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‘Dessalinização é uma tecnologia que não cabe no Espírito Santo’

Arlindo Villaschi convida gestores e cidadãos a criarem cidades que priorizem o bem-estar de todas as pessoas

Divulgação

A decisão do governo do Estado de pagar por um estudo milionário sobre a viabilidade técnica e econômica de uma usina de dessalinização da água do mar estimada em meio bilhão de reais, para abastecer parte da Grande Vitória e dos municípios de Aracruz, no norte, e Anchieta, no sul, é um sinal evidente da desconexão entre as agendas de prioridades dos órgãos públicos e da população, principalmente considerando a crise climática em franco crescimento.

O alerta é do economista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Arlindo Villaschi, para quem a proposta não tem qualquer justificativa plausível para sequer ser alvo de uma avaliação formal por parte da gestão de Renato Casagrande (PSB). “É uma tecnologia que não cabe no Espírito Santo. É muito embrionária, muito específica para casos extremos. Não faz o mínimo sentido gastar dinheiro público para fazer um estudo a respeito de uma coisa que a gente já sabe que é inviável para a realidade capixaba”.

O anúncio da contratação do estudo foi formalizado em março, com um edital publicado no dia Mundial da Água, informando os nomes das quatro empresas aprovadas para apresentarem, em 180 dias, suas propostas de viabilidade. Curioso destacar que o edital não deixa dúvidas de que, nessa primeira etapa, não há qualquer menção à avaliação da viabilidade ambiental e social da proposta, que, em fala popular, pode bem ser chamada de megalomaníaca.

“É muito mais barato reflorestar, dar incentivo para quem trabalha nas bacias hidrográficas, melhorar a qualidade da água, diminuir os desperdícios e cobrar um preço mais adequado pela água utilizada pelas indústrias”, orienta, concordando com profissionais como o também professor Marcelo Simonelli, do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), especialista em reflorestamento, que discorre com propriedade sobre os custos e benefícios de investir em recuperação florestal como principal estratégia para garantir a segurança hídrica, além de simultaneamente, obter serviços ecossistêmicos fundamentais como proteção do solo, da biodiversidade e do clima e geração de emprego e renda no campo.

“Hoje já temos cientificamente bem claro o papel desempenhado pelas florestas no ciclo hidrológico e no oferecimento de diversos outros serviços ecossistêmicos como produção de alimentos, extratos, fertilidade do solo e controle de pragas (…) “Um plano de recuperação bem planejado em nível estadual poderia gerar milhares de empregos e alternativa de renda em toda a cadeia produtiva da restauração florestal, desde a elaboração de PRADs até a coleta de sementes, produção de mudas, plantio, manutenção e monitoramentos de projetos de reflorestamento. Além da geração de emprego e renda indiretos, com o comércio de insumos e maquinários e também de serviços como alimentação, transporte e comércio em geral, gerando impostos, fixando o homem no campo e proporcionando outros serviços indiretos relacionados à saúde, segurança e qualidade de vida”, declarou, na ocasião.

PDH ao invés de PDU

Para Arlindo Villaschi, a proposta de dessalinização se destaca pelo despropósito agudo, mas compõe um conjunto de outras ações e projetos desconectados de uma visão de fato alinhada com as urgências que as crescentes desigualdades sociais e as crises climática e ambiental impõem aos gestores e à sociedade. A discussão, afirma, é muito propícia neste momento em que o Plano Diretor Urbano (PDU) de Vitória completa 40 anos, desde sua primeira publicação.

“Está na hora de retomar qual é o foco da cidade. Ela deve ser um espaço privilegiado da cidadania, não deve ter foco na morfologia, como é o PDU. O foco deve estar no ser humano. Tem que pensar a cidade a partir da necessidade básica de desenvolvimento humano, do ser humano. Precisamos não mais de PDU, mas de um PDH, um Plano de Desenvolvimento Humano”.

Para responder às necessidades de desenvolvimento humano e climática, afirma o acadêmico, “não é preciso esperar a ONU [Organização das Nações Unidas]”. Especialmente a Capital capixaba, que já tem um histórico de um planejamento muito bem feito, inspirado nas melhores iniciativas já implementadas no País, como a Curitiba de Jaime Lerner, nos anos 1980, no Paraná. “Do jeito que Vitória está hoje, precisa de pouco investimento financeiro, comparado com o que já foi feito. O que precisa é um olhar carinhoso para a cidade. Não para fazer plásticas, mas tratamento para quem mora nela se sentir melhor. Se não a solução vai ser continuar construindo mais viadutos”.

O deslocamento na cidade, pontua, precisa de investimento principalmente no transporte público de qualidade e em mais espaço para deslocamentos não motorizados. “Podemos ter um sistema de transporte público muito melhor do que temos hoje, com baixíssimo investimento, com faixas exclusivas para ônibus. Nem precisa ser no grau de sofisticação como Curitiba, que tem pistas exclusivas. Pode apenas pintar faixas. Se tem três pistas, uma fica para o ônibus. Se tiver duas pistas, uma fica para o ônibus. Mais de dois terços a população usa ônibus, então ainda não é uma distribuição tão equitativa do espaço, mas já melhora muito. E do ponto de vista das calçadas e das bicicletas, que cidade queremos? Melhora-se a qualidade de vida das pessoas ao alargar as calçadas e construir espaços de convivência. Praças, com bancos confortáveis”.

A cidade também pode criar soluções mais ecológicas e socialmente responsável para a produção de energia. “Pequenas unidades de energia alternativa, que atendam as vizinhanças, em fornecimento de água e energia. Pequenos cataventos. Porque as grandes fazendas de painéis fotovoltaicos poluem muito, na extração dos metais”.

Novamente, a água. “Precisamos cuidar dos manguezais, das praias e das águas doces. Os nossos riachinhos, nossas fontes, o reuso de água de chuva. E bairros mais altos merecem tarifas diferenciadas”, propõe. E os demais alimentos. “Vitória tem que estimular a produção de alimentos saudáveis nas suas escolas, nos seus bairros, em espaços públicos, em espaços que estão sem utilização”.

Falando em bairros mais altos, é preciso um olhar afetuoso e especial para os periféricos. “Tem que melhorar a vida na periferia e garantir que, quando ela vem para as áreas nobres, para tomar banho de mar, por exemplo, não seja hostilizada”, pontua, remetendo-se ao caso de gentrificação da Curva da Jurema.

“A presença do estado nos bairros mais pobres não pode ser majoritariamente através da invasão policial. Antes de chegar a polícia, tem que chegar a boa escola, a assistência médica e hospitalar, o transporte público de qualidade, o lazer. É a boa escola que inclusive que vai ser hospedeira da horta comunitária”.

Soluções, enfatiza, que podem e devem ser realizadas em conjunto com a sociedade. “Não tem necessariamente que ser o poder público e a iniciativa privada a construir tudo. Precisa de PPP [Parceria Público Privada], mas também de PPSC, parceria público-sociedade civil. Muitos bairros mais pobres poderiam aderir à produção de alimentos, de energia alternativa. Essas coisas todas podem ser construídas de forma sincronizada para construir uma nova cidade para os próximos 40 anos. Uma cidade para além de sua forma física. Vamos continuar construindo arranha-céu como agora? Com grande poluição visual e aquecimento da cidade? O que é importante hoje para que uma cidade seja agradável para as pessoas que moram nela, que trabalham nela e seus visitantes? Vitória ter o metro quadrado mais caro do Brasil não é uma virtude, é uma medida de especulação imobiliária, não de alegria para as pessoas. É preciso crescer sim, mas com qualidade de vida para todas as pessoas”.


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https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/sustentabilidade-para-quem

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