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Prefeitura de Guarapari ignora notificação de embargo em Guaibura

Gestão afirma que Conselho Estadual de Cultura não tem competência sobre o tema

A Prefeitura de Guarapari não pretende acatar a notificação de embargo das obras do condomínio Manami Ocean Living, no Morro de Guaibura, feita pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC). O posicionamento foi explicitado pela gestão do prefeito Edson Magalhães (PSDB) após solicitação de Século Diário.

O condomínio de luxo começou a ser construído pela empresa Design 16 SPE LTDA no fim do ano passado, cercando uma área de uso público da comunidade e destruindo o patrimônio natural do Morro de Guaibura, que fica na Enseada Azul. A Organização Não Governamental (ONG) Sociedade Gaya Religare e outras entidades da sociedade civil que atuam na região lutam contra o empreendimento.

Reprodução/Redes Sociais

Segundo a nota encaminhada pela prefeitura, a Secretaria de Análise e Aprovação de Projetos (Semap) “não recebeu nenhum documento oficial da Secult. No entanto, conforme a Portaria Conjunta Seama/Iema Nº 011-R, de 27 de outubro de 2016, não é preciso consultar a Secretaria de Estado de Cultura para bens que não foram tombados individualmente”.

Entretanto, Século Diário teve acesso a dois ofícios encaminhados pelo secretário estadual de Cultura, Fabrício Noronha, ao prefeito Edson Magalhães (PSDB), em 21 de agosto, e ao secretário de Turismo, Empreendedorismo e Cultura de Guarapari, Edgar Behle, no último dia 11 de setembro, informando sobre as deliberações do CEC.

A portaria conjunta da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos e do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos a qual a nota faz referência diz respeito a uma normativa que, com uma única canetada, em 2016, retirou poder de polícia do CEC sobre licenciamento de empreendimentos inseridos na Mata Atlântica – exceto nos casos de bens tombados individualmente.

A portaria tem sido contestada por ambientalistas, tendo em vista o tombamento da Mata Atlântica como patrimônio cultural natural estabelecida pela Resolução CEC nº 3/1991 – também alvo de ataques – e posterior declaração como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco/ONU).

Foi a própria Secretaria Municipal de Turismo, Empreendedorismo e Cultura de Guarapari (Setec) que solicitou um parecer do CEC sobre o Morro do Judeu e o Morro de Guaibura, após ser interpelada pela Procuradoria Geral do Município – ou seja, o posicionamento da prefeitura contradiz os seus próprios atos oficiais.

O parecer elaborado pela Câmara de Patrimônio Natural e Paisagístico do CEC aponta a existência de diversos elementos de importância ambiental e cultural no Morro da Guaibura, como espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção e vegetação em avançado estágio de regeneração; sambaqui (vestígios de formações constituídas ao longo de milhares de anos por populações litorâneas); área de uso cultural tradicional; olho d’água; mangue branco; laguna do mangue; e laguna de pequira.

O CEC já havia notificado extrajudicialmente a Prefeitura de Guarapari, em 27 de janeiro de 2023, a respeito do licenciamento em curso do empreendimento imobiliário, ressaltando que o Morro de Guaibura é tombado como patrimônio natural cultural. A notificação inclui um parecer de 2011 do Conselho, que também informava à administração municipal sobre o tombamento do local.

O Iema também indeferiu pedido de licenciamento de empreendimento em Guaibura em 2005. Em 2007, após vistoria no local, o órgão sugeriu à prefeitura que tomasse medidas mais efetivas para a manutenção da Área de Preservação Permanente (APP).

A própria Prefeitura de Guarapari reconheceu, em ofício à Gaya Religare, em 2011 (processo número 17454/11, da Secretaria Municipal de Planejamento Rural e Urbano, Semprad), que os morros do Judeu e de Guaibura estão incluídos entre os bens naturais tombados.

Mesmo assim, a Prefeitura de Guarapari e o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) emitiram licenças para supressão de vegetação e instalação do condomínio Manami Ocean Living – o Iema contesta o licenciamento.

Federalização

No último dia 28 de agosto, desembargadores da 5ª Turma Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) decidiram, por unanimidade, que a 4ª Vara Federal Cível de Vitória tem competência para julgar a cassação do licenciamento do condomínio. A decisão se deu pelo fato de envolver possível violação de direitos indígenas, tendo em vista a reivindicação de reconhecimento de remanescentes do povo Borum M’nhang Uipe em Guaibura.

A ação é de autoria da Gaya Religare. No último dia 27 de junho, o juiz Luiz Henrique Horsth da Matta, da 4ª Vara Federal Cível de Vitória, havia decidido que a ONG não tem legitimidade para entrar com ações relacionadas à defesa dos direitos indígenas. Na última terça-feira (17), o magistrado decidiu declarar-se suspeito por motivo de “foro íntimo” para julgar o caso.

“A federalização da ação civil pública movida pela Sociedade Gaya Religare representa uma importante vitória no reconhecimento da importância do Morro de Guaibura, um território ancestral, indígena, com mangue, espécies ameaçadas de extinção, mais de 11 razões para ser considerado uma área de preservação permanente e um patrimônio cultural do Espírito Santo”, comenta César Ivan, presidente da Sociedade Gaya Religare

De acordo com César, o processo administrativo municipal de licenciamento do condomínio teve diversas falhas, e a falta de suporte de órgãos locais tornou o percurso jurídico ainda mais longo e difícil, mas a expectativa é de que a obra seja embargada e todas as ilegalidades no processo, apuradas.

“Queremos que a área seja de preservação, mas garanta o extrativismo tradicional da comunidade de Guaibura, através da criação de uma Unidade de Conservação. Faremos esse processo ir até o fim pela demolição do que foi construído, execução de um plano de recuperação de área degradada e criação de um mirante que permita à comunidade e turistas usufruir deste local ancestral de forma pública, aprazível e que permita também ao meio natural ser preservado e para sempre protegido”, defende.

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