Os favoráveis à manutenção do veto foram Camila Valadão (Psol), Iriny Lopes (PT) e João Coser (PT), que já haviam se posicionado contra o PL na sessão de abril último, quando a matéria foi aprovada em votação não nominal. Mas dessa vez tiveram o reforço de Dary Pagung (PSB), Denninho Silva (União), Tyago Hoffmann (PSB) e Mazinho dos Anjos (PSDB), sendo que este último, quando compôs a comissão formada para analisar a proposta quando foi votada, acompanhou o voto do relator, Lucas Scaramussa (Podemos), que foi pela aprovação do PL.
Os que se posicionaram contra foram Adilson Espíndula (PSD), Alcântaro Filho (Republicanos), Callegari (PL), Capitão Assumção (PL), Coronel Weliton (PRD), Danilo Bahiense (PL), Bruno Resende (União), José Esmeraldo (PDT), Hudson Leal (Republicanos), Lucas Polese (PL), Lucas Scaramussa, Pablo Muribeca (Republicanos), Sergio Meneguelli (Republicanos) e Zé Preto (PP), o que não surpreende em se tratando, da maioria deles, de partidos de oposição ao governador, notadamente o PL e o Republicanos.
Marcelo Santos (Podemos), por ser presidente da Assembleia, não votou. Não compareceram à sessão os deputados Alexandre Xambinho (Podemos), Allan Ferreira (Podemos), Bispo Alves (Republicanos), Fabricio Gandini (PSD), Janete de Sá (PSB), Raquel Lessa (PP) e Vandinho Leite (PSDB). Theodorico Ferraço (PP), embora estivesse acompanhando a sessão remotamente, não se posicionou.
Desses, Alexandre Xambinho e Vandinho Leite fizeram parte da comissão especial que analisou a matéria em abril e na ocasião se posicionaram a favor do PL. Vandinho, inclusive, é autor de um dos projetos que tramitavam na Assembleia com mesmo foco na criminalização das ocupações. A primeira proposta de Polese prevaleceu, por ser a mais antiga, com as demais correlatas em anexo – autoria também de Callegari (PL) -, exceto a de Scaramussa, que solicitou a retirada de pauta.
Theodorico Ferraço chegou a justificar seu voto favorável e Gandini subiu à tribuna para dizer que o Brasil deveria ter feito uma distribuição de terras, “mas não é invadindo a terra que vai resolver”. As deputadas Raquel Lessa e Janete comemoraram a aprovação do PL com palmas.
Debate acalorado
A votação desta quarta-feira foi acompanhada de uma discussão acalorada por parte dos contrários ao veto, com direito a xingamentos ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), citações bíblicas e referências ao fantasma do comunismo, personificado nas figuras do presidente Lula (PT) e do governador Renato Casagrande. A sessão foi acompanhada por representantes do agronegócio, que lotaram as galerias.
O primeiro a se pronunciar foi Callegari, que afirmou que os militantes do MST são “bandidos travestidos de trabalhador”. Para ele, chama-los de trabalhadores rurais é “insulto aos trabalhadores, a quem pega no cabo da enxada, a quem pega o cabo da foice, a quem pega numa roçadeira, a quem pega no trator, a quem é meeiro, colono, produtor, fazendeiro”.
Alcântaro apelou para a bíblia para explicar seu posicionamento contrário ao veto, citando, o 8º mandamento, que é “não furtarás”. “Tomar algo que não é seu, que é do outro, é pecado”, disse, acrescentando que “pela nossa legislação, além de pecado é crime”. Seguindo na mesma toada de Callegari, afirmou que o MST é uma “milícia, abraça a ideologia comunista para implementar uma política em detrimento do sagrado direito à propriedade”.
O parlamentar ainda se comparou a Jesus Cristo ao citar o Evangelho de Mateus, no qual Jesus resiste à tentação do Diabo, que oferece a ele poder e riqueza. De acordo com ele, “jamais vou negociar o inegociável, não negocio os meus valores, tenho vergonha na cara, honro os votos dos capixabas”. Alcântaro prosseguiu dizendo que “benesse nenhuma do governo vai fazer eu mudar minha posição”.
Lucas Polese afirmou que o veto de Casagrande “foi capachismo do governador do Espírito Santo, se não vetar o projeto, Lula escurraça ele”. Para ele, não há inconstitucionalidade, pois a Procuradoria da Casa não apontou isso e o projeto chegou a ser aprovado. O parlamentar também contestou a afirmação de que seu projeto fere o direito de luta pela moradia, alegando que não é um direito “entrar com facão, foice, na terra dos outros”. Sobrou até para o prefeito Daniel da Açaí (sem partido), a quem o deputado chamou de “esquerdopata vagabundo” ao dizer que São Mateus, no norte, cidade que o gestor administra, é a que tem maior índice de “invasões de terra”.
Os argumentos dos deputados contrários ao veto foram contestados por Iriny e Camila. A parlamentar do PT destacou que a inconstitucionalidade do PL é “incontestável”. “Na Constituição existe, sim, o direito à propriedade privada, mas existe a destinação social da terra e de outros bens naturais”, destacou.
Iriny defendeu que a votação ocorrida na Assembleia, na verdade, era de riqueza versus fome. “É sobre alguém entrar na terra para garantir o plantio e outro que quer assegurar a terra para aumentar o patrimônio”. A deputada afirmou que jamais votará em um projeto de “morte, perseguição e fome nesta Casa ou qualquer outra em que eu esteja”. Iriny também salientou a diferença entre o agronegócio e a agricultura familiar. “Quem põe comida na mesa do povo não é o agro, o agro exporta. Quem põe comida na mesa do povo são os pequenos produtores, as cooperativas do MST”.
Camila ratificou a fala de Iriny ao destacar que 75% das propriedades agrícolas no Espírito Santo são da agricultura familiar, não do agronegócio, e que grande parte delas é de assentamentos oriundos do processo de reforma agrária. Também parabenizou o governador pelo veto ao PL. “Saúdo o governo por esse veto, que além de ser um veto sensível para com as pessoas mais carentes, foi também um veto pautado na legalidade, na nossa Constituição”, disse.
Veto
Para vetar o projeto, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) apontou que “sob o prisma constitucional, o autógrafo de lei trazido à análise incorre em diversos vícios de inconstitucionalidade de cunho material e formal”.
O parecer reconhece o direito à propriedade privada: “De fato, sabe-se que a propriedade privada foi consagrada como direito fundamental no art. 5º, inciso XXII da Constituição Federal e que a própria Carta Maior assegura a inviolabilidade do domicílio (estendido pelo Supremo Tribunal Federal às demais localidades com o mesmo status (jurídico), salvo nas hipóteses previstas pela própria CF”. Afirma também que “não há dúvidas de que o Estado do Espírito Santo pode editar leis que visam à tutela dos direitos ligados à propriedade”.
No entanto, prossegue, “ocorre que a forma pela qual o autógrafo de lei busca criar a política aqui analisada acaba violando outras normas constitucionais não ligadas diretamente ao direito de propriedade”. O parecer elenca os diversos dispositivos que o autógrafo de lei propõe objetivando penalizar as pessoas que realizam ocupações. São dispositivos, explica, que só podem ser criados por meio de projeto de lei de iniciativa do Executivo.
Em seguida, explica que a proposta “também padece de vícios de inconstitucionalidade material”. Vícios, ressalta, também já expostos pela “pela própria Procuradoria Geral da Assembleia Legislativa”. Entre elas, o fato de violar “a garantia constitucional da presunção da inocência”, visto que tais sanções só podem ser aplicadas mediante “existência de sentença condenatória transitada em julgado”.
Mobilização
O abaixo-assinado reforçou que a proposta “é evidentemente inconstitucional e que “legislações semelhantes, aprovadas em outros estados, como Goiás, já foram objeto de ações judiciais para declarar a sua inconstitucionalidade”.
O movimento lembrou que o projeto impede que ocupantes de imóveis recebam auxílios, benefícios e programas do governo estadual, participem de concursos públicos, contratem com o Poder Público Estadual e sejam nomeados para cargos públicos comissionados. Destacou, ainda, que, “autoriza que o poder público realize remoções compulsórias, a partir do desforço imediato, sem qualquer respaldo judicial, podendo se valer de diversos artifícios como a identificação e cruzamento de dados dos ocupantes, a condução coercitiva, a quebra de sigilo, busca e a apreensão de materiais, e a responsabilização administrativa, civil e criminal dos ocupantes. Como se não bastasse, esses projetos pretendem proibir o direito de reunião dos ocupantes e movimentos de luta pela moradia e pela terra”.
As famílias ameaçadas, alertou, “que já vivem em situação de extrema vulnerabilidade e de insegurança habitacional, além de serem excluídas de qualquer programa habitacional ou assistencial, ficarão sujeitas à ações violentas de remoção compulsória, podendo ter seus dados e sigilos violados, serem conduzidas coercitivamente, presas, multadas e ter seus bens apreendidos”.