Organizações apontam cláusulas abusivas no documento, que aguarda homologação
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (Anab) apresentaram uma petição ao Supremo Tribunal Federal (STF), questionando o acordo de repactuação do crime da Samarco/Vale-BHP, que afetou milhares de pessoas e o meio ambiente ao longo da bacia do Rio Doce e da costa capixaba. As entidades listam diversas violações de direitos no processo, que foi assinado no mês passado e aguarda homologação. A repactuação envolve R$ 130 bilhões para a reparação de danos, mas o MAB denuncia que os atingidos não tiveram voz nas negociações.
Na petição encaminhada ao Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (Nusol) do Supremo, o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Anab argumentam que o acordo fere a Política Nacional de Atingidos por Barragens (PNAB) e a Política Estadual de Atingidos por Barragens de Minas Gerais (PEAB), bem como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a participação de povos indígenas e comunidades tradicionais em decisões que os impactam.
Entre os pedidos, as entidades exigem a exclusão das cláusulas de quitação no Programa Indenizatório Definitivo (PID), que impõem condições de pagamento final sem a possibilidade de revisão futura. Embora o lucro líquido somente da Vale nos últimos anos tenha sido de R$ 260 bilhões, as organizações denunciam que as empresas criminosas querem que os atingidos recebam indenizações individuais com valores fixos de R$ 35 mil e R$ 95 mil, que não refletem a gravidade das perdas sofridas. Além disso, as cláusulas de quitação ampla e irrestrita impedem os atingidos de buscar outras formas de reparação, inclusive na Justiça, abrindo mão de todas as ações contra as mineradoras.
O acordo exige ainda que trabalhadores informais apresentem documentos específicos, como o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) ou o Registro Geral de Pesca (RGP), para serem elegíveis, o que exclui muitos pescadores e agricultores familiares impactados, que não possuem esses documentos, como apontam os representantes do movimento.
O documento do MAB reúne ainda pedidos como a criação de um comitê local para monitorar a execução da repactuação; inclusão de todas as comunidades tradicionais impactadas; e fiscalização sobre a negação de pedidos de indenização individuais.
A repactuação estabelece que a Samarco, Vale a BHP Billiton, responsáveis pelo crime socioambiental, paguem cerca de R$ 169 bilhões, dos quais R$ 130 bilhões são novos recursos. Desse montante, R$ 95,5 bilhões serão destinados aos governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo, e a municípios afetados ao longo de 20 anos para políticas de reparação socioambiental, com um pagamento inicial de R$ 5 bilhões previsto para este ano. Para reparação direta, as mineradoras terão de desembolsar R$ 31,5 bilhões.
Jornada de lutas
A ação protocolada no Supremo ocorre na véspera de se completar nove anos do crime, até hoje impune e marcado por sucessivas violações. A data, nesta terça-feira (5), também será de luta. Movimentos dos atingidos realizam um ato por reparação justa e integral às comunidades afetadas. A Jornada de Lutas do MAB traz o lema “Lutar e organizar para os direitos conquistar” e conta com uma série de atividades.
A programação inclui uma intervenção em Bento Rodrigues, às 9h, e uma plenária na Arena Mariana, reunindo mais de 500 atingidos de Minas Gerais, Espírito Santo e sul da Bahia para debater a repactuação do acordo. Às 14h30, uma marcha pela cidade encerrará o ato na Praça Minas Gerais.
O coordenador do MAB no Espírito Santo, Heider José Boza, destaca que o objetivo é fortalecer a organização popular e avançar nas falhas do acordo, como a exclusão de áreas não reconhecidas e as indenizações individuais insuficientes. Segundo
Segundo ele, o ato também busca garantir que as conquistas do acordo, fruto da resistência dos atingidos, sejam implementadas de forma efetiva. Entre elas estão o reconhecimento do direito à saúde com a criação de um fundo perpétuo; o fundo para mulheres vítimas de discriminação de gênero durante o processo de reparação. e o Fundo Popular da Bacia do Rio Doce, que permitirá aos atingidos desenvolver propostas para a recuperação dos territórios impactados.