Prefeito Dito Silva, secretários e empresa são acusados de conluio pelo MP em contrato para contenção de encostas
O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) ingressou com uma ação de improbidade administrativa em Muniz Freire, no sul do Estado, relativa a obras de contenção de encostas. Segundo o órgão ministerial, houve “um conluio” para garantir a contratação de uma empresa específica, que envolveria o prefeito de Muniz Freire, Dito Silva (PSB); o ex-secretário de Obras do município, Vinnicius Pinheiro Gonçalves; o secretário de Obras de Cachoeiro de Itapemirim, Rodrigo de Almeida Bolelli; e a empresa Protect Planejamento e Empreendimentos Imobiliários.
A petição inicial foi protocolada no último dia 21 de maio pelo promotor Elion Vargas Teixeira. Na última quinta-feira (6), o juiz Marcelo Mattar Coutinho determinou, em caráter liminar, a suspensão dos pagamentos para a Protect. Entretanto, o juiz recusou o pedido do MPES para tornar indisponíveis os bens dos acusados, por considerar o processo ainda prematuro.
O Ministério Público afirma que o prejuízo aos cofres públicos chega a R$ 9,9 milhões, por conta do contrato original, assinado em 2022, e de seus aditivos. De acordo com a petição inicial, a qual Século Diário teve acesso, a prefeitura de Muniz Freire decidiu aderir a uma ata de registro de preços da prefeitura de Cachoeiro, direcionada à contratação de serviços de proteção de taludes e muros de contenção.
A legislação brasileira permite que entes públicos façam a adesão a uma ata de registro de preços alheia. O procedimento, também conhecido como “carona”, é uma forma de evitar a burocracia inerente aos processos licitatórios tradicionais. Entretanto, no caso em questão, a prefeitura de Muniz Freire não fez estudo técnico preliminar, como aponta o Ministério Público.
Na petição, o promotor afirma que a ata de registro de preços da prefeitura de Cachoeiro “foi alicerçada em estudos previamente realizados pela Defesa Civil de Cachoeiro de Itapemirim, com base nas localidades do município e os quantitativos especificados no anexo ao edital, sendo clara a inviabilidade de adesão por parte de outros órgãos não participantes, haja vista se tratar de serviço individualizado, pautados nas condições próprias do município”.
O serviço contratado em Cachoeiro se refere a áreas de risco em 23 bairros, enfatiza o MPES, e o trabalho em Muniz Freire foi realizado em um único local, resultando em sobrepreço. Ainda de acordo com o Ministério Público, o projeto para Muniz Freire é datado de abril de 2021, e a vistoria inicial da encosta, de junho de 2022, “não sendo possível assegurar que transcorrido o período superior a um ano, a encosta estaria em mesmas condições”.
A petição apresenta o pedido de adesão do prefeito de Muniz Freire à ata de Cachoeiro, assinado em 13 de julho de 2022, no qual Dito Silva afirma que “a situação aqui é de uma extrema gravidade, alhures na medida em que vidas podem ser ceifadas dadas as peculiaridades e circunstâncias que foram alinhadas em vários laudos, documentos e fotos apresentados”. Mais à frente, o prefeito fala que constatou “a olho nu” a similaridade dos terrenos de Cachoeiro e Muniz Freire.
“Ora, é inconcebível que a contratação de um serviço público de grande complexidade, tal como obras de engenharia envolvendo encostas, que coloca em risco a população de Muniz Freire, no qual exigem um planejamento minucioso por equipe de especialistas, seja realizada com fundamentação em manifestação do chefe do executivo municipal, sem especialização na área e cuja a constatação se fundamenta em observações ao ‘olho nu'” criticou o promotor.
Para o Ministério Público, o então secretário de Obras de Muniz Freire, Vinnicius Pinheiro Gonçalves, agiu com dolo (intenção), na medida em que alegou “vantajosidade” no procedimento de adesão. Ao contrário, diz o MPES, a decisão “apenas aumentou o prejuízo aos sofres públicos, vez que resultou na formalização de dois aditivos para reequilíbrio econômico-financeiro que, somados, alcançam o valor de R$ 2.435.202,31”.
Em relação à participação de Rodrigo Bolleli, o MPES aponta que o secretário de Obras de Cachoeiro deu autorização para adesão em 100% dos itens da ata de registro de preços, sendo que a legislação brasileira limita esse procedimento a 50%. O promotor Elion escreve que Bolleli agiu dessa forma “visando beneficiar a empresa Protect Planejamento e Empreendimentos”, contratada em “conluio” com Dito Silva e Vinnicius Pinheiro.
Elion ressalta, ainda, que a empresa iniciou os trabalhos e começou a receber os pagamentos antes mesmo da assinatura do contrato. A autorização para a adesão da ata ocorreu em 21 de julho de 2022, sendo efetivada em 1º de novembro, e a contratação ocorreu em 22 de dezembro do mesmo ano – mais de 90 dias depois da publicação da ata de Cachoeiro, superando o prazo estabelecido por lei.
“Ora, Excelência, indiscutível a existência de dolo na conduta dos requeridos, haja vista que, aliados a todas as irregularidades praticadas para direcionamento da contratação, antes mesmo de formalizado o contrato, a empresa contratada já havia iniciado a sua execução e requerido o pagamento da 2ª medição da obra”, destaca o promotor na petição, ressaltando também que a Protect tem vários contratos com a prefeitura, num montante de mais de R$ 18 milhões.
Dito Silva foi eleito para o seu primeiro mandato em 2020, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), e deverá tentar a reeleição este ano pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). No último dia 23 de abril, sua vice, Doutora Mariana (PSD) – também apontada como pré-candidata a prefeita -, renunciou a ao cargo, alegando ter sido escanteada desde o início do mandato, mencionando também “fatos mais graves” recentes.
Rodrigo de Almeida Bolelli foi nomeado pelo prefeito de Cachoeiro, Victor Coelho (PSB), como secretário municipal de Obras em 2 de novembro de 2021. Em agosto do ano passado, foi rebaixado a secretário executivo da pasta para dar lugar a Lorena Vasques (PSB), que permaneceu como secretária interina até o início desse mês. Com a saída de Lorena para assumir a pré-candidatura a prefeita, Bolelli retomou o posto de chefe da secretaria. Ele também atua como segundo secretário do diretório municipal do PSB de Itapemirim, o qual presidiu até o início do ano.
Vinnicius Pinheiro Gonçalves, por sua vez, foi nomeado secretário municipal de Obras, Serviços Urbanos e Transportes de Muniz Freire em janeiro de 2021. Desde o último dia 4 de abril, ele ocupa o cargo de assessor extraordinário de Governo.
Já a Protect Planejamento e Empreendimentos Imobiliários é uma empresa com sede no município de Paudalho, em Pernambuco. Segundo o Portal da Transparência de Cachoeiro, tem contrato vigente com a prefeitura de 6 de janeiro de 2022 a 1º de janeiro de 2025, com valor total de R$ 13,5 milhões.
‘Sem notificação’
Procurada, a empresa Protect Planejamento e Empreendimentos Imobiliários enviou nota dizendo que não foi notificada pela justiça e não poderia opinar sobre a ação. Apesar disso, defendeu o procedimento de adesão de ata de preços.
“(…) o Munícipio de Muniz Freire é aderente de uma ata do Município de Cachoeiro de Itapemirim. Sendo que a ata do município Cachoeiro de Itapemirim foi no valor de R$ 13.514.025,28, enquanto a contratação de Muniz Freire foi no valor R$ 6.079.000,00 que corresponde a aproximadamente 45%, menos que o limite permitido em Adesão de Ata de Registro de Preços que é de 50%”, diz a nota, sem mencionar os aditivos ao contrato.
“Sobre a ausência de procedimentos obrigatórios por parte da Prefeitura, só quem pode se manifestar sobre isso é a própria Prefeitura. A obra em comento foi concluída há 6 meses, não havendo qualquer valor a ser recebido”, argumenta.
“A empresa possui corpo técnico de engenheiro com mais de 40 anos de experiência em obras de engenharia geotécnica. Sendo adotado todos os procedimentos e análises necessárias para execução da obra. Ressalta o compromisso com a Justiça e nos colocamos a disposição para dirimir qualquer dúvida ou fazer acréscimos”, completa a nota.
Já a prefeitura de Cachoeiro se limitou a informar que Rodrigo Bolelli não tem conhecimento do processo porque não foi notificado. Século Diário também tentou contato com a prefeitura de Muniz Freire, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.