A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra o fim das saídas temporárias de presos, conhecidas como “saidinhas”. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7665 foi distribuída ao ministro Edson Fachin, relator da ADI 7663, sobre o mesmo tema,apresentada pela Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim). Na ADI, a OAB sustenta que a proibição das “saidinhas” viola valores fundamentais da Constituição Federal, como os princípios da dignidade da pessoa humana, da humanidade, da individualização da pena e da vedação ao retrocesso em matéria de direitos fundamentais.
As “saidinhas” foram proibidas por meio da Lei 14.843/2024, que alterou a Lei 7.210/1984, de Execução Penal. A proposta havia sido sancionada com vetos do presidente Lula (PT), que foram derrubados em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado. Com a derrubada do veto, foram extintas as possibilidades de saídas temporárias para visita à família e participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social. O que permanecerá na lei é a possibilidade de saída temporária para frequência a curso supletivo profissionalizante, de instrução do ensino médio ou superior, na comarca do Juízo da Execução.
A OAB sustenta que o benefício não é concedido a presos em regime fechado, mas aos que cumprem pena em regime semiaberto, que saem do ambiente penitenciário para trabalhar e retornam no fim do dia. Por se tratar de regime intermediário que faz parte do sistema progressivo de cumprimento de pena, a saída temporária é, na avaliação da entidade, a ocasião adequada para que o condenado tenha momentos curtos de contato social fora do ambiente penitenciário.
Outro argumento é o de que as saídas temporárias contribuem para a própria segurança pública, na medida em que preparam o retorno gradual do preso ao convívio social e permitem avaliar seu comportamento para ver se ele pode seguir para o regime aberto ou, ao contrário, se deve ser submetido à regressão do regime. Já era de se esperar que a OAB fosse acionar o STF, pois após a derrubada dos vetos, a entidade informou que iria fazer isso com. Em abril último, a OAB chegou a aprovar um parecer que apontava a inconstitucionalidade do projeto de lei.
A Anacrim já havia apresentado ao STF a ADI 7663, também contra a Lei 14.843/2024. A entidade alega que a norma viola garantias constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e sua vida privada, e fere direitos dos detentos, ao restringir mecanismos que garantam a sua reintegração à sociedade. Aponta, ainda, que, ao barrar a saída temporária de presos, o Brasil viola acordos como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Ambos preveem a garantia de tratamento humano, respeitoso e digno à população carcerária. Também é mencionado o julgamento em que o STF reconheceu, em outubro de 2023, a violação massiva de direitos fundamentais nos presídios (ADPF 347). Para a Anacrim, a proibição das saidinhas pode agravar este estado.
Os argumentos vão ao encontro do que pensa o militante do Movimento Nacional de Direitos Humanos no Espírito Santo (MNDH/ES), Gilmar Ferreira, que afirma que a lei é “inconstitucional, fere os direitos humanos, os princípios da dignidade humana e acordos internacionais feitos pelo Brasil, sendo um vexame para o país internacionalmente”. Gilmar acredita que o STF vai derrubar a lei.
Antonio Fernando Moreira informa que a saidinha está prevista na legislação desde 1984, mas era um direito sonegado aos detentos, que passou a incomodar quando de fato passou a ser concretizado. Um dos fatores que possibilitaram sua aplicação, explica, foi uma decisão do STF que permitiu que as cinco saidinhas anuais pudessem ser permitidas em decisão única, e não ter que ir cinco vezes para o Ministério Público, o que fazia com que as varas de execução não dessem conta de analisar todos pedidos.
No Espírito Santo, afirma, a decisão única é feita para o período de dois anos. A saidinha, para ele, possibilita “uma volta paulatina do preso à sociedade”. “Evita que isso ocorra de forma abrupta, o que ajuda na restauração dos seus laços familiares e sociais. Do contrário, saindo de ‘uma vez’ após anos preso, certamente será mais difícil se reinserir no mercado de trabalho, tanto que no Espírito Santo, só permitem que os detentos do semiaberto usufruam de trabalho externo após terem retornado da primeira ‘saidinha’, pois isso é um indicativo de que não terá porque não retornar do trabalho externo e que tem responsabilidade no cumprimento da pena”, explica Antonio Fernando. O advogado afirma que mais de 90% dos detentos que usufruem do direito à saidinha retornam para os presídios.