer admitir isso porque ninguém foi preso ainda. O juiz, o desembargador dá uma decisão e a Vale, a Renova, fazem o que querem”, critica, mencionando a Deliberação publicada pelo Comitê Interfederativo (CIF) em 2017, exigindo que as comunidades costeiras de Linhares, São Mateus e Conceição da Barra sejam incluídas nos programas de reparação e compensação pelos danos do crime, decisão judicializada pela Renova e ainda não cumprida.
Lambisgoia também alerta sobre os rumos da repactuação. Apesar da ênfase da Procuradoria Geral do Estado (PGE) de só retornar para as negociações quando a Deliberação 58 for implementada, é preciso garantir que os recursos sejam aplicados nas comunidades, para sanar necessidades dos atingidos. “Não adianta vir a Deliberação 58, a repactuação, e o governo pegar o dinheiro e fazer estrada. A lama destruiu estrada?”, questiona.
Ações precisam ser tomadas urgentemente, exige o presidente do Sindpesmes. “Estamos sacrificando nós mesmos, os próprios humanos, comendo pescado, carne, verdura, fruta, tudo contaminando. Sem falar na natureza”.
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