Órgão da Arquidiocese considera PL de Luiz Emanuel “legaliza a criminalização”
Com a possibilidade de votação do Projeto de Lei (PL) 57/2023, de autoria do vereador de Vitória Luiz Emanuel (Republicanos), na próxima segunda-feira (4), o Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória divulgou, nesta sexta-feira (1), a nota “Projetos higienistas não podem passar”, para manifestar repúdio à proposta, que defende o processo conhecido como higienização social.
Além de vedar “a ocupação por qualquer pessoa para fins de moradia e quaisquer atividades habituais, providas de assistência social, nos logradouros públicos situados no município de Vitória”, o projeto prevê que, “quando couber, o infrator é obrigado a indenizar ou recuperar os danos causados ao meio ambiente e aos bens de uso comum do povo, afetados por sua atividade”.
O Vicariato aponta que, “em Vitória, mais uma vez, retoma-se a tentativa de legalizar a criminalização e expulsão das pessoas em situação de rua dos espaços que lhe sobram: a rua”. Menciona o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que é Fraternidade Amizade Social, e afirma que o autor do PL “parece desconhecer as implicações do que a Igreja Católica no Brasil escolheu viver na prática a partir do tema”.
De acordo com o Vicariato, o objetivo do tema é “contribuir para nos despertar sobre o valor da fraternidade humana e superar a cultura da indiferença para com os outros, que nos torna portadores do mal da cegueira, da insensibilidade, como ressalta a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB]”.
“Em nossa cidade, a Capital do Estado, onde o orçamento público se impõe sobre os das demais cidades, onde há recursos para investimento no cuidado da pessoa em situação de rua, denúncias recentes indicam a ação de uma equipe de segurança privada agredindo fisicamente essas pessoas e jogando nelas jatos d’água, com caminhões da Prefeitura de Vitória. Denúncias que precisam ser apuradas pela atual gestão”, cobra o Vicariato.
O órgão da Arquidiocese de Vitória convida “os legisladores interessados no assunto, como o autor do projeto citado, a acompanhar de perto as pastorais sociais da Igreja Católica nas ruas, onde atuam para indicar um novo caminho para quem está perdido e precisa de apoio”. Além disso, afirma incentivar e apoiar “a avaliação e aprovação de projetos de lei que promovem os direitos e a dignidade da população em situação de rua”.
A possibilidade de votação do PL na próxima semana foi acenada positivamente pelo presidente da Câmara Municipal, Leandro Piquet (Republicanos), após Luiz Emanuel cobrar a apreciação de seu projeto, na sessão dessa quarta-feira (30). Há um outro projeto com foco na população em situação de rua, que contrapõe o de Luiz Emanuel. É o 290/2023, de autoria do vereador André Moreira (Psol).
O projeto de André será votado somente se o outro não for aprovado, já que o de Luiz Emanuel foi apresentado primeiro. Durante a sessão, Luiz Emanuel falou que a cidade passa por “momentos difíceis do ponto de vista urbano”, e que “por causa da população em situação de rua, as famílias não têm mais acesso livre aos nossos logradouros públicos”. “Não se pode permitir que alguém durma ou viva em logradouros públicos”, acrescentou, destacando que onde as pessoas vão ficar “é responsabilidade do município e do Estado”.
André Moreira destaca a importância das pessoas que defendem os direitos humanos a se mobilizar para a próxima sessão. Caso o projeto de Luiz Emanuel seja aprovado, destaca, o município usará a Guarda Municipal “para tirar as pessoas em situação de rua dos locais públicos e qualquer uma delas será vista como alguém em irregularidade”.
A proposta de Luiz Emanuel contraria uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2023, que prevê que os estados, o Distrito Federal e os municípios passem a observar de maneira imediata e independentemente de adesão formal, as diretrizes do Decreto Federal 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua.
O projeto de André Moreira institui a “Política Municipal para a População em Situação de Rua do Município de Vitória”. Entre as diretrizes, estão a promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e difusos; responsabilidade do Poder Público pela sua elaboração e financiamento; transversalidade e articulação territorial das políticas públicas municipais; integração entre o Poder Público e da sociedade civil para elaboração, execução e monitoramento das políticas públicas; e incentivo e apoio à organização da população em situação de rua e à sua participação nas diversas instâncias de formulação, controle social, monitoramento e avaliação das políticas públicas.
Outras propostas são “respeito às singularidades de cada território e ao aproveitamento das potencialidades e recursos locais na elaboração, execução, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas; implantação e ampliação das ações educativas destinadas à superação do preconceito, e de capacitação dos servidores públicos para melhoria da qualidade e respeito no atendimento deste grupo populacional; democratização do acesso e fruição dos espaços e serviços públicos; incentivo à construção da autonomia e à saída da situação de rua por meio de programas com foco em geração de renda e moradia; e priorização desta população no processo de implementação gradativa de uma renda básica de cidadania.
Casos de violência
Vitória tem registrado casos recorrentes de violência contra as pessoas em situação de rua. Uma das denúncias mais recentes é de que uma equipe de segurança privada estaria agredindo fisicamente essas pessoas, acusadas de furtos e roubos, e jogando nelas jatos d’água, com caminhões da Prefeitura de Vitória, que deveriam ser utilizados para molhar os canteiros. A equipe estaria sendo contratada para isso pela Associação Comunitária de Bento Ferreira (Acobef).
A Associação é presidida por Willians Bermudes Nunes, identificado ainda, em denúncia encaminhada ao vereador André Moreira, como assessor técnico na Coordenação de Fiscalização de Posturas e Comércio da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade e Habitação (Sedec).
Em janeiro de 2022, a gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos) recolheu móveis de pessoas em situação de rua na região da Curva da Jurema. Um ano antes, em janeiro de 2021, a Prefeitura também fez algo semelhante ao interromper a distribuição de marmitas para esse grupo. Na ocasião, cerca de 150 pessoas em situação de rua ficaram desassistidas com o fim do projeto Tendas do Bem.
Algumas das ações de violência contra a população de rua partiram do vereador Luiz Emanuel. Em 2020, com apoio da Polícia Militar (PM) e da prefeitura, cujo gestor era Luciano Rezende (Cidadania), o vereador realizou uma ação de retirada de pertences desse grupo. Na ocasião, ele divulgou a iniciativa, a qual chamou de “choque de ordem”, em suas redes sociais. A ação foi na Praça do Epa, Praça do Carone, região próxima à Ponte de Camburi e Pontal de Camburi, em Jardim da Penha.
O vereador recebeu fortes críticas do coordenador do Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória, padre Kelder Brandão. O sacerdote afirmou, em homilia na Paróquia Santa Teresa de Calcutá, em Itararé, Vitória, que Luiz Emanuel “encarna o que existe de pior na nossa sociedade” e destacou que suas ações são “desumanas, incivilizadas e cruéis, pecados que bradam aos céus”, que “não passarão despercebidos aos olhos de Deus”.
Em março do ano passado, o Vicariato também divulgou uma nota de repúdio contra iniciativas que de higienização social em Vitória e Vila Velha. Na Capital, repudiou a audiência pública “Pessoa em Situação de Rua x Segurança e Saúde”, proposta por Luiz Emanuel. A audiência, segundo o Vicariato, estabelecia “uma relação completamente equivocada, dando a entender que as pessoas em situação de rua são responsáveis pelos crimes e pela proliferação de doenças na Capital, o que demonstra a visão preconceituosa e a insensibilidade do vereador”.