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Crise das bets e a regulação

Autorregulação das plataformas digitais falha em conter a promoção de apostas

O impacto das apostas eletrônicas no Brasil atingiu proporções alarmantes, com uma movimentação financeira mensal de R$ 20,8 bilhões. Ao mesmo tempo, o endividamento e o adoecimento mental causados pela difusão das “bets” mostram a gravidade do problema. A urgência de regulamentação das apostas eletrônicas reacende outra questão: a responsabilidade das plataformas digitais que permitem a disseminação desse conteúdo. A relação entre as empresas de tecnologia e a propagação dessas práticas ilegais, ou no mínimo prejudiciais, precisa ser amplamente discutida.

Marcelo Alves, especialista em comunicação e pesquisador da PUC-Rio, é taxativo: as plataformas têm regras, mas falham em aplicá-las. A autorregulação demonstrou ser insuficiente para conter anúncios e impulsionamentos relacionados a jogos de azar e apostas. Muitas dessas plataformas, como o TikTok e o YouTube, proíbem diretamente a promoção de apostas, mas não conseguem barrar totalmente o conteúdo. A autorregulação, além de falha, torna-se ineficaz quando confrontada com a realidade das empresas que, na prática, continuam propagando esse tipo de conteúdo.

A tecnologia, especialmente a IA, desempenha um papel importante nesse processo. As plataformas digitais dependem amplamente de algoritmos baseados em IA para moderar conteúdo e impedir a disseminação de anúncios irregulares. No entanto, como as apostas são apresentadas de maneiras cada vez mais sofisticadas, muitas vezes essas ferramentas falham em identificar a violação de regras. Algoritmos de IA são programados para filtrar anúncios, mas a própria natureza das apostas, que podem ser disfarçadas ou camufladas como conteúdo orgânico, torna difícil o bloqueio eficiente.

Esses sistemas automatizados deveriam agir como a primeira linha de defesa, mas a incapacidade de aplicar as próprias diretrizes mostra o limite da tecnologia sem uma intervenção humana mais precisa e regulatória. A inteligência artificial, apesar de ser estratégica, ainda precisa ser aperfeiçoada para acompanhar o volume e a complexidade de anúncios sobre jogos de azar, especialmente quando são manipulados para driblar as regras.

A IA não atua apenas como moderadora, mas também como impulsionadora de anúncios. Plataformas utilizam algoritmos para segmentar o público com maior precisão, oferecendo anúncios de apostas a usuários que têm maior propensão ao risco. Jovens, pessoas endividadas e até perfis em situações emocionalmente vulneráveis se tornam alvos prioritários desse sistema, alimentado pela IA que entende seus padrões de comportamento. Essa combinação é perigosa, pois explora vulnerabilidades de maneira personalizada, aumentando os riscos de danos financeiros e emocionais.

Com a expansão das apostas online, os mecanismos de IA usados para direcionar publicidade se tornaram mais sofisticados e intrusivos, reforçando a necessidade urgente de uma regulação mais severa. Empresas como Google e Meta já têm políticas para impedir a promoção de apostas ilegais, mas é evidente que, sem um monitoramento mais eficaz e a melhoria das tecnologias de IA, a autorregulação será incapaz de conter o avanço dessa prática.

Outro aspecto a ser considerado é a influência dos criadores de conteúdo na promoção de apostas. A proximidade entre influenciadores e seus seguidores fortalece a validação de práticas prejudiciais, como as apostas. A tecnologia, mais uma vez, desempenha papel fundamental, pois muitos desses influenciadores usam IA para aumentar o alcance de seus conteúdos, promovendo casas de apostas de maneira viral.

A IA, portanto, está diretamente ligada à crise das apostas. Seja como ferramenta de moderação ineficaz, como impulsionadora de publicidade ou até mesmo como disseminadora de conteúdo através de influenciadores, seu papel não pode ser ignorado. A tecnologia sozinha não resolverá o problema.

Sem uma regulação robusta e transparente que responsabilize as plataformas digitais e controle o uso abusivo da IA, o cenário atual das apostas e seu impacto na sociedade brasileira continuará se agravando. Em meio ao avanço das regulações, cabe ao consumidor comum se munir de informação e cautela porque, na aposta pela segurança digital, a responsabilidade também está em suas mãos.

Flávia Fernandes é jornalista, professora e pós-graduanda em Inteligência Artificial e Tecnologias Educacionais pela PUC-MG.

Instagram: @flaviaconteudo

Emal: [email protected]

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