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‘Repactuação é um circo de horrores’, protestam atingidos em Vitória

Após audiência na Assembleia, pescadores distribuíram peixes “sem contaminação” para a população

Leonardo Sá

A cada vez que o semáforo fechava em frente ao Shopping Vitória, nesta quarta-feira (10), um grupo de pescadores se digira para o meio da avenida com cartazes nas mãos e gritava “queremos justiça!”. Na calçada da Assembleia Legislativa, uma fila se formava, com pessoas que esperavam para receber peixes doados pelos manifestantes, mas não pescados por eles. Os peixes vieram de Santa Catarina, já que os da foz do Rio Doce estão contaminados por rejeitos de minério. A doação fez parte do protesto que cobra reparação dos danos causados pelo crime ambiental cometido pela Samarco/Vale-BHP, com o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015.

Leonardo Sá

A manifestação ocorreu em frente à Assembleia, onde era realizada a audiência pública “Os impactos e a revitalização da Bacia do Rio Doce”. Foram discutidos os danos do crime socioambiental e a necessidade de reparação com a participação dos atingidos no processo de repactuação em curso, cobrança feita sistematicamente há anos.

O presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gome da Fonseca, o Lambisgoia, voltou a alertar que os peixes da foz do Rio Doce estão contaminados. Ele afirma isso com base nos relatórios número 58 e 59 produzidos pela Aecom do Brasil, perito judicial do caso desde março de 2020, conforme decisão da então 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, atual 4ª Vara. “O laudo praticamente diz ‘parem de comer os peixes do Rio Doce”, reitera.

Leonardo Sá

Durante a audiência, Lambisgoia fez críticas à proibição da pesca a 20 metros de profundidade, pois os peixes circulam pelo mar e “desconhecem os limites estabelecidos”, e os rejeitos de minério já se espalharam ainda mais pela água. De acordo com ele, já foram encontrados mariscos com rejeito de minério a 28 metros de profundidade e tem sido cada vez mais comum encontrar peixes com deformidades.

Os atingidos cobraram, mais uma vez, sua participação na repactuação, cujas discussões contam com a presença da Renova, Ministério Público Federal (MPF), Governo Federal, os governos do Espírito Santo e Minas Gerais, e as Defensorias Públicas de ambos os estados, mediados pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região. Embora o MPF e as defensorias atuem em defesa dos direitos das comunidades, os próprios atingidos não têm tido participação ativa no processo.

O coordenador nacional e estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Heider Boza, acredita que a repactuação, caso seja feita sem a participação dos atingidos, pode ser um terceiro crime cometido contra eles. O primeiro, afirma, foi o rompimento da barragem; e o segundo, a criação da Renova, pois “ela nega direitos aos atingidos”.

Leonardo Sá

A promotora de Justiça do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e coordenadora do Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce (GTRD), Elaine Costa de Lima, informou que algumas propostas da Justiça para a repactuação são a criação de um programa de transferência de renda que permita retomar rotinas; programa residual de indenização para quem ainda não foi indenizado; estruturação de fundo para estruturação da pesca; universalização do saneamento básico nos municípios da bacia do Rio Doce; criação do fundo perpétuo para saúde das pessoas atingidas; e medidas de restauração florestal e das nascentes.

O defensor público da União e defensor regional de Direitos Humanos no Espírito Santo – (DRDH/ES – DPU), Frederico Aluísio Carvalho Soares, destacou a necessidade de reparação de danos aos povos tradicionais, como os indígenas de Aracruz, no norte, que nem ao menos recebem assistência técnica. Também defendeu a inclusão dos quilombolas do Sapê do Norte, que abrange Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado, como atingidos.

Uma das reivindicações do MAB, inclusive, é de que todo o Estado seja reconhecido como área atingida. Essa defesa, explica o pescador Jackson Matias, é porque pescadores de várias partes do Espírito Santo costumam pescar na foz do Rio Doce, principalmente camarão. Ele próprio não foi reconhecido ainda como atingido por ser morador de Vitória, embora pesque em Linhares. De acordo com ele, após o rompimento da barragem, sua renda mensal caiu de cerca de R$ 10 mil para uma média de R$ 4 mil.

Leonardo Sá

A deputada estadual Janete de Sá (PSB), presidente da Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (Cipe Rio Doce), que organizou a audiência pública, anunciou, ao final, encaminhamentos em diferentes áreas e uma reunião com a Renova, para implantar as ações da Deliberação 58, aprovada pelo Comitê Interfederativo, instância responsável por fiscalizar as ações de reparação e compensação.

A parlamentar fará pedidos de monitoramento da saúde da população atingida à Secretaria de Estado da Saúde (Sesa); do reconhecimento como atingidos de toda a cadeia de pescadores e marisqueiros do Espírito Santo e dos agricultores ribeirinhos da Foz do Rio Doce; de ampliação da abrangência para repactuação de mais áreas, como Patrimônio da Lagoa, em Sooretama; da inclusão dos impactos aos animais domésticos; do monitoramento das barragens em Minas Gerais; de medidas para garantia da segurança alimentar dos atingidos; e, ainda, do reconhecimento das mulheres atingidas.

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No caso das mulheres, foi recordado durante a audiência que, no mês passado, uma ação Civil Pública ajuizada contra a Fundação Renova e as mineradoras, na 4ª Vara Federal de Belo Horizonte, requereu indenização mínima de R$ 135,5 mil para cada mulher atingida pelo crime da Samarco/Vale-BHP por danos materiais causados pela violação sistemática aos direitos humanos; R$ 36 mil pelos danos morais sofridos; e, pelo menos, R$ 3,6 bilhões pelos danos morais coletivos.

O processo é assinado pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministérios Públicos de Minas Gerais (MPMG) e do Espírito Santo (MPES), Defensoria Pública da União (DPU), e Defensoria Pública de Minas (DPMG) e do Estado (DPES). O objetivo, apontam, é responsabilizar as empresas pelos danos às mulheres atingidas no procedimento de reparação de danos decorrentes crime da Samarco/Vale-BHP.

Os atingidos tiveram alguns avanços recentemente, como decisões judiciais favoráveis aos prejudicados pelo Novel – sistema simplificado de indenizações da Fundação Renova, reconhecidamente com cláusulas ilegais de quitação geral de danos – e pelo não cumprimento da Deliberação 58/2017, que obriga a inclusão de todas as comunidades atingidas nos programas de compensação e reparação de danos da Renova, desde a Praia de Carapebus, na Serra, até Conceição da Barra. 

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