O Projeto de Lei (PL) 1904/2024, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), tem sido apontado como um retrocesso no direito das mulheres, principalmente das meninas. A proposta, que tem apoio dos deputados federais Gilvan da Federal (PL) e Evair de Melo (PP), ambos da bancada capixaba, modifica o Código Penal, equiparando as penas previstas para homicídio simples às penas para abortos realizados após 22 semanas de gestação, mesmo nos casos em que a prática é prevista legalmente.
O projeto também proíbe o aborto mesmo em casos de gravidez decorrentes de estupro, se houver viabilidade fetal. “A gente está brigando para não retroceder, em vez de debater a legalização e descriminalização do aborto em todas possibilidades”, diz a integrante da Frente pela Legalização do Aborto do Espírito Santo (Flaes), Leilany Santos Moreira.
A proposta ficou conhecida como PL da Gravidez Infantil, já que as meninas são consideradas as mais prejudicadas caso seja aprovado, pois, entre as pessoas que procuram abortamento legal acima de 22 semanas em caso de estupro, há um número considerável de crianças vítimas de abuso sexual. Isso porque, nessas situações, há mais demora em descobrir a gestação. “O que a extrema direita quer, não é proteger as crianças, mas proteger quem comete violência contra elas”, critica Leilany.
Para barrar o projeto,
foi criada a Campanha Criança Não é Mãe, que coleta assinaturas para pressionar as lideranças da Câmara dos Deputados. De acordo com dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública, contidos no site, 74,9 mil pessoas foram estupradas no Brasil em 2022, sendo 88,7% do sexo feminino. Desse total, 6 a cada 10 tinham, no máximo, 13 anos.
Dados do Datasus, também expostos pela campanha, apontam que, em 2019, 72 gestações foram interrompidas legalmente em crianças e adolescentes menores de 14 anos. Em 10 anos, ou seja, no período entre 2013 e 2022, a média de nascidos vivos de meninas menores de 14 anos foi de 21,9 mil por ano. Ou seja, a cada ano, mais de 20 mil meninas deixaram a infância ou a adolescência para viverem a maternidade. Dessas, mais de 70% eram negras.
Em 2020, o caso de uma menina de 10 anos, de São Mateus, norte do Estado, ganhou repercussão nacional após a negativa do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), o Hospital das Clínicas, de fazer o abortamento legal, alegando despreparo técnico. A criança estava grávida de um tio que a estuprou. A saída encontrada foi ser encaminhada para Recife, Pernambuco, onde a gravide foi interrompida.
Em todo o Brasil, inclusive no Espírito Santo, grupos que se autointitulavam pró-vida se articularam para impedir a interrupção da gravidez. Por outro lado, muitos também se mobilizaram para garantir o direito da criança. No Estado, a Frente pela Legalização do Aborto divulgou uma nota assinada por cerca de 50 entidades do Espírito Santo, de outros estados e do exterior, na qual defendiam que a interrupção da gravidez da menina estava amparada pelo artigo 128 do Código Penal, pois se enquadrava nas duas hipóteses de abortamento legal previstas.
O Fórum de Mulheres do Espírito Santo, juntamente com a Flaes, também realizou um ato, no Hucam, para reivindicar estrutura digna de atendimento para abortamento legal, em Vitória, às mulheres, meninas, homens trans e pessoas não binárias. Com ursinhos de pelúcia nas mãos, simbolizando a infância, as manifestantes recordaram não somente a menina de São Mateus, mas tantas outras crianças vítimas de violência sexual.