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‘Queremos garantia de que o dinheiro da repactuação vai chegar até os atingidos’

Pescadores e outras categorias de atingidos se mobilizam para apresentar pautas na Assembleia

Leonardo Sá

A repactuação está próxima de uma conclusão? O possível acordo final vai contemplar os princípios estabelecidos nos relatórios finais da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, que enfatizam o direito a voz e voto dos atingidos na decisão sobre a aplicação dos recursos?

Perguntas como essas têm povoado com mais intensidade as mentes e as redes sociais das mais diversas categorias de atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce, em 2015, à medida que cresce uma percepção de avanço das negociações no âmbito da Repactuação, entre as mineradoras criminosas e os governo federal, capixaba e mineiro. 

Estas, por sua vez, aparentemente aceleradas em decorrência de decisões judiciais recentes favoráveis aos atingidos que foram prejudicados pelo Novel – sistema simplificado de indenizações da Fundação Renova, reconhecidamente com cláusulas ilegais de quitação geral de danos – e pelo não cumprimento da Deliberação 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF), que obriga a inclusão de todas as comunidades atingidas nos programas de compensação e reparação de danos da Renova, desde a Praia de Carapebus, na Serra, até Conceição da Barra. O avanço das ações internacionais, em Londres e na Holanda, também pode ser considerado um fator de pressão às mineradoras, para qie cedam e fechem logo um acordo, diante das negativas recentes dos governos.

“Se a Vale falar que não vai descontar o que ela já gastou e oferecer cento e tantos bilhões [de reais], eles [os governos] vão querer aceitar. Mas e o atingido, como fica? Cada um [presidente da República e governadores] vai pegar o dinheiro e fazer o que quiser? Como é que ficam as comunidades, os que foram atingidos, mesmo?”, questiona o presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gome da Fonseca, o Lambisgoia.

A entidade foi uma das convidadas a participar de uma audiência pública da Comissão Parlamentar Interestadual de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (Cipe Rio Doce), puxada pelo gabinete da deputada estadual Janete de Sá (PSB), atual presidente do colegiado, ainda sem data definida.

O crime persiste

O sindicato, afirma Lambisgoia, a princípio não se sentiu motivado a aceitar o convite, com receio de que seja apenas um evento para simular uma escuta dos atingidos, mas por fim preferiu enxergá-lo como uma oportunidade de dar voz real às vítimas, para reafirmar os direitos que precisam ser atendidos e promover uma maior união entre todas as categorias de atingidos no Espírito Santo e Minas Gerais. “O que nós temos que lutar hoje é pelos mesmos direitos para todos”, afirma. Especificamente na sua categoria, o tom da mobilização é direto: “Pescador não solta a mão de pescador”.

A partir daí, uma grande mobilização tem se formado entre os atingidos, com vistas a uma participação qualificada no debate. “Estamos nos organizando para compor uma mesa de atingidos na audiência pública, onde todos vão ter direito de falar”, afirma.

Além da Deliberação 58 e do Novel, há outras antigas pautas que continuam urgentes, com a grave contaminação da água, do pescado e outros alimentos ao longo de toda a bacia do Rio Doce e de todo o litoral capixaba, como bem confirmou o último relatório da Aecom do Brasil, perita judicial oficial do caso. “O crime persiste, como vai ficar a vida dos atingidos? O turismo em Linhares, que ninguém vai lá mais comer o peixe. Em todos os territórios, o crime continua trazendo sofrimento para as pessoas”, argumenta, acrescentando que atingidos têm coletado água de suas torneiras para mostrar a má qualidade com que ela chega até as casas.

‘Renova não define quem é pescador’

Em relação à classe pesqueira, um vídeo circula nas redes sociais e deve ser apresentado na audiência pública, explicando quais categorias existem oficialmente no Estado e porque as classificações da Renova não são legítimas.

“É um vídeo para as autoridades entenderem. A Renova inventa muita coisa: pescador de fato, pescador informal, pescador de subsistência, pescador disso, daquilo…a gente não entende. Porque para a Marinha e o governo federal, existe é o pescador artesanal e o pescador profissional. E é fácil saber quem é o quê. É só chegar na Capitania dos Portos e na Secretaria de Pesca, a Seap, e está tudo lá, a carteirinha, RGP, do pescador profissional, os registros todos. A Renova não pode ficar inventando, não pode definir quem é ou não pescador e que tipo de pescador cada um é”, explica o presidente do Sindpesmes.

Outra explicação importante, acrescenta, é sobre a mobilidade intrínseca da profissão, que faz com que todos os pescadores sejam atingidos, porque trabalham ao longo de todo o litoral. “Essa embarcação que eu estou aqui, precisa de um mestre e dois tripulantes. Se eu preciso de um tripulante e não encontro em Vitória, posso encontrar em outro lugar, em Itaipava, Piúma, Linhares, Conceição da Barra. Eu só tenho que ver a documentação dele, para poder embarcar. O pescador que trabalha em Vitória é o mesmo que trabalha em Itaipava, Piúma, Linhares, Conceição da Barra…pescador não tem casa, vai onde para ele está melhor”, pontua, no vídeo.

“Todo mundo usa aquele Rio Doce, não tem como negar. Os camaroeiros de Vitória foram reconhecidos, mas não os pescadores, foram as embarcações. E a gente luta até hoje para serem reconhecidos. Mas a Renova me inventa o pescador formal, subsistência, informal, a gente não entende nada no final das contas. Isso é o parâmetro que a gente quer que chegue nas autoridades”, complementa.

Garantias

O momento, ressalta Lambisgoia, é de buscar garantias concretas. “A gente tem medo da Repactuação não reconhecer os direitos da gente e o dinheiro não chegar até o atingido. Temos que ter garantia com documento assinado, onde todos concordam, não só as autoridades. Porque os maiores sofredores somos nós, atingidos”.

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