O Twitter Files foi um relatório de manipulação
O Twitter Files representou uma forma midiática de divulgação de material enviesado, em que a justiça brasileira passou a ser colocada em dúvida, na pretensão de tais arquivos apresentá-la como uma instituição de poder autoritária do país. E o que ocorreu foi um vale-tudo, em que se recorria até à defesa de grupos neonazistas, golpistas, tendo grupos organizados atuando, tal como o Era Fascista, que foi um dos canais no Telegram suspensos pelo ministro Alexandre de Moraes.
Tomando como alvo decisões judiciais, o Twitter Files se tratou de um relatório para manipular a opinião pública. As primeiras oito páginas, por exemplo, funcionam como um panfleto confeccionado por um comitê de maioria republicana. É pretensamente revelado um cenário de censura no Brasil, em que este viés do Twitter Files teria como fito o de atacar Joe Biden, que ainda era concorrente à reeleição como presidente dos Estados Unidos, numa disputa contra Donald Trump, que tentava voltar ao poder.
O título do relatório, resultado da entrega de documentos pela rede social X, de Elon Musk, é o seguinte: “O ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio da administração Biden: o caso do Brasil”. Um dos objetivos relatados é o de retorno dos deputados trumpistas ao poder. “O Congresso deve levar a sério os alertas do Brasil e de outros países que buscam suprimir a liberdade de expressão online. Nunca devemos pensar que isso não pode acontecer aqui”. O comitê tem como presidente o republicano Jim Jordan, um dos maiores expoentes da extrema direita nos Estados Unidos.
O texto de Jim Jordan, contudo, é uma distorção dos documentos já enviesados vazados por Elon Musk. O que se lê não possui uma metodologia, e as conclusões, portanto, são forçadas. Existe uma total ignorância das bases legais e constitucionais que orientam as medidas adotadas tanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no combate contra a desinformação e pela proteção do regime democrático, sobretudo no período de iminência da tentativa de golpe que se daria após as eleições de Lula no Brasil.
O Twitter Files é uma versão compilada e enviesada em que são tomadas 88 decisões da Justiça brasileira em forma compacta e simplista, criando um relatório que faz entender que todas estas medidas foram tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, e que todas, igualmente, foram medidas tomadas de modo autoritário, com o fito de censura injustificada, ignorando os contextos dos casos.
É algo estarrecedor colocar todas estas medidas como censura, uma vez que muito do que foi debelado pela Justiça envolvia o contexto de incitação a golpe de Estado, e que é crime penal na Constituição Federal. O relatório, além de acusar toda e qualquer medida como censura, mais uma vez sob a égide de uma versão alucinada de liberdade de expressão com paralelo, quando muito, somente nos Estados Unidos, tenta naturalizar as ações realizadas no dia 8 de janeiro, e minimiza a tentativa de golpe de Estado.
Além desta completa desconexão com a realidade política e jurídica do Brasil, o comitê republicano se alinha com o que há de pior na extrema direita aqui do país, e que resulta num relatório que ignora outras questões graves enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como o neonazismo, em que um dos bloqueios determinados pelo ministro Alexandre de Moraes incluiu o já citado acima Era Fascista, no Telegram.
No caso de grupos neonazistas e outros extremistas que foram monitorados, foram registrados planejamentos de ações de doxxing, por exemplo, contra o ministro, o que se traduz como uma ação coletiva coordenada de assédio online direcionada contra uma única pessoa ou perfil, o que é crime. As ordens sob sigilo, que são objeto de questionamento por parte de bolsonaristas, por sua vez, são medidas comuns no cotidiano da justiça criminal tanto no Brasil como em outros países de regime democrático, o que nos Estados Unidos é conhecido como “law enforcement”.
Isso revela, portanto, o aspecto grotesco desse relatório, que se trata de um documento enviesado, só que de modo mal ajambrado, sem fundamentação, um compilado grosseiro de teses pré-fabricadas, e que tem como fonte principal links do perfil no Twitter de Jim Jordan, numa tentativa descarada, embora anódina, de manipulação política.
Para resumir um pouco as ações em torno do Twitter Files, tal se tratou de uma ação coordenada em que o relatório divulgado mostra advogados da empresa reclamando de ordens judiciais de Alexandre de Moraes, em que se determinava o bloqueio de contas envolvidas nas manifestações golpistas de 8 de janeiro, o que foi seguido de um apito de cachorro de Elon Musk, em que um tuíte dele mobilizava bolsonaristas contra as tais medidas de censura.
Logo se armou um circo em que se reuniram lideranças bolsonaristas como Jair Bolsonaro, seu filho Eduardo Bolsonaro, o “Bananinha”, que fizeram uma live, ao passo que em outra live contou com a presença de Nikolas Ferreira, o “Chupetinha”, além de Paulo Figueiredo e o famigerado Allan dos Santos, um dos confessores do Pateta em Orlando, e que se encontrava banido.
E então se iniciou o conflito entre Musk e Alexandre de Moraes, em que o CEO usou a sua rede para contrariar uma ordem judicial do Supremo Tribunal Federal (STF), o que é ilegal, pedindo o impeachment do ministro. Com isso, a extrema direita se mobilizou, e o ministro acabou incluindo Elon Musk no extenso inquérito das milícias digitais.
(continua)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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