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PL sobre pessoas em situação de rua gera debate na Câmara de Vitória

Luiz Emanuel, autor da proposta, foi questionado por Karla Coser e André Moreira

CMV

O Projeto de Lei (PL) 57/2023, de autoria do vereador de Vitória, Luiz Emanuel (Republicanos), não foi votado na sessão desta segunda-feira (4) da Câmara Municipal, como previsto, mas gerou debate entre o autor da proposta e os vereadores Karla Coser (PT) e André Moreira (Psol). Este último, inclusive, é autor do PL 290/2023, também com foco na população em situação de rua, mas que contrapõe o de Luiz Emanuel.

Na sessão desta segunda, Luiz Emanuel cobrou da Câmara que sua proposta seja apreciada no Plenário e mencionou matérias recentes publicadas na imprensa capixaba sobre crimes que teriam sido cometidos por pessoas em situação de rua, como uso de drogas, furtos e roubos a condomínios. “Como que um agente público pode assistir passivamente o que está acontecendo e fazer de conta que não há nada para ser feito?”, questionou.

O vereador afirmou que “só existe uma forma de resolver isso, que é o PL 57/2023”. Luiz Emanuel também mandou um recado para a Igreja Católica. “Quero deixar claro para a Igreja Católica que tenha clareza do que está sendo discutido, para não ficar falando inverdades”, apontou o vereador, referindo-se à homilia feita pelo arcebispo da Arquidiocese de Vitória, Dom Dario Campos, feita nesse domingo (3) na missa da Catedral Metropolitana.

Dom Dario afirmou que há um projeto na Câmara “para acabar com os pobres nas ruas, querendo punir aquele que dá um prato de comida para alguém que está na rua. Essa pessoa ainda não conhece a Deus”, disse o sacerdote. Ele acrescentou que “não podemos permitir que tal coisa aconteça em nossa cidade, querer excluir aqueles que já estão excluídos, querer dar de comer a quem está com fome, e ainda ser punido porque está dando um prato de comida a um irmão que está na rua”.

Contudo, o PL de Luiz Emanuel, que tem apenas três artigos, veda “a ocupação por qualquer pessoa para fins de moradia e quaisquer atividades habituais, providas de assistência social, nos logradouros públicos situados no município de Vitória”. Também prevê que, “quando couber, o infrator é obrigado a indenizar ou recuperar os danos causados ao meio ambiente e aos bens de uso comum do povo, afetados por sua atividade”. Embora não proponha punição para quem der comida a pessoas em situação de rua, não deixa de ser um processo conhecido como higienização social.

Durante a sessão, Luiz Emanuel defendeu que o governador Renato Casagrande (PSB) deve “sair da zona de conforto” e montar um comitê metropolitano para discutir ações com foco nas pessoas em situação de rua, e que “lugar de bandido é na cadeia e lugar de quem precisa de recuperação é nos abrigos e nas clínicas”. A fala do vereador sobre a atuação do Governo do Estado foi questionada por Karla Coser, pois o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) não se articula com a gestão estadual. “Será que se o governador chamasse uma reunião com os prefeitos da Grande Vitória, o Pazolini iria?”, questionou.

A vereadora manifestou ansiedade para que o PL vá para o plenário, “pois quero derrotá-lo”. “O PL é ruim para a cidade, para quem quer resolver o problema da segurança pública que envolve pessoas em situação de rua, e para as pessoas em situação de rua”, defendeu. Karla destacou que, de fato, o projeto não pune quem der comida para pessoas em situação de rua, mas diz que “as pessoas não vão poder fazer atos da vida comum nas praças e nas ruas e não poderão dormir nas ruas”, o que, aponta, já é previsto no Código de Posturas.

Mesmo diante dos argumentos da vereadora, Luiz Emanuel voltou a defender a proposta e a criticar a postura da Arquidiocese de Vitória, destacando que há “elementos que não participam disso aqui [a Câmara] e estão tentando desconstruir o debate. Ninguém está proibindo ninguém de dar comida às pessoas”, disse.

André Moreira questionou a criminalização das pessoas em situação de rua. “Será que só tem uso de droga e abuso de álcool em pessoas em situação de rua? Será que só há crime patrimonial envolvendo a população de rua?”, indagou. O vereador também recordou iniciativas de sua autoria com foco nesse público, mas que não encontraram apoio na Câmara Municipal, como o passe livre. “Como essas pessoas vão acionar o sistema de proteção se não conseguem se locomover na cidade?”, perguntou.

Para André, o PL de Luiz Emanuel é “simplificador do problema” e “propõe criar um regime de irregularidade”, além de fazer “inversão de prioridades”. “A prioridade é criar condições para que as pessoas possam viver de forma digna”, destacou.

Ele já apresentou na Câmara um projeto que institui a “Política Municipal para a População em Situação de Rua do Município de Vitória”. A proposta será votada somente se a de Luiz Emanuel não for aprovada, já que esta foi apresentada primeiro.

Entre as diretrizes estão a promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e difusos; responsabilidade do Poder Público pela sua elaboração e financiamento; transversalidade e articulação territorial das políticas públicas municipais; integração entre o Poder Público e da sociedade civil para elaboração, execução e monitoramento das políticas públicas; e incentivo e apoio à organização da população em situação de rua e à sua participação nas diversas instâncias de formulação, controle social, monitoramento e avaliação das políticas públicas.

Outras propostas são “respeito às singularidades de cada território e ao aproveitamento das potencialidades e recursos locais na elaboração, execução, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas; implantação e ampliação das ações educativas destinadas à superação do preconceito, e de capacitação dos servidores públicos para melhoria da qualidade e respeito no atendimento deste grupo populacional; democratização do acesso e fruição dos espaços e serviços públicos; incentivo à construção da autonomia e à saída da situação de rua por meio de programas com foco em geração de renda e moradia; e priorização desta população no processo de implementação gradativa de uma renda básica de cidadania.

Nota do Vicariato

A homilia de Dom Dario não foi a única vez que a Arquidiocese de Vitória se posicionou sobre o assunto. O Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica divulgou, nessa sexta-feira (1), a nota “Projetos higienistas não podem passar”, para manifestar repúdio à proposta, que defende o processo conhecido como higienização social. “Em Vitória, mais uma vez, retoma-se a tentativa de legalizar a criminalização e expulsão das pessoas em situação de rua dos espaços que lhe sobram: a rua”, ressalta.

Menciona o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que é Fraternidade Amizade Social, e afirma que o autor do PL “parece desconhecer as implicações do que a Igreja Católica no Brasil escolheu viver na prática a partir do tema”. De acordo com o Vicariato, o objetivo do tema é “contribuir para nos despertar sobre o valor da fraternidade humana e superar a cultura da indiferença para com os outros, que nos torna portadores do mal da cegueira, da insensibilidade, como ressalta a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB]”.

“Em nossa cidade, a Capital do Estado, onde o orçamento público se impõe sobre os das demais cidades, onde há recursos para investimento no cuidado da pessoa em situação de rua, denúncias recentes indicam a ação de uma equipe de segurança privada agredindo fisicamente essas pessoas e jogando nelas jatos d’água, com caminhões da Prefeitura de Vitória. Denúncias que precisam ser apuradas pela atual gestão”, cobra o Vicariato.

O órgão da Arquidiocese de Vitória convida “os legisladores interessados no assunto, como o autor do projeto citado, a acompanhar de perto as pastorais sociais da Igreja Católica nas ruas, onde atuam para indicar um novo caminho para quem está perdido e precisa de apoio”. Além disso, afirma incentivar e apoiar “a avaliação e aprovação de projetos de lei que promovem os direitos e a dignidade da população em situação de rua”.

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