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‘Vamos lutar até o último indígena’

Lideranças Tupinikim e Guarani de Aracruz protestam contra acordo de repactuação

Indígenas Tupinikim e Guarani das aldeias de Pau Brasil, Irajá e Boa Esperança, em Aracruz, norte do Espírito Santo, protestaram nesta sexta-feira (25) contra o acordo de repactuação do crime da Samarco/Vale-BHP assinado em Brasília, após negociações conduzidas apenas pela cúpula dos governos federal e do Espírito Santo e Minas Gerais, sem a participação das comunidades atingidas. A manifestação aconteceu em quatro trechos de rodovias estaduais que atravessam o município, a ES-257, perto da aldeia Pau Brasil, dois pontos da ES-45, nas proximidades das aldeias de Irajá e Caieiras Velha, e mais um na ES-010, perto da aldeia Boa Esperança e do Posto Rodoviário Policial. 

Os manifestantes carregavam cartazes com frases como “Não à repactuação” e “Direitos não se negociam”, em denúncia à falta de escuta das comunidades nas negociações do acordo de reparação e compensação dos danos provocados pelo crime, o que fere os direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição Federal e por tratados internacionais, de participação nas decisões que impactam suas terras, culturas e modos de vida. 

Alice Francisco

“Não estamos satisfeitos. Somos um povo de luta, estamos acostumados a fazer o enfrentamento às empresas que impactam nossos territórios e a participar das discussões que envolvem diretamente os nossos direitos. Essa manifestação é um grito de socorro contra esse acordo que fere nossa autonomia, e nós não abaixaremos nossas bandeiras. Continuaremos em defesa da nossa forma de decidir em comunidade, uma prática que é passada de geração em geração, e vamos continuar lutando até o último indígena”, ressaltou Alice Francisco, liderança indígena da Aldeia de Pau Brasil. 

O termo de repactuação, firmado em R$ 167 bilhões, destina R$ 8 bilhões para recuperação de terras de Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais (IPCTs), por meio de um modelo de autogestão supervisionado pela União. As comunidades teriam acesso a esses recursos após uma consulta prévia e informada sobre o modelo, contudo, elas não participaram das negociações.

Diante da exclusão gerada pela condução das negociações em sigilo, as lideranças indígenas expressam que se sentem desrespeitadas, especialmente quanto ao direito à consulta prévia, livre e informada garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 

Alice reforça que o compromisso com a preservação cultural e territorial é um princípio inegociável para as comunidades, que deveriam participar efetivamente de um processo que deveria reparar os danos sofridos pelas pessoas e a natureza atingida pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015, com consequências que permanecem quase uma década depois do crime. 

Redes Sociais

A representante da aldeia de Pau Brasil ressaltou que o crime das mineradoras trouxe profundas consequências sociais, ambientais e familiares para os povos indígenas de Aracruz. Atividades tradicionais fundamentais para a segurança alimentar das comunidades não podem mais ser realizadas, devido à contaminação do Rio Piraquê-Açú, que atravessa as comunidades, e da região costeira.  Atualmente, a prática está suspensa por decisão judicial, enquanto se elaboram planos de ordenamento da atividade, com prazo de até 24 meses. Para isso, serão investidos R$ 2,5 bilhões no Plano de Reestruturação da Gestão da Pesca e Aquicultura (Propesca). 

O processo de reparação conduzido pela Fundação Renova, criada pelas empresas criminosas para gerir ações de reparação e compensação, como parte do Termo de Transação e Ajuste de Conduta (TTAC), gerou tensões comunitárias que prejudicaram a luta coletiva por reparação e respeito aos direitos indígenas, enfatiza Alice. 

“Existem estragos que nunca poderão ser reparados no nosso território, na nossa forma de viver, que não podem ser resolvidos com dinheiro. Membros da mesma família ficaram divididos entre os que foram beneficiados e os que não receberam compensações. Quando eles não conseguem garantir um direito de sermos escutados, trazem esses impactos para dentro das nossas terras”, relata. 

Com a mudança do modelo de repactuação, os indígenas esperam que o governo ouça suas demandas e um novo caminho de diálogo seja estabelecido. A prioridade das aldeias, afirma Alice, é garantir um futuro para as crianças, preservar seu modo de vida, ter a oportunidade de expressar suas necessidades, e lutar por soluções reais para os danos provocados pelo maior crime socioambiental do País.

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