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‘Sem reunião com o governador não vamos chegar a lugar nenhum’

Sociedade civil volta a cobrar diálogo com Renato Casagrande sobre violência policial

Hélio Filho/Secom
Hélio Filho/Secom

Após a ação policial que culminou na agressão e detenção de dois ativistas de direitos humanos, na última quinta-feira (24), no Território do Bem, em Vitória, a sociedade civil volta a cobrar reunião com o governador Renato Casagrande (PSB) para tratar da política de segurança pública no Espírito Santo. “Sem reunião com o governador não vamos chegar a lugar nenhum”, enfatiza a presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), Galdene dos Santos. A reivindicação foi reiterada à secretária Estadual de Direitos Humanos, Nara Borgo, em reunião realizada na sexta-feira (25).

Além de Nara Borgo e de representantes do colegiado, participaram a Defensoria Pública Estadual do Espírito Santo (DPES); as deputadas estaduais Camila Valadão (Psol) e Iriny Lopes (PT); e o vereador de Vitória, André Moreira.

Durante a ação policial, as vítimas foram Luiz Adriano, que tem denunciado a violência policial na região, e sua tia, Marly Rodrigues Gabriel, coordenadora do Centro de Referência das Juventudes (CRJ) do bairro Itararé e ganhadora do Prêmio Estadual de Direitos Humanos 2023.

Em vídeos que circulam nas redes sociais, é possível ver três policiais jogando o jovem no chão enquanto moradores tentam socorrê-lo, mas são agredidos pela polícia com empurrões e balas de borracha. Ambos foram detidos. Marly, inclusive, foi alvejada com balas de borracha ao tentar ajudar o sobrinho. 

Acionada, Nara foi até o local para “garantir que aquelas pessoas que estavam ali, detidas, pudessem ter acesso aos advogados e advogadas”, argumentou nas redes sociais. “Foi importante a Nara ter ido lá acompanhar a situação, ver a forma como a coordenadora do CRJ foi tratada, ver de perto o que o povo daquela comunidade sofre”, diz a presidente do CEDH, que destaca que Iriny e Camila também irão auxiliar nesse diálogo com o governador para agendar uma reunião.

Lucas S.Costa/Ales

O Conselho Estadual de Direitos Humanos divulgou nesta segunda uma nota de repúdio e denúncia em que conta detalhes do ocorrido, narrando que quando Marly foi até a delegacia para saber notícias do sobrinho, recebeu voz de prisão “de forma arbitrária”. Relata, ainda, que Luiz Adriano ficou mais de seis horas dentro de um camburão e os advogados foram impedidos de se aproximar.

“Para surpresa de todos que estavam na delegacia, só com a chegada da secretária de Direitos Humanos e com muita insistência e diálogos institucionais, conseguiram falar com o jovem e descobrir que outra jovem mulher também havia sido apreendida. Somente depois de passarem por muito constrangimento, de longa negociação institucional e de ação jurídica, foram ouvidos e liberados já no dia seguinte”, descreve o documento.

O pedido de abertura de diálogo por parte de Renato Casagrande é reiterado. “Que o governador, no cumprimento de seu papel de governar para o povo do ES, reúna-se e escute a comunidade e suas lideranças indicadas por elas e, como também, as instituições, o conselho DH e os movimentos sociais. Que o governador se retrate com as vítimas, em reunião com a comunidade e com o CRJ – Centro de Referência das Juventudes, do Território do Bem, que é uma política pública, implementada pelo Governo do Estado e ligada ao Estado Presente”, pontua.

Além disso, é reivindicada a implementação imediata da ouvidoria externa e independente de segurança pública e o uso obrigatório das câmeras corporais a todos servidores estaduais das forças públicas de segurança que atuam em abordagens a pessoas, “possibilitando apuração com rigor investigativo e legalidade, de fatos denunciados”.

Outras manifestações

Outras entidades da sociedade civil já haviam se pronunciado sobre o assunto. O Coletivo Beco apontou que “foi uma noite de terror com tentativa de captura e silenciamento, que graças à união da comunidade, não progrediu para mais um caso de extermínio”. A entidade teceu críticas “ao silêncio” por parte do Governo Estadual.

“Mesmo com a presença da secretária estadual de Direitos Humanos, a Polícia Militar contorce narrativas a seu favor e nega o direito ao atendimento médico de Luiz, e o governador não demonstrou nenhum interesse em se posicionar ou defender a coordenadora de um CRJ – uma política de governo que há anos moe (sic) nossos corpos periféricos e causa danos psicológicos alarmantes em seus funcionários em troca de metas batidas para portfólio da atual gestão”, denunciou.

O Grito da Cultura classificou o ocorrido como “mais um episódio lamentável da violência policial”. “A polícia entrou na favela e tocou o terror, sim, foi isso que a polícia fez, não foi operação, não foi inteligência, foi terrorismo, é o braço armado do estado cometendo crimes! Tiro, mortes, torturas, violências e prisões indevidas”, diz em nota, e acrescenta: “essa tem sido a dinâmica em vários territórios periféricos do Estado. Ou seja, uma atuação coordenada, planejada para ser desse modo. Não é o acaso, é projeto de poder. Com um braço o Estado cria pseudopolíticas públicas e, com o outro, extermina a periferia e o povo preto”.

Outros artistas se manifestaram de forma individual. O chargista Mindu Zinek divulgou uma charge na qual mostra Marly sendo algemada e o governador Renato Casagrande “brincando de influencer”, referindo-se ao fato de que todas as sextas-feiras pela manhã ele grava um vídeo fazendo algum prato dizendo “sextou, mas não sextarei”.

Mindu Zinek

O Conselho Estadual da Juventude (Cejuve) destacou: “Não podemos permitir que a polícia, sob a gestão do secretário de Segurança Pública e Defesa Social, e do chefe da Polícia Militar, opere com total impunidade em nossos territórios e em relação aos nossos jovens. É imperativo que lutemos por um Estado que atue como um aliado na promoção da justiça social, e não como um agressor que perpetua a violência e a opressão”.

Violência policial

Os últimos meses têm sido de muita violência policial no Território do Bem. Em setembro, aconteceram oito mortes em ações policiais na Capital, três delas nessa localidade. As primeiras vítimas foram Breno Passos Pereira da Silva, de 23 anos, e Matheus Custódio Batista Quadra, de 26, alvejados em São Benedito no dia 9. Breno, de acordo com moradores do bairro São Benedito, foi assassinado em um beco, quando a polícia chegou atirando. Matheus foi alvejado cerca de 30 minutos depois, quando, ao fugir da polícia, entrou na casa de uma moradora. Os policiais, então, adentraram a residência, o algemaram e disparam contra ele.

A última morte foi de Davi, de 16 anos, conhecido na comunidade como Dan, que levou um tiro na cabeça ao sair de casa para comprar refrigerante. Moradores, que preferiram não se identificar por medo, afirmaram que não houve confronto com a corporação. Os relatos são de que, por volta das 17h, as viaturas rondavam a parte de baixo do bairro Bonfim. Depois subiram a Escadaria do Trabalhador, foram para o Bairro da Penha e São Benedito. Alguns policiais se esconderam na mata. Ao ver as viaturas, um grupo de jovens correu. Davi, que tinha saído para comprar refrigerante, acabou correndo também. Foi quando os policiais que estavam na mata dispararam vários tiros em direção aos rapazes, acertando a cabeça de Davi.

Pessoas da comunidade, então, foram até o local, onde, afirmam, avistaram policiais com o pé na cabeça do rapaz. Elas relataram que pediram para enviar Davi para o hospital, mas os PMs ameaçaram atirar contra os moradores que estavam ali. “Quando pegaram o corpo e desceram com ele na escadaria, a cabeça batia nos degraus. Uma parte do cérebro do menino caiu. Jogaram no camburão como se fosse um lixo”, denunciaram. O ocorrido motivou manifestações nas comunidades de Consolação, Gurigica e Bairro da Penha.

Fórum

Diante dos sucessivos assassinatos, foi criado, no início de outubro, o Fórum Estadual de Insegurança Pública, que deliberou por dar início a um observatório de pesquisa sobre a violência policial. A ideia é fazer uma checagem de dados para averiguar se os números divulgados pelo Governo do Estado condizem com os elencados pelo fórum. Além disso, foi requerida uma conversa com o governador Renato Casagrande, até então sem resposta.

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