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‘Formamos um elo de empoderamento na nossa comunidade’

Rota de São Benedito desafia estigmas e exalta cultura e resistência no Território do Bem

A luta por valorização cultural e contra a violência de Estado continua a ser trilhada no Território do Bem, a partir de iniciativas como a Rota de São Benedito, circuito turístico de base comunitária em atividade há dois anos no bairro que nomeia o projeto. Por meio da união de moradores que se recusam a aceitar o estigma imposto à região, a comunidade se organiza para construir soluções coletivas e apresentar aos visitantes sua cultura e história de resistência.

“A gente era rotulado e isso atrapalhava o desenvolvimento do bairro, que não reconhecia os próprios potenciais. Estamos conseguindo, aos poucos, fazer essa transformação. É um processo, hoje temos um potencial gigantesco na questão econômica e social, e formamos um elo de empoderamento na nossa comunidade”, compartilha Valmir Rodrigues Dantas, uma das principais lideranças do Território do Bem atuando no Ateliê de Ideias, onde coordena o Fórum de Moradores da comunidade.

Renato Moulin

A iniciativa da Rota do São Benedito surgiu a partir do inventário “Nossa História, Nosso Bem”, desenvolvido pelo Ateliê de Ideias, organização fundada em 2003 para promover o fortalecimento comunitário por meio da economia solidária e do empreendedorismo e, ao mesmo tempo, desconstruir a imagem negativa imposta ao Território do Bem, que abrange nove comunidades periféricas da Capital.

Composta por oito pontos mapeados pelo Ponto de Memória a partir do inventário “Nossa História, Nosso Bem”, desenvolvido com base em relatos de moradores antigos do território, a Rota de São Benedito foi criada a partir de um diálogo entre a comunidade, que identificou uma solução de economia solidária para apresentar as potencialidades do lugar e seus moradores.

O percurso começa na Praça Jair de Andrade e segue por locais simbólicos como a Lavanderia Comunitária, o Bar do Seu Manoel, a Igreja de São Benedito, o Farol de São Benedito, o maior do Estado e ainda pouco conhecido, e termina no Banco do Bem, peça chave na promoção da economia solidária e desenvolvimento local.

O trajeto pode ser explorado de maneira autônoma pelos visitantes, com auxílio de QR Code disponível em pontos estratégicos ao longo da rota. Outra opção é agendar uma visita guiada, disponível aos finais de semana nos horários de 8h (convencional) ou às 14h (rota do pôr-do-sol). O contato é feito no perfil do Instagram @rotadosaobenedito.

Redes Sociais

Rompendo estigmas

Uma das articuladoras do projeto, Gabrielly Almeida considera que a rota “permite que as pessoas vejam o Território do Bem de outra forma”, e a experiência contribui para quebrar o estigma social construído sobre o espaço e empoderar os moradores. “Sou Cria de São Benedito, nascida e criada na comunidade, e estava passando por um processo de me redescobrir como pessoa PCD quando surgiu a oportunidade. Foi um ponto de partida que me permitiu participar ativamente de algo para contribuir com a comunidade e trouxe um novo olhar sobre o território”, destaca.

Renato Moulin

Antes uma chácara abandonada, transformada por migrantes de locais como os territórios do Sapê do Norte – São Mateus e Conceição da Barra – e da Bahia, São Benedito preserva histórias marcadas por uma cultura de coletividade ancestral. Personagens como Dona Ana Ilma, quilombola que acolhia os recém-chegados e os ajudava a se estabelecer, e Seu Otto, um artesão de 97 anos que é uma referência para a comunidade, refletem essa tradição e oferecem uma outra visão ao Território do Bem, frequentemente associado à insegurança e violência.

Nos últimos anos, a região tem sido marcada por uma série de execuções de jovens em ações policiais. Com oito casos somente nesse mês de setembro, a situação levou à formação do Fórum Estadual de Insegurança Pública, que solicitou na última semana uma atuação imediata da Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

“Quem chega para conhecer a rota consegue visualizar todo o Território do Bem através da nossa comunidade, e nós quebramos muitos tabus a partir dessa troca de vivências. A pessoa passa a enxergar de outra forma o contexto retratado pela grande mídia, enquanto os jornais costumam mostrar apenas o lado do Estado, nós trazemos a nossa realidade, e isso ajuda a romper com os estigmas que foram impostos sobre o lugar e as pessoas que vivem aqui”, observa a articuladora da Rota de São Benedito, Gabrielly Almeida.

Para reverter a imagem distorcida propagada sobre o território, iniciativas de comunicação comunitária como a Varal e o Calango Notícias também têm atuado para trazer outras vozes ao debate público. Nesse contexto, o turismo de base comunitária tem se revelado uma ferramenta de preservação da memória e construção de um novo olhar sobre as periferias urbanas.

Em 2023, a Rota do São Benedito recebeu projeção nacional ao vencer o Prêmio Tomie Ohtake de Arquitetura Akzonobel, na categoria profissional, em reconhecimento à inovação e o impacto positivo do projeto.

Organização comunitária

Em 2019, a documentarista Taciana Grotti produziu o curta-metragem Ateliê de Ideias – Somos do Bem, que narra a história da fundação da organização, disponível no Youtube. Assista a seguir:

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