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​Novo Parlamento Europeu

Macron convocou eleições antecipadas

As eleições de 9/6, último domingo, para o Parlamento Europeu, renovam uma tendência de guinada à direita na Europa. Embora a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ainda acredite que o centro permaneça firme, é uma clara vitória do Partido Popular Europeu, conservador, se somando a isso resultados favoráveis à extrema direita, como o avanço da AfD na Alemanha, superando a coalizão do chanceler Olaf Scholz, o que provocou um pedido de antecipação de eleições na Alemanha, embora sendo improvável que ocorra.

Essa impressão maior de avanço da direita mais radical se deu sobretudo na França e na Alemanha, e isto é preocupante, pois os dois países são os principais na fundação da União Europeia no Velho Continente, além de terem mais assentos no Parlamento Europeu. A França é a primeira força e a Alemanha é a segunda, e nos dois países houve um alargamento da direita antieuropeia.

Na França, o presidente Emmanuel Macron convocou eleições parlamentares antecipadas para o final deste mês, uma vez que o partido de direita radical de sua rival Marine Le Pen alcançou vultosa vitória, isto é, a Agrupação Nacional teve o dobro dos votos do partido centrista Renascimento, do presidente Macron. Esta convocação de Macron é uma manobra arriscada para ele próprio, mas uma tradição no parlamentarismo europeu. Portanto, significa a dissolução da Assembleia Nacional eleita em 2022 de perfil mais à esquerda.

O euroceticismo volta a vencer, e isso contra uma representação política dada na supercoalizão em que historicamente dominam social-democratas e a democracia cristã. Há, então, um centro que se desloca para a direita com o ultraconservadorismo, o que se traduz na perda de votos da direita liberal, que chamam de centro, para uma extrema direita, que é na verdade o ultraconservadorismo deixando o liberalismo democrático cosmopolita e aderindo a nacionalismos anti-imigração, ao passo que ainda há uma força considerável de um conservadorismo europeísta, chamado de centro pró-europeu.

Quanto ao crescimento da direita radical na Europa, a Itália é governada desde 2019 por uma coalizão liderada por Giorgia Meloni e seu partido ultranacionalista Irmãos da Itália. Na Holanda, o Partido da Liberdade (PVV), de Geert Wilders, venceu as últimas eleições nacionais, e defende a saída do país da União Europeia e dificulta a vida de imigrantes. Contudo, em países nórdicos, em que houve um recente avanço de partidos da extrema direita, os resultados foram positivos para partidos de esquerda e ecologistas nessas eleições de domingo, com um enfraquecimento dos partidos de extrema direita nestes países.

Os destaques foram a ecossocialista Aliança de Esquerda, da Finlândia, o Partido Popular Socialista da Dinamarca, e o Partido de Esquerda da Suécia. Estes resultados vão na contramão do triunfo ultranacionalista da direita radical, pois, citando por alto o jornal francês Le Monde, estes setores extremistas foram “varridos pela esquerda” no norte da Europa.

Na Finlândia, a centro-direita teve a dianteira, com o Partido da Coalizão Nacional, mas a esquerda veio em seguida, com o Aliança de Esquerda. Na Dinamarca, o Partido Popular Socialista triunfou em primeiro lugar e, na Suécia, o Partido Verde ficou em terceiro lugar, crescendo de tamanho. O Partido de Esquerda avançou e a queda veio do partido anti-imigração Democratas Suecos, que sustenta o governo de Ulf Kristersson, cuja expectativa era ultrapassar o conservador Partido Moderado, ficando como segundo maior partido do país, mas isto não ocorreu, e depois de uma ascensão medonha, pois este partido surgiu de um grupo neonazista, criado em 1988, e que ficou durante anos à margem da política sueca.

O resultado fraco dos partidos da coalizão de Olaf Scholz, por sua vez, se deve sobretudo à dificuldade do governo alemão de exercer uma liderança na Europa, que foi exercida brilhantemente no período de Angela Merkel. Por sua vez, a AfD continua influente nos estados da Turíngia, Saxônia e Brandemburgo, onde a questão da imigração é mais problemática do que no oeste alemão, pois as regiões da ex-Alemanha Oriental foram mais fechadas politicamente no período de domínio socialista e herdaram limitações socioeconômicas mais graves que as regiões que pertenceram à Alemanha Ocidental. A questão da perda de memória de um segmento da população em relação ao passado histórico da Alemanha explica, portanto, apenas uma parte da ascensão da extrema direita no leste do país, embora o alerta fique ligado justamente por este passado terrível.

As eleições realizadas no último domingo definem tanto a nova composição do Parlamento Europeu como terão influência na escolha de líderes para os principais cargos da União Europeia, tais como os presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu. Mesmo com o crescimento da direita radical no Parlamento Europeu, a expectativa é de que os partidos centristas de esquerda e de direita mantenham maioria, dando continuidade em políticas importantes neste período de incerteza geopolítica que atravessa o continente europeu, como a guerra da Ucrânia e o crescente avanço chinês. A União Europeia, por fim, enfrentará desafios como o equilíbrio fiscal, a competitividade industrial e investimentos na defesa e em tecnologias verdes.

Com os casos da França e da Alemanha, que são os países com mais assentos no Parlamento Europeu, a representação da extrema direita na Câmara de Estrasburgo será favorecida, e no caso alemão, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) ficou em segundo lugar, superando a coalizão do chanceler Olaf Scholz. Apesar dos escândalos de extremismos, corrupção e espionagem do AfD, o resultado do partido é considerável.

No caso alemão, os social-democratas e os verdes sofreram uma derrota importante, incluindo o terceiro membro desta coalizão, os liberais de livre mercado. Junto à Guerra da Ucrânia, que despertou o populismo de direita e de esquerda, temos na Europa um forte sentimento anti-imigração contra muçulmanos.

Sendo um assunto mais espinhoso para partidos majoritários como os social-democratas ou a democracia cristã, esta pauta avançou e ganhou vulto com partidos radicais de direita como o AfD na Alemanha, o Vox na Espanha e o Agrupação Nacional na França. Portanto, aqui temos a mudança do eixo econômico para o cultural nas eleições europeias e nacionais do continente europeu.

Por fim, há um contraste entre a tradição predominantemente cristã da Europa com a tradição muçulmana da maioria dos imigrantes vindos da África e do Oriente Médio, gerando uma guerra cultural e de valores, também refletidos nos avanços de pautas progressistas como os direitos da comunidade LGBTQIA+, a igualdade de gênero, e que é um desafio perante valores tradicionais arraigados representados simbolicamente e concretamente por homens brancos adultos.

A questão da imigração tem mais impacto em países escandinavos, em que parte da população realmente sente sua cultura e tradição ameaçadas. Na Espanha, o perfil latino do imigrante da América Latina é menos distante e a politização da questão, portanto, é menor. Embora o centro político europeu ainda resista bem, essas eleições refletem mais questões nacionais que europeias, e funciona como um preâmbulo para as eleições nacionais nos países europeus. Contudo, essa virada para a direita no Parlamento Europeu definirá a política continental pelos próximos cinco anos.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog
: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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