Associação enviou denúncia à Presidência da República, e Ibama instaurou investigação contra a Cesan
A comunidade do bairro Benevente, em Anchieta, no sul do Estado, aguarda respostas do poder público sobre a denúncia de danos ambientais causados por atividades da Companhia Espirito-Santense de Saneamento (Cesan) na região do Porto do Mandoca. Há mais de um mês, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) encaminhou ofícios ao Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), à Promotoria de Justiça Cível de Anchieta e à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, pedindo explicações sobre o caso.
A provocação do Ibama se deu após a Associação de Moradores do Bairro Benevente (ACBB) enviar denúncia sobre a situação ao presidente Lula. O gabinete da Presidência da República, então, remeteu o ofício à Superintendência do Ibama no Espírito Santo. “Acionamos a instância federal, porque a gente não tinha respostas dos órgãos aqui do Estado”, explica o presidente da ACBB, João Simas.
Os ofícios foram encaminhados aos órgãos públicos no último dia 6 de março. Há mais de uma década, a comunidade enfrenta os danos causados pela construção de um emissário para lançamento de esgoto tratado no rio Benevente e no manguezal do Mandoca. A Cesan iniciou a instalação de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) em 2007. Além do mau cheiro e da poluição, pescadores, marisqueiros e caranguejeiros da região viram reduzir drasticamente a quantidade de peixes e caranguejos, inviabilizando suas fontes de sustento.
Na região, existe um local protegido ambientalmente, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Papagaio. Há, também, um sítio arqueológico em estudo para possível tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Em análise técnica do cumprimento das condicionantes dos licenciamentos da ETE, de julho do ano passado, o Iema apontou que foram constatados “pontos problemáticos” durante uma vistoria técnica. Esses pontos incluem a “formação de espuma no Rio Benevente e parte de sua estrutura [do emissário] visível, contribuindo para um impacto visual negativo. Por conta disso, a Cesan recebeu multa e auto de infração.
Em outubro do ano passado, foi realizada uma reunião com representantes da Cesan e dezenas de pescadores, marisqueiros e catadores do município. A solicitação feita à concessionária pública foi pela retirada do emissário e a restauração ambiental do local, além de pagamento de indenização aos trabalhadores que foram severamente prejudicados nos primeiros anos após a obra e que continuam impactados.
Em resposta à ACBB, em janeiro deste ano, a Cesan argumentou que “tanto a Estação de Tratamento de Esgoto quanto o emissário de esgoto tiveram seus projetos autorizados pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), por meio da emissão da Licença Ambiental de Regularização nº 008/2022, e que esta autorização contou com estudos hidrológicos, conforme apresentado na Letra J deste ofício”.
A empresa também negou a realização de estudo de recuperação de mangue e sobre impacto ambiental da ETE e do emissário, alegando que a localidade “está passando por processo de mudança de características rurais para urbana, com aumento de construções de moradias e implantações de empreendimentos no seu entorno, estando em estágio elevado de urbanização, com alteração da cobertura vegetal, principalmente por meio de parcelamentos do solo”.
“A Cesan nos trouxe um grande prejuízo, colocando um emissário de esgoto dentro do nosso rio, que matou todos os caranguejos adultos do nosso manguezal. Isso foi em 2011. O caranguejo cresce um centímetro por ano, na troca de casco. Os caranguejeiros ficaram seis anos sem obter renda para suas famílias, mas até hoje não tem a mesma disponibilidade de antes. O nosso rio, que tinha muita tainha, também desapareceu dessa época para cá. Causou danos aos pescadores, aos marisqueiros, aos caranguejos e vários danos à fauna”, relatou, no ano passado, Jadir Purcino, presidente da Associação de Catadores de Caranguejo de Anchieta (Acata).
Galpão sobre sítio arqueológico
Além da questão do esgoto, outra situação mobiliza a atenção na região. A empresa Tecfort construiu um galpão de 367 metros quadrados em cima do sítio arqueológico Bota Fora/Una 1. Tendo como dono Ramon Albani de Souza, filho do vice-prefeito de Anchieta, Carlos Waldir de Souza (MDB), a Tecfort, junto à SP Engenharia – essa, de propriedade de Thesley de Souza Porto, sobrinho do vice-prefeito –, tem ganhado diversas licitações públicas na cidade, segundo denúncia da vereadora Márcia Cypriano Assad (Podemos).
As informações foram publicadas em reportagens do Século Diário e também pelo The Intercept Brasil no ano passado. O sítio arqueológico fica no bairro Nova Jerusalém, sendo datado de mais de 600 anos atrás. Segundo laudo do Iphan, trata-se de “sítio pré-colonial a céu aberto, relacionado aos Tupi-Guarani, onde é possível observar a presença de artefatos míticos lascados, líticos polidos, malacológicos, cerâmica com decoração policromada ou plástica e restos humanos”. Apesar dos impactos sofridos, o sítio possui “pacotes arqueológicos ainda preservados”.
Sem resposta
Questionada, a Secretaria de Meio Ambiente de Anchieta afirmou que responderia ao ofício do Ibama até esta sexta-feira (12), mas não informou qual seria o seu posicionamento. Século Diário também tentou contato com o Iema e o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.