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‘O maior adoecedor da mãe atípica é a escola’, desabafa Coletivo

Na Serra, conquistas importantes mostram urgência de formação anticapacitista a todos os servidores

“O maior adoecedor da mãe atípica é a escola’. O desabafo, cheio de dor, é da coordenadora geral do coletivo Mães Eficientes Somos Nós, Lucia Mara Martins, diante da constante avalanche de pedidos de socorro que as associadas trocam entre si e lhe recaem mais pesadamente sobre os ombros, na condição de liderança.

“É todos os dias, a mãe atípica é o tempo todo julgada, criminalizada. Nossos filhos são mal tratados, principalmente na escola e as mães não têm seguranças de que os filhos vão voltar bem depois de um dia de aula. É um estresse permanente e a gente não encontra as políticas públicas de saúde, de assistência social, que garantam nossos direitos”, relata Lucinha, como é carinhosamente chamada pelas companheiras de Coletivo e por quem acompanha seu trabalho.

Nas redes sociais do Mães Eficientes, uma postagem recente repercutiu o desespero de uma mãe que, às 8h da manhã, disse “eu quero morrer” em uma postagem. “A morte física, como esta daí que está para acontecer, é já o fim do desespero, pois a morte social desta e de muitas outras de nós já vem desde que a nos foi dado o título de mulher de maternidade atípica. A morte social é a mais cruel de todas”.

Lucia Mara explica que as escolas refletem o preconceito da sociedade contra as pessoas com deficiência (PCD) e a vontade de que esses corpos sejam segregados, mantidos em espaços separados dos corpos ditos normais. Apesar de mais de uma década da legislação brasileira que estabelece os direitos das PCDs e muitos avanços serem realidade, sua implementação ainda está longe de alcançar a plenitude. E a escola permanece esse território extremamente desafiador, dada sua complexidade, grande disputa de interesses e poder e sucateamento permanente a que é submetida a educação pública.

No município da Serra, onde a maioria das mães do Coletivo reside e a prefeitura tem conseguido dialogar e implementar ações efetivas em prol dos estudantes com deficiência e suas mães, é possível perceber a gravidade desse preconceito estrutural da sociedade contra as PCDs.

O município está investindo muito na Educação Especial. Houve um boom muito grande. A gente está conseguindo muita coisa: aumentou o número de professores e de cuidadores consideravelmente, temos estagiários, aumentou o valor da bolsa dos estagiários, de acordo com o TAC [Termo de Ajustamento de Conduta]“, elenca.

“Mas falta muita empatia por parte dos profissionais, falta de preparo, capacitação”, ressalva. “O problema é a falta de ‘acessibilidade atitudinal'”, afirma, referindo-se ao padrão de atitudes dos educadores e demais servidores das escolas, e mesmo dos estudantes e suas famílias, que continuam com comportamentos preconceituosos e até agressivos. Os casos de bullying continuam muito altos e o sofrimento das crianças e adolescentes com deficiência, muito graves, repercutindo em toda a família. “Infelizmente a escola anda é o mais adoecedor dessas mulheres”.

Pioneirismo nacional

“A gente considera a gestão do prefeito Sergio Vidigal [PDT] potente, temos um diálogo, desde o acampamento na prefeitura. Mas ainda há muitas falhas com a nossa pauta. Temos um plano de ação para mulheres cuidadoras de PCDs que não foi implementado na íntegra. Atendimento odontológico, psicológico … nada disso. Apenas a carteirinha de prioridade no atendimento está funcionando”, conta.

A carteirinha, afirma, é uma política pública realmente efetiva. “Faz a diferença na vida das mulheres. Os espaços que não obedecem a lei, o Procon tem agido muito intensamente, quando a gente denuncia. É o único município do Brasil que tem a carteirinha. As pessoas tomaram posse dessa política. O Procon atua na hora, é muito parceiro”, comemora.

Espaço especializado

Outra medida prevista no plano de ação que aguarda implementação a curto prazo é o espaço específico para atendimentos de saúde de mães de PCDs. A promessa feita pelo prefeito, em janeiro, era de inaugurá-lo em março dentro da unidade municipal de saúde de Valparaíso, mas devido à necessidade de melhorias, reivindicadas pelo Coletivo na última visita, no início do mês, foi adiado.

“O que foi apresentado para a gente não atendia às necessidades. Era um espaço muito pequeno. Estava contratando equipe de saúde mental, assistente social, psicóloga e pedagoga/recreadora, mas o espaço não atendia”, descreve Lucia. Outro ponto fundamental, ressalta, que precisa ser garantido até a inauguração, é a capacitação de todos os servidores que forem atuar na unidade, pois parte da equipe será compartilhada com os demais usuários, para além das mães atípicas e seus filhos. “Uma criança que entrar em surto dentro da unidade, a equipe toda tem que estar preparada para acolher essa mãe e essa criança”, exemplifica.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou sobre as adequações. “O espaço funcionará dentro da Unidade Regional de Saúde de Valparaíso e é voltado para o atendimento das mães atípicas. O ambiente é climatizado, conta com recepção própria e brinquedoteca para atenção às crianças enquanto as mães são atendidas. O serviço oferecerá atendimento com equipe multiprofissional para o acolhimento das demandas em saúde desse público. O local será inaugurado no dia 30/05”.

Saúde mental

Ainda na área da Saúde, Lucia alerta para a necessidade de investimento em saúde mental. “Ficamos numa reunião com a secretária [Fernanda Coimbra Mota da Silva] por três horas, pedimos um grupo de ajuda remoto, para as mulheres serem atendidas sem sair de casa. Foi uma das opções que colocamos para o município, já que há dificuldade em contratar esses profissionais, mas nada foi feito ainda”, reclama.

O pedido teve por base a experiência vivenciada durante a pandemia. “Tinha psicólogas que conversavam com a gente de modo remoto. Quando via que era um caso mais grave, encaminhada para serviço físico. Funcionou bem. Tinha vez que entrava dez mães, cinco mães, vinte mães”, relata. “O ideal é todo o atendimento ser presencial, mas as unidades de saúde não dão conta de atender, o número de profissionais é insuficiente. Precisa abrir concurso público para esses profissionais, para não ter mais tanto sofrimento”.

Assistência social

Apesar das dificuldades, há a expectativa de um outro ponto do plano de ação ser entregue até o final do ano, que é uma casa de assistência social exclusiva para as mães atípicas e seus filhos, onde elas receberão diversos atendimentos, incluindo cursos de formação, com espaço adequado e servidores capacitados, relata Lucinha.

Transporte coletivo

O Coletivo também comemora a conquista de uma política pública estadual recente, que foi o lançamento de uma campanha de conscientização dos usuários do Transol, a respeito dos direitos das deficiências visíveis e invisíveis. “Essa campanha está linda, nós conquistamos, depois de muita luta”, comemora.

Serviço

Lucinha enfatiza a importância de que a sociedade conheça mais as especificidades das famílias de PCDs, para que os preconceitos sejam quebrados e a integração aconteça em todos os espaços. Nesse sentido, o Coletivo inseriu duas atividades na programação do Mês das Mães da prefeitura: uma roda de conversa sobre saúde e um piquenique, que, sendo abertas a todos os interessados, dão visibilidade às temáticas e promovem uma confraternização e uma reflexão entre as mães e o poder público, sobre as conquistas alcançadas e os desafios a serem vencidos.

Roda de Conversa “O estresse parental das mães de pessoas com deficiência e a urgência do autocuidado”

Onde: Auditório do Hospital Materno Infantil

Quando: 10 de maio, de 14h às 17h

Piquenique das Mães Eficientes Somos Nós

Onde: Parque da Cidade

Quando: 11 de maio, às 14h.


‘Sou aquela mãe que ninguém vê, ninguém nota. Socorro! Empatia!’

Coletivo cobra implementação de plano de ação para cuidado de ‘mães atípicas’ criado na Serra, pioneiro no Brasil


https://www.seculodiario.com.br/direitos/sou-aquela-mae-que-ninguem-ve-ninguem-nota-socorro-empatia

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