domingo, setembro 22, 2024
27.7 C
Vitória
domingo, setembro 22, 2024
domingo, setembro 22, 2024

Leia Também:

Festa celebra árvore nativa que é símbolo da cultura Tupinikim

Ameaçada de extinção, a Imbirema ganhou evento que pode virar anual em Aracruz

Nativa da Mata Atlântica, a Imbirema é uma árvore muito importante para a cultura do povo Tupinikim. É com ela que são feitas saias, bustiês, artesanatos e até o tradicional cocar que diferencia os representantes dessa etnia em encontros nacionais, como o Acampamento Terra Livre. Ameaçada de extinção, nesse sábado, 21 de setembro, Dia da Árvore, a espécie ganhou um destaque especial: a aldeia de Caieiras Velha realizou pela primeira vez a Festa da Imbirema.

O projeto busca valorizar a planta dentro da comunidade e também chamar a atenção da sociedade em geral para o risco que a Imbirema corre de desaparecer. Coordenador desde 1982 do grupo Curumins Guerreiros, Mestre Mizinho é um dos grandes conhecedores da árvore, com a qual confecciona a vestimenta das dezenas de crianças e jovens para as quais ele transmite as danças tradicionais de seu povo, que fizeram parte da programação da festa. “Essa árvore aqui pra nós é ouro. Meu pai que me ensinou a trabalhar com essa árvore, eu aprendi tudo por causa dele”, conta o mestre.

Mas ele menciona as dificuldades encontradas hoje em dia. “Você tem que andar quilômetros atrás dela. Eu falo isso por conta própria, porque eu ando na mata. Eu andei distante para fazer uma tanga de adulto e duas de criança, então tá acabando. Saí de casa às 7 da manhã e cheguei em casa 3 horas da tarde, só com isso. Meu Deus, tão longe. Para não deixar nossa cultura morrer.”, relata Mizinho.

Embora haja árvores mais perto das casas, o próprio uso tradicional, que é sustentável e necessita manter a planta de pé, exige usá-las com parcimônia. Para extrair a palha, os Tupinikim retiram a casca apenas de um lado da árvore, deixando o outro inteiro, para que a árvore possa se recompor e voltar a fornecer a matéria prima no futuro.

Tudo é feito com muito cuidado, pedindo licença à planta, e esperando o momento correto. “Tem que tirar na lua escura da cheia. Quando você tirar embira [nome comumente dado à fibra vegetal retirada de árvores] na lua minguante, ela só vai minguando, vai morrer”, conta Maria da Penha Oliveira Ferreira, uma das mais antigas conhecedoras do uso da Imbirema na comunidade.

“A tanga de embira é muito resistente, mas tem que ter paciência e fazer com amor. Você vai lá, tira a embira e vai desfiando. Desfia um pouquinho, deixa pro outro dia, descansa, desfia outro pouquinho. Dá trabalho, mas é tudo com amor, porque sem amor não adianta fazer nada”, explica Maria da Penha, que se colocou à disposição para ensinar quem tiver interesse em aprender, algo que vem fazendo a partir de sua família.

“Minha mãe criou a gente no mangue, no mato, panhando embira para fazer tanga, vestimentas, cocar, bustiê, colares”, conta a artesã e costureira Renata Ferreira Bento, que hoje possui um ateliê na aldeia, onde produz usando palhas de plantas que conhece desde criança, como a Imbirema e o Sisal. 

Uma festa para o calendário anual

“Eu não tenho muita leitura, não, mas tenho muito amor no coração”, disse Mestre Mizinho durante o evento. A transmissão dos conhecimentos pela oralidade por mestres como ele e Maria da Penha foi um dos destaques da primeira Festa da Imbirema em Caieiras Velha, que também reverenciou ancestrais que já partiram deste plano, como Mestre Alonso, cujo cocar de Imbirema foi deixado a seu neto, Ronivaldo Tupinikim, coordenador da atividade.

“Unimos o útil ao agradável. Juntamos o Dia da Árvore com a homenagem a esta planta que é a Imbirema, que tem várias utilidades aqui em nossa comunidade. Nossa ideia é ter uma segunda, terceira edição, e assim dar continuidade a essa festa sempre no mês de setembro, próximo ao Dia da Árvore”, afirma. A atividade também buscou o envolvimento de crianças e jovens, que participaram dançando no grupo dos Curumins Guerreiro, tocando na banda de congo na aldeia e sendo estimulados a realizar desenhos alusivos ao Dia da Árvore.

Além da realização da primeira festa, o projeto, feito com apoio da produtora Reproduções e da Associação Indígena Tupinikim e Guarani (AITG) com recursos do Fundo Estadual de Cultura (Funcultura), por meio de edital da Secretaria de Cultura do Espírito Santo (Secult), inclui o plantio de 200 árvores em um espaço que vai ser reservado dentro da aldeia de Caieiras Velha com essa finalidade, para garantir o fácil acesso à árvore para o uso de sua palha e a manutenção da espécie em local controlado, que permita garantir sua reprodução.

As décadas de destruição da Mata Atlântica para projetos industriais e agropecuários em Aracruz reduziu o território tradicional Tupinikim, que só teve parte de suas áreas demarcadas – do território usurpado pela antiga Aracruz Celulose, hoje Suzano Papel e Celulose – diante de muitas lutas travadas na região junto ao povo Guarani, com protestos, retomadas e articulações com apoiadores e autoridades. Mesmo com a garantia deste território, a Imbirema é escassa e as crescentes queimadas acendem um alerta ainda maior diante da possibilidade da árvore desaparecer no entorno.

A primeira Festa da Imbirema marca, assim, um ponto de inflexão e a ligação de um sinal de alerta daqui para frente. A preservação da Imbirema, como sinalizaram muitos participantes do evento, está diretamente ligada à manutenção da cultura Tupinikim, um dos povos originários que tem o nome mais conhecido no país, mas cuja rica cultura é ignorada pela maioria do povo capixaba e brasileiro.

Mais Lidas