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Comitê vai monitorar transição de internos de ‘manicômio judicial’

Medida é mais uma etapa do processo de desativação da unidade, com prazo até 2025

A situação de internos do “manicômio judicial” do Estado, que está em processo de desativação até 2025, será supervisionada por um Comitê Estadual Interinstitucional de Monitoramento da Política Antimanicomial (Ceimpa), instituído nessa sexta-feira (22). A medida visa acompanhar a inserção desses indivíduos em unidades de acolhimento transitório e na rede de saúde mental do Estado, ou até mesmo nas famílias, como determina o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O processo envolve a Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP) em Cariacica, para onde eram levadas pessoas que cometeram crimes e foram consideradas incapazes de se responsabilizarem pelos seus atos devido a transtornos psiquiátricos. Antes de iniciada a desinternação, a unidade abrigava 57 pacientes, por crimes, principalmente, de homicídio, lesão corporal, roubo e ameaça. Cada caso é avaliado individualmente, e o encaminhamento de cada paciente segue seu perfil clínico, como apontam os órgãos estaduais.

Secom

O comitê surge como desdobramento do Grupo de Trabalho em Medidas de Segurança e Saúde Mental, formado por representantes das secretarias estaduais de Justiça (Sejus) e Saúde (Sesa), além de especialistas na área, que acompanham a desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais ou deficiência psicossocial em conflito com a lei. O objetivo é assegurar a criação de uma rede de apoio para os internos da UCTP e garantir que recebam o devido cuidado psicossocial.

Representantes do Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, e secretarias estaduais como Saúde (Sesa), Justiça (Sejus) e Assistência Social, compõem o comitê, além de convidados de universidades e organizações da sociedade civil. Entre as ações e responsabilidades, foi definida a elaboração do Plano Anual Estadual para Implementação da Política Antimanicomial, organizada e coordenada pela Secretária de Saúde, sob supervisão final do Tribunal de Justiça do Estado (TJES).

Além disso, o grupo deverá atuar por meio da articulação entre diferentes esferas do poder público, com monitoramento das políticas de saúde mental e a criação de protocolos para promover a desinstitucionalização e garantir que os internos sejam acompanhados adequadamente durante sua transição para o novo modelo, promovendo a dignidade e os direitos dessa população. 

O fechamento da UCTP, previsto para ser realizado com a desocupação gradual concluída até 2025, segue as diretrizes estabelecidas pela Resolução nº 487/2023, do CNJ, que determina a substituição de unidades psiquiátricas prisionais por serviços de atenção psicossocial, bem como a Portaria Interministerial do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde nº1, de 2 de janeiro de 2014, que institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no Sistema Único de Saúde.

No Espírito Santo, o processo de transição começou efetivamente em agosto deste ano, após o prazo inicial para o fechamento, que seria em maio, ter sido prorrogado para permitir a adequação das estruturas e serviços necessários para a desinstitucionalização dos pacientes e a implementação de alternativas como as Unidades de Acolhimento Transitório (UATs).  

O cronograma de transição agora está na sexta etapa, que teve início na última semana. Nessa fase, ocorre a retirada dos policiais penais e da equipe de saúde da Sejus, com a entrada da segurança privada e da equipe de saúde da Sesa na unidade, que passará a ser de acolhimento. Esse processo se estende até 26 de maio do ano que vem, quando será formalizada a cessão do local para a pasta de Saúde, prevista para ser concluída até 30 de julho. 

Os internos serão acompanhados por meio da rede de atenção psicossocial, que inclui serviços como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e as equipes de Estratégia de Saúde da Família. Caso necessário, poderão ser internados nas Unidades de Acolhimento Transitório (UATs), voltadas para pessoas maiores de 18 anos com transtornos mentais em conflito com a lei e sem acolhimento familiar ou condições para inserção imediata em Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs). 

O processo também é resultado do movimento iniciado pela Reforma Psiquiátrica de 2001 no Brasil, que visa afastar os pacientes de modelos punitivos e promover um tratamento mais inclusivo e humanizado de cuidado, além da condenação do Estado Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2006, após o caso de tortura e morte de um paciente em uma clínica psiquiátrica no Ceará em 1999. 

‘Prisões perpétuas’

Especialistas da área apontam que a desativação é necessária e debatida há anos no País, além de reputarem como falsas as ideias de que o fechamento dos “manicômios judiciários” é uma decisão precipitada ou sem estudos anteriores e vai incorrer em risco à população.

Em entrevista a Século Diário, a representante da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) no Estado, Nicéia Malheiros, afirma que “existe todo um processo de acompanhamento intersetorial. Uma vez que as pessoas cometeram delitos e estão nessa condição de saúde mental, elas serão acompanhadas pela rede de atenção psicossocial, e isso inclui as equipes de Estratégia de Saúde da Família, os Caps [Centros de Atenção Psicossocial] e outros equipamentos. Os internos podem, inclusive, passar por internação, se for necessário”, explicou Nicéia, que também é integrante da Núcleo da Luta Antimanicomial capixaba.

Segundo ela, a transição precisa ser encarada e estava sendo adiada há um bom tempo. “A gente tem fragilidades na rede de saúde psicossocial, mas é preciso enfrentar esse desafio. Hoje, os usuários da UCTP estão condenados à prisão perpétua, em uma estrutura prisional que não trata ninguém”, argumenta

Em participação no programa Entrevista do Século, da TV Século, Haroldo Caetano, doutor em Psicologia e promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás, apontou que no estado onde trabalha, há uma política consolidada há 18 anos, sendo que, dentre mais de mil pessoas que passaram por esse processo, houve apenas três casos de reincidência em crimes graves.

“O próprio Conselho Nacional de Justiça, na Resolução 487, dá instruções, e depois o CNJ baixou um manual de orientações de como deve acontecer o fechamento. A política de atenção em Saúde Mental nos estados e municípios é que vai ser chamada a responder a esses casos – assim como, insisto, já acontece aqui no estado de Goiás há 18 anos”, comentou Haroldo Caetano, que defende que os manicômios representam uma política ultrapassada e de viés racista.

O promotor de Goiás também explicou que, segundo a lei, os internos de manicômios judiciários foram declarados inocentes, uma vez que foram considerados inimputáveis, ou seja, incapazes de responder por seus atos criminosos devido a transtornos psiquiátricos. Na prática, porém, essas pessoas estão condenadas a passar a vida inteira trancafiadas.

Rafael Dias Valencio, psicólogo, professor universitário e integrante do Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial no Espírito Santo, destacou que há um histórico de cidades do Estado com instituições de “depósito de pessoas”, como Cariacica e Cachoeiro de Itapemirim.

“Apesar da Lei 10.216, da Reforma Psiquiátrica, ser de 2001, a desinstitucionalização das pessoas só começou a acontecer em meados de 2010 e 2012. Quer dizer, 10 anos após a Lei Antimanicomial. Então, a gente tem um hiato gigantesco para conseguir desinstitucionalizar e implementar serviços substitutivos, que são os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e a Atenção Primária, que são as Unidades Básicas de Saúde”, disse Rafael.

O psicólogo também citou no programa que esteve na UCTP em uma inspeção, há poucos anos atrás, e presenciou internos em situação precária.De a

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