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Corte britânica faz novas audiências preparatórias ao julgamento da Vale e BHP

Possível acordo extrajudicial também é uma possibilidade de compensação para as mais de 700 mil vítimas

Matthew Pover

A Justiça do Reino Unido realiza na próxima semana uma nova rodada de audiências preparatórias ao julgamento da Vale e da BHP, na ação que representa mais de 700 mil vítimas brasileiras e tem valor aproximado de R$ 230 bilhões hoje (US$ 44 bilhões). Marcado para outubro, o julgamento objetiva avaliar as responsabilidades das rés no crime realizado em 2015 na Bacia do Rio Doce pela Samarco, joint venture de propriedade de ambas, as duas maiores mineradoras do mundo.

As chamadas Audiências de Gerenciamento de Caso (“Case Management Conference – CMC)”, acontecem na próxima quinta e sexta-feira (18 e 19) na Corte de Tecnologia e Construção, em Londres, com a participação dos advogados das mineradoras e das vítimas, estas, representadas pelo escritório internacional Pogust Goodhead. As sessões irão discutir a condução do litígio, cronograma de atividades e solicitações de documentos. A primeira rodada aconteceu em janeiro e foi acompanhado por um grupo de vítimas do Espírito Santo e outros estados representados.

Em paralelo à evolução dos preparativos para o julgamento, os advogados também monitoram um possível acordo extrajudicial com as mineradoras, que poderia definir o valor da compensação a ser paga às vítimas e concluir o caso antes da definição da Justiça. Nesse sentido, o escritório tem realizado reuniões com os atingidos para identificar os possíveis deságios máximos que cada grupo está disposto a alcançar em nome de uma definição mais ágil.

Os mais de 700 mil autores da ação estão organizados em quatro grupos: indivíduos; Municípios; empresas; e instituições religiosas e autarquias, cujos percentuais sobre o valor total da ação correspondem respectivamente, a 66%, 23%, 10% e 1%. Cada grupo discute seu deságio, ou seja, o desconto maior que pode conceder para o fechamento de um acordo antes da conclusão do julgamento.

Sócio do escritório, Felipe Hotta explica, no entanto, que ofertas ainda não foram feitas. “O Pogust Goodhead segue aberto para analisar possível proposta de acordo extrajudicial com as mineradoras, desde que seja justo para os clientes que aguardam por compensação integral há mais de oito anos”, pontua.

Na Corte, ele explica que o caso está na fase de julgamento de mérito. “É o momento em que será avaliada a responsabilidade das mineradoras no rompimento da barragem de Mariana. Testemunhas serão ouvidas, laudos/documentos a respeito do funcionamento da barragem serão apresentados e os advogados farão suas considerações à juíza”.

A ação foi impetrada pelo escritório em 2018, contra a BHP e foi definitivamente aceita há quase dois anos. “Em julho de 2022, conseguimos garantir a jurisdição do caso na Inglaterra usando um difícil recurso na legislação inglesa. Na prática, a justiça britânica decidiu que possui competência para analisar o pedido de compensação das vítimas que tiveram danos e prejuízos provocados pelo rompimento. Desde então, a ação passou a tramitar na Corte Real de Justiça (Royal Courts of Justice), em Londres”.

Posteriormente, foi peticionada a inclusão da Vale, o que aconteceu em novembro passado, quando a empresa perdeu todos os recursos em que tentava se esquivar de sua responsabilidade na tragédia.

O julgamento está marcado para o próximo sete de outubro e tem previsão de durar 14 semanas. Conforme destaca o escritório, trata da “maior ação da história da justiça britânica”. Seu andamento inspirou a abertura de outro processo contra a Vale, desta vez na justiça holandesa, em nome de mais 77 mil pessoas e mil empresas, não incluídas na ação inglesa.

Justiça brasileira

Na Justiça brasileira, há também vários processos em andamento, há mais tempo e aparentemente com menor possibilidade de resolução mais efetiva, na avaliação do procurador-geral-adjunto de Colatina, Guilherme de Castro, que participou da primeira rodada de audiências preparatórias, em janeiro, em Londres.

O problema aqui, pontuou, é o excesso de recursos admitidos na corte nacional. “A Legislação brasileira é muito mais rica em instâncias de recurso. Estamos na primeira instância, podendo ter segunda, terceira, extraordinárias e, no meio disso, vários recursos”, expôs. Além disso, como ela incide sobre o TTAC – o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta estabelecido em 2016 entre os governos e as mineradoras – mesmo que haja uma decisão final antes de Londres, as condições estabelecidas no Termo são menos favoráveis aos municípios que na ação britânica.

Uma decisão em primeira instância que animou os atingidos foi tomada também em janeiro, pelo atual juiz substituto responsável pelo caso, Vinícius Cobucci, que definiu o valor de R$ 47,6 bilhões a serem pagos pelas mineradoras. Na sentença, ele acata um dos três pedidos feitos pelos MPs e DPs, relativo aos danos morais coletivos. Obviamente, é esperado que as empresas recorram. “Não temos expectativa de que essa sentença de fato signifique o recebimento, o pagamento desses valores”, disse o procurador na ocasião.

Para arbitrar o valor de indenização para os danos morais coletivos que acolheu, mediante os pedidos formulados na ACP pelos ministério e defensorias públicas, ele usa como parâmetros o lucro líquido da BHP e Vale, “próximo a R$ 500 bilhões, com R$ 355 bilhões de dividendos distribuídos nos últimos três anos, o que equivale a R$ 98 bilhões”.

Outra referência é o valor divulgado pelas empresas dos gastos já efetuados em ações de reparação e compensação dos danos materiais: R$ 47,6 bilhões. Se os lucros das mineradoras comprovam a saúde financeira das mesmas para arcar com o pagamento dos danos decorrentes do crime que cometeram, o valor já gasto com danos materiais surge como um montante que deve ser pago, também, pelos danos morais coletivos, visto que o TTAC, até o momento, não inclui essa questão em seus programas, considerando que as empresas, conforma a cláusula 256, não reconhecem suas responsabilidades nesse aspecto.

Em março, Vinícius Cobucci proferiu mais uma sentença favorável aos atingidos, aplicando multa de R$ 250 mil contra a Fundação Renova, por “litigância de má-fé” em relação às vítimas. No despacho, o magistrado afirma que a entidade, mantidas pelas mineradoras, adota posturas “ilícitas” e “levianas” contra os atingidos que aderiram ao sistema Novel para receberam tentarem receber suas indenizações, bem como contra as comunidades inseridas na Deliberação 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF) e até hoje não incluídas nos seus programas de compensação e reparação. Nessa exclusão estão dezenas de comunidades localizadas entre Nova Almeida, na Serra, e Conceição da Barra, no norte do Estado, incluindo mais de trinta comunidades quilombolas que continuam totalmente desassistidas.

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