Projeto proíbe pessoas em situação de rua de permanecer em logradouros públicos
O Projeto de Lei (PL) 57/2023, de autoria do vereador de Vitória, Luiz Emanuel (Republicanos), será votado na próxima quarta-feira (13), conforme definiu o presidente da Câmara Municipal, Leandro Piquet (PP), na sessão desta quarta-feira (6). O projeto tem foco na população em situação de rua e tem sido alvo de polêmica por ser considerado “higienista”.
“Convido todas as pessoas que se sentem inseguras, amedrontadas, incomodadas e ao mesmo tempo com o olhar de indignação para as pessoas que sofrem sobre as nossas ruas, morrendo de doenças sem que ninguém faça nada”, convocou o autor, que afirmou que seu projeto é “uma agenda da cidade”.
Sua proposta foi defendida por Davi Esmael (Republicanos), que apontou que o PL “está em sintonia com o Código de Posturas, com a legislação”. Davi disse, ainda, que trata-se de uma iniciativa de “cuidado”, pois “na rua, ao relento, essas pessoas não estão sendo cuidadas”.
Referindo-se à sessão dessa segunda-feira (4), o vereador Vinícius Simões (PSB) refutou a fala de Luiz Emanuel que defendeu que o governador Renato Casagrande (PSB) deve “sair da zona de conforto” e montar um comitê metropolitano para discutir ações com foco nas pessoas em situação de rua. Vinícius mencionou a Le Federal 12.345/11, que estabelece que, no tocante à população em situação de rua, cabe ao Estado garantir recursos aos municípios, que, por sua vez, devem criar as políticas.
O vereador também destacou dois editais estaduais de fomento a políticas com foco nas pessoas em situação de rua. Um é o 452, divulgado há exatamente um ano, para o qual, segundo Vinícius, a gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos) não se inscreveu. O outro é o 535, de janeiro último, para a o qual a Administração Municipal de Vitória se inscreveu, mas não enviou o projeto.
O PL de Luiz Emanuel, que tem apenas três artigos, veda “a ocupação por qualquer pessoa para fins de moradia e quaisquer atividades habituais, providas de assistência social, nos logradouros públicos situados no município de Vitória”. Também prevê que, “quando couber, o infrator é obrigado a indenizar ou recuperar os danos causados ao meio ambiente e aos bens de uso comum do povo, afetados por sua atividade”.
Tramita na Câmara outro projeto com foco na população em situação de rua, mas que contrapõe o de Luiz Emanuel, o 290/2023, de autoria do vereador André Moreira (Psol).
O PL de André institui a “Política Municipal para a População em Situação de Rua do Município de Vitória”. A proposta será votada somente se a de Luiz Emanuel não for aprovada, já que esta foi apresentada primeiro.
Entre as diretrizes estão a promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e difusos; responsabilidade do Poder Público pela sua elaboração e financiamento; transversalidade e articulação territorial das políticas públicas municipais; integração entre o Poder Público e da sociedade civil para elaboração, execução e monitoramento das políticas públicas; e incentivo e apoio à organização da população em situação de rua e à sua participação nas diversas instâncias de formulação, controle social, monitoramento e avaliação das políticas públicas.
Outras propostas são “respeito às singularidades de cada território e ao aproveitamento das potencialidades e recursos locais na elaboração, execução, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas; implantação e ampliação das ações educativas destinadas à superação do preconceito, e de capacitação dos servidores públicos para melhoria da qualidade e respeito no atendimento deste grupo populacional; democratização do acesso e fruição dos espaços e serviços públicos; incentivo à construção da autonomia e à saída da situação de rua por meio de programas com foco em geração de renda e moradia; e priorização desta população no processo de implementação gradativa de uma renda básica de cidadania.
Debate antecipado
A votação do PL de Luiz Emanuel estava prevista para essa segunda-feira (4), contudo, não ocorreu, mas gerou debate entre o autor, a vereadora Karla Coser (PT) e André Moreira. Karla manifestou ansiedade para que o PL vá para o plenário, “pois quero derrotá-lo”. “O PL é ruim para a cidade, para quem quer resolver o problema da segurança pública que envolve pessoas em situação de rua, e para as pessoas em situação de rua”, defendeu.
André questionou a criminalização das pessoas em situação de rua, já que, ao cobrar que seu projeto vá para o plenário, Luiz Emanuel mencionou matérias recentes publicadas na imprensa capixaba sobre crimes que teriam sido cometidos por pessoas em situação de rua, como uso de drogas, furtos e roubos a condomínios. “Como que um agente público pode assistir passivamente o que está acontecendo e fazer de conta que não há nada para ser feito?”, questionou.
André criticou a criminalização das pessoas em situação de rua. “Será que só tem uso de droga e abuso de álcool em pessoas em situação de rua? Será que só há crime patrimonial envolvendo a população de rua?”, indagou. O vereador também recordou iniciativas de sua autoria com foco nesse público, mas que não encontraram apoio na Câmara Municipal, como o passe livre. “Como essas pessoas vão acionar o sistema de proteção se não conseguem se locomover na cidade?”, perguntou.
Para André, o PL de Luiz Emanuel é “simplificador do problema” e “propõe criar um regime de irregularidade”, além de fazer “inversão de prioridades”. “A prioridade é criar condições para que as pessoas possam viver de forma digna”, destacou.
Posicionamento da Igreja
Diante da possibilidade de votação do PL de Luiz Emanuel, a Arquidiocese de Vitória se posicionou por meio de uma nota do Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica. “Em Vitória, mais uma vez, retoma-se a tentativa de legalizar a criminalização e expulsão das pessoas em situação de rua dos espaços que lhe sobram: a rua”, ressalta a nota, que menciona o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que é Fraternidade Amizade Social, e afirma que o autor do PL “parece desconhecer as implicações do que a Igreja Católica no Brasil escolheu viver na prática a partir do tema”.
De acordo com o Vicariato, o objetivo do tema é “contribuir para nos despertar sobre o valor da fraternidade humana e superar a cultura da indiferença para com os outros, que nos torna portadores do mal da cegueira, da insensibilidade, como ressalta a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB]”.
“Em nossa cidade, a Capital do Estado, onde o orçamento público se impõe sobre os das demais cidades, onde há recursos para investimento no cuidado da pessoa em situação de rua, denúncias recentes indicam a ação de uma equipe de segurança privada agredindo fisicamente essas pessoas e jogando nelas jatos d’água, com caminhões da Prefeitura de Vitória. Denúncias que precisam ser apuradas pela atual gestão”, cobra o Vicariato.
O órgão da Arquidiocese de Vitória convida “os legisladores interessados no assunto, como o autor do projeto citado, a acompanhar de perto as pastorais sociais da Igreja Católica nas ruas, onde atuam para indicar um novo caminho para quem está perdido e precisa de apoio”. Além disso, afirma incentivar e apoiar “a avaliação e aprovação de projetos de lei que promovem os direitos e a dignidade da população em situação de rua”.
No último domingo (3), o arcebispo Dom Dario Campos afirmou que há um projeto na Câmara “para acabar com os pobres nas ruas, querendo punir aquele que dá um prato de comida para alguém que está na rua. Essa pessoa ainda não conhece a Deus”, disse o sacerdote, embora o projeto não se trate disso. Ele acrescentou que “não podemos permitir que tal coisa aconteça em nossa cidade, querer excluir aqueles que já estão excluídos, querer dar de comer a quem está com fome, e ainda ser punido porque está dando um prato de comida a um irmão que está na rua”.