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Pesquisadora da Ufes alerta para apropriação política da pauta do autismo

Bruna Lídia Taño menciona “indústria” do TEA e critica serviço especializado do governo estadual

Stel Miranda

Existe um “Complexo Industrial do Autismo” no mundo atual, que movimenta a economia e a sociedade em torno de um diagnóstico clínico específico, e as pautas das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm sido apropriadas politicamente no Brasil sem o devido tratamento ao tema.

Assim defende Bruna Lídia Taño, doutora em Educação Especial e professora do curso de Terapia Ocupacional na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Em participação no programa Entrevista do Século, da TV Século, a pesquisadora faz críticas também ao Serviço Especializado em Reabilitação para Deficiência Intelectual e TEA (Serdia), criado pelo governo estadual em 2022.

Bruna teve colaboração no relatório técnico “A ‘indústria’ do autismo no contexto brasileiro atual: contribuição ao debate”, produzido este ano por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Rede de Pesquisas em Saúde Mental de Crianças e Adolescentes. Na entrevista para a TV Século, a professora da Ufes explica que o objetivo do estudo não foi questionar a “identidade autismo” ou o diagnóstico clínico do transtorno, e sim as “narrativas” atuais sobre o tema.

Conforme o assunto ganha notoriedade e os diagnósticos de TEA se multiplicam, essa “indústria” passa a abranger uma rede de interesses cada vez mais ampla – incluindo desde a venda de produtos com os símbolos do autismo até a criação de políticas públicas segmentadas. “A nossa intenção é discutir o autismo na sua dimensão social, cultural, política e econômica. Quais são as narrativas em torno disso que se chama autismo ou TEA”, resume Bruna.

A professora fala também sobre o uso político das pautas relacionadas ao espectro autista, que tende a aumentar neste ano de campanha eleitoral, sobretudo por grupos de direita e extrema direita. Um dos exemplos citados na entrevista é o partido Agir, que se assumiu, recentemente, como defensor da inclusão de pessoas com TEA.

“O que a gente avalia é que há um crescimento de projetos de lei a partir de 2019. Em 2023, foram 118 projetos de lei tramitando [no Brasil], que são muito semelhantes entre si, mas que funcionam como plataforma eleitoral. Falar em nome do autismo faz ganhar voto. Porque quem vai ser contra a inclusão da pessoa autista? Ninguém será”, afirma.

Entretanto, Bruna opina que mesmo a esquerda reproduz um discurso sobre o tema que, em sua visão, apenas reflete uma perspectiva “patologizante” (relacionado à ideia de doença), individualista e simplificador. “A maior parte dos serviços pensados são com base nessa lógica centrada no corpo da criança, no controle dos comportamentos das crianças, numa não articulação da rede, no cuidado no território”, critica.

Serviço especializado capixaba

O Serdia já foi implantado em cinco municípios do Espírito Santo: Iúna, no Caparaó; Brejetuba, no sudoeste serrano; Piúma, no litoral sul; e Pedro Canário e Mucurici, no extremo norte. Segundo informações da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), 31 cidades já demonstraram interesse no serviço e 17 estão habilitadas.

Entretanto, para Bruna Lídia Taño, é um equívoco a criação de um serviço especializado em diagnósticos específicos, quando o mais indicado é o cuidado intersetorial, comunitário, no território, para todas as pessoas, com uma análise singularizada.

“A gente não tem um serviço só para pessoas com esquizofrenia. A gente não tem um serviço só para pessoas que tem lesão na lombar. A gente não tem isso, porque já sabe, principalmente no campo da saúde mental, que os serviços orientados pela patologia não produzem o melhor cuidado. Eles são contraproducentes”, explica.

“Não é o diagnóstico que, necessariamente, define a conduta do cuidado, e nem o diagnóstico que define a deficiência. Porque a deficiência é uma produção cultural e social. A deficiência é o encontro do meu corpo tal como ele, com o meio que me garante ou não o acesso. Não ‘tá’ no meu corpo a deficiência”, complementa.

Bruna comenta, ainda, que o Serdia não está previsto na rede nacional de saúde, e tampouco se trata da oferta de um novo serviço. Na verdade, o Estado está apenas fazendo convênios com instituições que já atuam há décadas nos municípios, como as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes) e as associações Pestalozzi.

“Não são novos serviços, novas equipes, mas é um jeito das entidades filantrópicas, que trabalham numa situação de segregação, estarem agora fazendo parte do Serviço Único de Saúde (SUS), recebendo mais verba pública. (…) No mesmo momento em que nós temos município negando a implantação de Caps-IJ [Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil], a gente tem município solicitando a implantação desse Serdia”, relata.

Deficiências e questões sociais

Durante a entrevista, Bruna falou também sobre a visão social a respeito de pessoas com deficiência, sobretudo crianças e adolescentes. Ela cita o fato de que é muito comum encontrar crianças que receberam diagnósticos de deficiência em instituições de acolhimento, e que tem aumentado o número de famílias que entregam seus filhos para o Conselho Tutelar por não se sentirem capazes de “reabilitá-las”.

Para a pesquisadora, isso se deve a uma lógica que pensa as deficiências apenas como questões biológicas que deveriam ser “tratadas”, desconsiderando fatores sociais e culturais atrelados ao assunto – o que se reflete no aumento do consumo de remédios por crianças e adolescentes.

“Alguns nomes que a gente dá para o sofrimento são diferentes a depender da idade, da cor da pele, do gênero. (…) O diagnóstico de deficiência intelectual é majoritariamente para as pessoas negras e para os garotos. E essa é a única classificação de deficiência em que a maioria é negra e jovem”, relata.

“Um diagnóstico de deficiência intelectual é a marca da desobrigação de a gente ter que pensar um projeto de vida, para além de estar na instituição fazendo reabilitação uma ou duas vezes por semana. (…) Desobrigação não para o cuidado em saúde. Mas de pensar a escolarização, de pensar que essa pessoa pode estar numa aula de balé. Se ela vai sair, se não vai sair, por que ela não pode passear no shopping, por que precisa estar o tempo todo na reabilitação. Eu acho que esse é o desafio. Em nome de cuidar, a gente não está cuidando tanto”, lamenta.

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