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Esfacelamento de um território

Projeto do entorno da Igreja de São Sebastião, em Itaúnas, rompe com o tecido histórico 

A Vila de Itaúnas localiza-se no norte do Espírito Santo, no município de Conceição da Barra. Sua história resulta da ação dos ventos e da movimentação da areia. O longo processo de soterramento da primitiva vila deu origem a um povoado, a vila nova de Itaúnas. A antiga vila encontra-se soterrada por dunas, de beleza excepcional, tendo sido tombadas como monumento natural em 1986 pela Resolução 08/86 do Conselho Estadual de Cultura. Em 1991, foi criado o Parque Estadual de Itaúnas (PEI),. objetivando maior proteção da área. Em 1992, a Unesco chancelou as áreas de proteção da Mata Atlântica, incluindo o PEI como Patrimônio Natural da Humanidade.

Para além de sua rica paisagem, Itaúnas preserva as manifestações culturais do Ticumbi, do Alardo, do Jongo, dos Reis de Bois, e da Capoeira, realizadas na festa de São Sebastião e São Benedito. O Ticumbi é uma manifestação encenada há mais de 300 anos, de origem africana. É considerada uma referência cultural e celebração festiva afro-brasileira específica do Espírito Santo. 

Os festejos possuem vínculos seculares com o território. A área de vizinhança da Igreja de São Sebastião de Itaúnas é território de memória e de histórias. Em seu chão estão as marcas da cultura e expressões identitárias, patrimônio imaterial do Espírito Santo. As territorialidades das festas são suportes físicos das relações sociais tradicionais.

O projeto desenvolvido para a área da vizinhança da Igreja de São Sebastião rompe com o tecido histórico e suas múltiplas territorialidades. Um projeto para uma área de excepcional valor cultural envolvida em singular riqueza paisagística deve considerar a priori esse chão como um patrimônio territorial. Esse locus da cultura secular de Itaúnas é vivenciado e partilhado entre a população tradicional por meio de símbolos e significados reveladores de um patrimônio cultural fincado nos saberes e fazeres das celebrações.

Desta forma, o projeto para o entorno da Igreja de São Sebastião deve considerar seu valor intrínseco, o de território festivo carregado de um poder e de um fazer. O design deve permitir que as estratégias de permanência e sobrevivência dos diferentes grupos sociais, com práticas planejadas e articuladas pelos seus sujeitos, deem continuidade histórica aos fenômenos culturais. O projeto deve ser elo, não ruptura. Deve integrar camadas de história presentes no território e não esfacelá-las.

Luciene Pessotti é professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Estado (DAU/Ufes) e vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Espírito Santo (IAB-ES).

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