Andamos com correntes nos pés, controlando nossos passos
O direito de ir e vir está explícito na Constituição, igual para todos e todas. No entanto, vagamos pelo mundo restritos e intimidados: Passagem Proibida; Favor não ultrapassar; Pague ingresso na portaria, Evento reservado, Área de lazer para residentes, apenas; Sala VIP só para membros. Ou seja, se não reside no condomínio, fique longe da área de lazer, se não viaja na primeira classe, não entre na sala VIP.
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O mundo que recebemos gratuitamente para morar – sem pagar aluguel ou prestações a perder de vista, é redondo, não tem princípio nem fim – uma bola continua, igual em toda sua superfície. No entanto, o homem – e não há discriminação de sexo aqui – foi construindo cercas, levantando muros, barreiras com fechaduras e cadeados, Quem chegou primeiro bebeu água limpa.
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O que não tem dono é do governo – Pode usar, mas preste atenção nos avisos espetados para todo lado – Não pise na grama, não polua, não suje o recinto, não tire do lugar, pegar emprestado devolva, se quebrar tem que pagar, não cuspir no chão, não ultrapasse na curva, não entre na contramão, não demore no banheiro, não use o cartão sem saldo, não passe cheque sem fundos.
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As cercas deprimem, o muro atrapalha a vista. Andamos com correntes nos pés, controlando nossos passos – Cuidado ao atravessar a rua. O mar é grátis, mas a praia já está lotada. O táxi tem ponto, os flanelinhas têm rua, cada louco tem sua mania. Estacionamento pago, Espere sua vez. Cuidado: piso molhado! Não abuse da minha paciência.
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E tem a fila, inventada quando a população mundial ultrapassou os cem habitantes. A vida nas cavernas ficou caótica! Todos respeitam a fila do cinema, a fila do caixa, a fila no posto de gasolina, a fila do fim do mundo. Somos educados: ninguém reclama quando a idosa senhora paga o sanduiche com moedas de um centavo. Ou quando a atendente fecha o guichê na sua cara – Hora do almoço…
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Tem fila que ninguém respeita. Oculto e indeterminado no conforto do seu carro, vidros fechados, ar condicionado e música ambiente, o mesmo sujeito que esperou duas horas na fila da pipoca não se acanha em furar a fila no trânsito engarrafado. Sem cerimônia e sem pedir licença, e ainda força o carro lá na frente a lhe dar a vez.
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Os relógios também são cercas controlando nosso tempo e regulando nossos passos. Cuidado: cachorro zangado! No restaurante: Aguarde sua vez! Mas tenho mais fome do que o sujeito na minha frente. No supermercado: A fila demorou tanto que o leite azedou. No cemitério: Marcou hora com o coveiro? Desculpa, não sabia que ia morrer hoje.
