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Depois do baile azul

A preparação para um baile ao qual não foi possível ir

Não faz tanto tempo assim, o baile era um evento imprescindível na vida em sociedade. Bailar é preciso, disseram os primeiros hominídeos. As reuniões dançantes ao som de música se sofisticaram, tornando-se parte integrante do convívio social, ponto de encontro e principal meio de iniciar romances. De alto luxo ou informais, caviar ou cachorro-quente, em qualquer tempo e lugar, havia de tudo para todos. Mas como no complexo teorema sobre qual nasceu primeiro – o ovo ou a galinha – o baile também esconde uma eterna interrogação – qual a melhor parte: o antes ou o depois? A festa em si ou os preparativos para chegar a ela? O baile dura uma noite, mas para brilhar sob os lustres levávamos semanas nos preparando, às vezes até meses.

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Cinderela vai ao baile e arrasa, mas a parte melhor da história é o antes – uma fada madrinha que aparece do nada, uma abóbora transformada em carruagem, ratos que viram garbosos cavalos… E o vestido, impossível de encontrar nas melhores maisons da alta costura. Sem faltar o sapato de cristal! Qual super modelo, com pés tamanho 39, poderia dançar até a meia noite com um sapato de cristal? De salto alto? O encantamento está no antes – a expectativa, os detalhes, a insônia – o melhor momento é a espera do melhor momento. Tal como nas histórias de amor, a preparação para o baile carece de raciocínio lógico e não se apaga da memória.

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Meu vestido era azul-água, como se a água fosse naturalmente azul. O mar é azul porque reflete o céu, o Danúbio é azul porque Strauss o pintou numa valsa inesquecível. Para meu primeiro baile o vestido azul foi confeccionado pelas mãos mágicas da minha fada madrinha – a prendadíssima Elzira, minha mãe. Sabia fazer de tudo, e fazia bem feito. Primeiro ir nas Lojas Franklin na praça do coreto para escolher o tecido. Depois de cortarem a metragem adequada ao modelo desejado, a gente discretamente escondia o que sobrou na cartela atrás dos pesados fardos de lã, que não tinham saída no verão. Assim ninguém mais compraria o mesmo tecido.

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Quer coisa mais triste do que encontrar no salão um vestido igual? As revistas de moda na casa das costureiras vinham de fora, e quando alguém escolhia um modelo, arrancava a página para que ninguém mais fizesse igual. Aconteceu certa vez numa festa de Ano Novo entre duas rivais do amor do mesmo homem – dois vestidos preparados a portas trancadas, em segredo de estado, tecidos comprados no Rio de Janeiro, então capital da moda, eram exatamente iguais. O espanto, a tragédia! As duas se atracaram logo na entrada do salão – vestidos rasgados, penteados desmanchados, maquiagem borrada – e voltaram para casa aos prantos – para elas a festa acabou antes de começar. E o sujeito ficou com outra.

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A escolha do modelo era um detalhe essencial ao sucesso da grande noite. Esse de laço nas costas ou esse com uma flor de tule na cintura? Decote em V ou laçarote no pescoço? Tomara-que-caia ou um ombro só? Rabo-de-peixe ou godê balão? Esses modelos desapareceram das vitrines nas boutiques modernas ou apenas mudaram de nome? Dior disse, “No mundo atual, a alta costura é um dos últimos repositórios do sublime, e os costureiros, os últimos possuidores da varinha da fada madrinha da Cinderela.” Acertou, mas nem precisamos da alta-costura para conquistar o príncipe.

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Meu vestido azul teria ganho um concurso do mais bonito – se tivesse ido ao baile. Meu pai, por algum deslize inevitável na complicada fase da adolescência, decretou: Ninguém vai ao baile! Decisão de última hora, com tudo pronto: cabelo e maquiagem impecáveis, o sapato calçado, a bolsinha dourada levando um pente e um batom já pendurada no pulso. Não teve choro nem vela – Três jovens tristes dormiram com os vestidos do baile ainda no corpo, o laquê no cabelo, o rouge no rosto molhado de lagrimas. Mas ninguém dormiu, preferimos chorar a noite toda. Pelo menos ele era igualitário – se uma não lavou os pratos do almoço, todas pagavam pelo crime. As três perderam o baile azul!

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