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Obra da mosaicista Freda Jardim é depredada em casa na Mata da Praia

Ex-aluna visitou o local, constatou a destruição, e vai acionar o MPES

Renata Bomfim

A obra da artista plástica Freda Cavalcanti Jardim e seus pertences pessoais foram depredados na casa onde ela morava, na Mata da Praia, em Vitória, que se encontrava fechada desde 2000, quando faleceu. A destruição foi constatada após uma moradora do bairro, amiga da artista plástica Renata Bomfim, que foi aluna de Freda na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ligar avisando que pessoas em situação de rua estavam adentrando a residência. Por causa disso, Renata decidiu ir até o local.

Por não saber se poderia correr algum tipo de perigo e por se tratar de uma propriedade privada, Renata acionou a Polícia Militar (PM), que a acompanhou e ficou na porta da casa enquanto ela estava lá dentro. Ao chegar, encontrou representantes da associação de moradores, que tentavam resolver a situação. O cenário, afirma a artista plástica, era “desolador”. Praticamente tudo que era de ferro e metal foi levado, como lustres, tampas de cisternas, objetos de decoração e panelas. Segundo Renata, Freda tinha panelas do mundo inteiro.

Renata Bomfim

Foram roubadas muitas pedras semipreciosas, utilizadas nos mosaicos de Freda, que, recorda Renata, era conhecida como “mãe do mosaico brasileiro”. Com a retirada dos ferros das estantes, os livros ficaram jogados. Na parte superior da casa, diz Renata, havia objetos de uso pessoal de Freda, como roupas, sapatos e coisas de uso da casa. “O que restou, estava jogado, pisado, entulhado. Tudo o que pudesse ser vendido, foi levado. Era difícil até caminhar, porque as gavetas foram jogadas no chão uma por cima das outras”, relata.

Renata informa que tentou localizar familiares de Freda, mas não conseguiu. Ela afirma que seu sentimento é de tristeza e que vai formalizar denúncia ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES). “Senti uma tristeza muito grande e uma sensação de descaso. Não quero apontar culpados, mas isso poderia ter sido evitado. Todos têm sua parcela de culpa. Freda era reconhecida mundialmente. A universidade poderia ter solicitado o acervo. O poder público poderia ter feito algo. Nós, que fomos seus alunos, poderíamos ter reivindicado o cuidado com esse acervo”, lamenta.

Renata Bomfim

De acordo com Renata, três cômodos da casa foram queimados, nos quais se podem ver vestígios de slides. A artista plástica diz que os ex-alunos de Freda tinham esperança de que o acervo, um dia, pudesse ter um destino. “Nunca passou pela nossa cabeça que pudesse ser destruído. Poderia até ter sido vendido, pois se isso tivesse acontecido, pelo menos estaria no acervo de alguém, estaria inteiro, íntegro”, afirma.

Além de mosaicista, Freda era ceramista, poeta, e se dedicava ao vitral e à tecelagem. “Foi uma perda em várias expressões da arte. Não tem muito o que restaurar. É lutar para resgatar algumas coisas, o que restou das pedras e das obras”, analisa.

Renata recorda que, antes de falecer, Freda disse que estava em diálogo com um advogado para transformar sua casa em uma fundação, para ser um museu-escola de mosaico. “Ela havia comprado o terreno ao lado do imóvel e construído um galpão, que seria a escola de mosaico, onde aconteceriam oficinas para a comunidade e formação de artistas. A educação pela arte sempre foi valorizado por ela. Freda me disse que pretendia deixar esse patrimônio para a humanidade, mas gostaria que ficasse aos cuidados de suas alunas, e para a empreitada contava, especialmente, comigo e com a amiga Mírian Pestana, que também era muito presente em sua vida”, relata.

Quem foi Freda

Freda nasceu no Ceará, em 1926. Formou-se em Estatística, mas também fez cursos de pintura, cerâmica e gravura no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. Em 1955, com uma bolsa de estudos, foi estudar gráficos estatísticos em Ravenna, na Itália, onde também fez curso de cerâmica na Faculdade de Química de Bolonha. Nesse país, fez, ainda, cursos de tecelagem, estamparia e tapeçaria, além de estudar mosaico. Quando retornou ao Brasil, começou a trabalhar como mosaicista. Em suas obras, usou materiais não tradicionais, foi influenciada pela arte bizantina, adaptando-a a materiais brasileiros, como granitos; mármore, principalmente os do Espírito Santo; e pedras preciosas.

Lecionou em universidades privadas do Rio de Janeiro e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No Espírito Santo, foi professora da Ufes, sendo uma das fundadoras do Centro de Artes. Freda participou, ainda, da criação da Associação Internacional do Mosaico Contemporâneo (AIMC), em 1980, com sede na Itália. Em 2000, esteve no VII encontro internacional da entidade, em Ravenna. Lá, mostrou o potencial oferecido pelo Espírito Santo como polo exportador de mármores e outras pedras exóticas brasileiras, garantindo a realização, em Vitória, do VIII encontro, que estava marcado para 2002.

Freda retornou ao Brasil, mas faleceu 40 dias após sua chegada. Contudo, o evento foi organizado pelos seus ex-alunos no Teatro da Ufes e no Museu de Artes do Espírito Santo (Maes). “Tenho a alegria de ter integrado esse grupo e vivido esse momento único para o mosaico latinoamericano e que foi todo dedicado a Freda”, ressalta Renata.

Parte de sua obra pode ser vista em espaços públicos e privados de vários locais do Brasil e em países como Chile, Portugal e Itália. No prédio da Reitoria da Ufes, há um mosaico de sua autoria, inaugurado em 1995. A obra se chama Cometa Esperança e contou, em sua produção, com a participação de estudantes, que foram orientadas pela professora: além de Mírian e Renata Bomfim, Cláudia Felix, Heloisa Galvão, Renata Carminati, Roszi Graci Simões, Joelma Celin, Áurea Carvalho e Valentina.

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