Projeto precisa garantir inclusão de setores marginalizados, aponta o Fomes
Com o lançamento do Atlas das Mulheres do Espírito Santo e do Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), projetos da Secretaria Estadual de Mulheres (SESM) para mapear as realidades das mulheres capixabas, o Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes) considera que o instrumento representa um avanço, porém com sérias insuficiências para garantir a participação social e a transversalidade na análise de fatores como classe, raça e outras dimensões estruturais.
A conselheira representante do Fomes no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher do Estado (Cedimes), Edna Calabrez Martins, ressalta que “o Atlas já nasce com um problema de origem”, a falta de um processo de discussão mais amplo com diferentes setores sociais e movimentos que tratam das políticas para as mulheres, o que compromete sua efetividade.
Segundo a representante do fórum, o projeto foi apresentado ao Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher já finalizado, sem possibilidade de modificação, o que enfraquece o caráter participativo e de controle social do processo. “A legislação estabelece entre as finalidades do Conselho, acompanhar as políticas para as mulheres em todo o governo, não apenas ser informado depois que está tudo pronto”, defende.
De acordo com a coordenação do projeto, o mapeamento inédito, lançado pela Secretaria Estadual das Mulheres na última semana, tem como objetivo traçar um panorama detalhado e qualitativo sobre as vivências, dificuldades e aspirações das mulheres capixabas. O estudo combinará informações de relatos coletados em rodas de conversa divididas em 18 segmentos com dados quantitativos do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), entre outras fontes, informa a gestão do órgão.
A partir da pesquisa, será apresentado o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), que mede disparidades em diversas dimensões, como acesso à saúde, educação, emprego e participação política. A previsão é que o Atlas, juntamente com o IDG, seja publicado no final de 2025, oferecendo um panorama detalhado das condições das mulheres no Espírito Santo, subsidiar a criação de políticas públicas ajustadas às realidades locais, além de permitir a avaliação dos seus impactos.
No entanto, a ausência de um diálogo mais aprofundado com movimentos sociais, lideranças comunitárias e entidades representativas, enfraquece o potencial do Atlas de capturar a diversidade das experiências femininas no Espírito Santo, aponta o Fomes. “Os movimentos nunca foram chamados para nada de políticas públicas para as mulheres na Secretaria Estadual de Mulheres do Estado. Como nós temos representação no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher, por vezes participamos de algum tipo de debate no conselho”, relata Edna.
Outro ponto de crítica é a forma como o governo apresenta o projeto como uma ação do Plano Estadual de Políticas para as Mulheres, que venceu em dezembro de 2023, sem ser efetivamente utilizado para a implementação de políticas públicas ou monitorado como deveria, destacou a representante do fórum. Ela questiona a negligência em relação ao cumprimento das diretrizes estabelecidas e a utilização do plano como um instrumento discursivo do governo, em vez de uma ferramenta de transformação das condições das mulheres no Espírito Santo.
“O Movimento Feminista de Mulheres reivindicou a criação de uma secretaria específica ao longo dos três mandatos do governo Casagrande, e sempre ouviu que não havia condições para isso. Quando finalmente é criada, ocorre sem uma discussão transparente com o próprio Conselho”, relata.
Ela argumenta que a secretaria tem um papel transversal para a implementação de políticas públicas em diversos setores do governo, mas isso não acontece. “Nós, mulheres, somos diversas em nossas reivindicações, e para que isso seja efetivo, é preciso construir uma ponte a partir do Plano Estadual de Políticas para as Mulheres, de maneira organizada, que realmente possa transformar a realidade das mulheres no Estado”, enfatiza.
O processo de coleta de informações começa com a organização de um ciclo de rodas de conversa divididas em segmentos como mulheres nas comunidades tradicionais, no campo e nas águas; no esporte; na cultura; e nas periferias; negras, LGBTQIA+ e com deficiência, em torno da questão “o que é ser mulher”, considerando cada grupo específico.
Edna Calabrez Martins observa que a segmentação prejudica a construção de uma análise transversal das opressões estruturais e ressalta a preocupação do fórum com a invisibilização das mulheres e identidades femininas marginalizadas na construção do mapeamento, o que prejudicaria a elaboração e implementação de políticas públicas mais inclusivas.
A Secretaria Estadual das Mulheres foi questionada por Século Diário sobre como pretende garantir a participação das mulheres em situação de maior vulnerabilidade nas rodas de conversa, que iniciam nesta semana. Em resposta, a assessoria da pasta afirmou que a estratégia envolve a mobilização de movimentos sociais e a colaboração com a Secretaria de Direitos Humanos, além do uso de cadastros como o Cadastro Único para direcionar as ações.
Demandas urgentes
As principais demandas enfrentadas pelas mulheres no Espírito Santo, segundo a conselheira representante do Fomes, incluem falhas significativas no sistema de saúde, segurança pública e políticas públicas de enfrentamento à violência. A saúde, especialmente no que se refere à mortalidade materna e ao acesso a serviços médicos, destaca-se como uma das questões mais urgentes, com mulheres enfrentando longas esperas para exames essenciais, como mamografias, e a escassez de serviços de saúde mental adequados.
Edna ressalta o fracasso das políticas de violência contra a mulher, com cada secretaria adotando abordagens isoladas de forma desorganizada. Segundo a representante do fórum, a falta de cumprimento de leis importantes, como a Lei 14.541, que deveria fortalecer a atuação da Polícia Civil no enfrentamento à violência, também agrava o quadro. Ela destaca que a fragmentação das políticas públicas e a falta de uma rede interligada representam obstáculos que precisam ser superados para a transformação da realidade das mulheres no Estado.