Marcha contra privatização dos parques, no dia 12, vai até o Palácio Anchieta
Os alertas dos grupos que compõem o movimento em defesa das unidades de conservação (UCs) do Espírito Santo, devido aos riscos de submeter esses espaços a interesses privados, serão ecoados durante uma marcha marcada para o próximo dia 12, às 16h. A concentração será na Praça Oito, no Centro de Vitória, e os manifestantes seguirão em direção ao Palácio Anchieta, sede do governo estadual. “Não vamos desistir enquanto o governo não abandonar esse projeto”, enfatiza o biólogo e ambientalista Hugo Cavaca, um dos articuladores da luta.
O protesto reflete a crescente insatisfação com o Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação (Peduc), instituído pelo Decreto nº 5409-R, que estabelece a exploração econômica de seis parques naturais por meio de uma concessão de 35 anos ao setor empresarial. os leilões estão programados para 2025 e envolvem o Parque Paulo César Vinha (PEPCV),em Guarapari; Parque Estadual de Itaúnas (PEI), em Conceição da Barra, norte do Estado; Parque Estadual Cachoeira da Fumaça (PECF), em Alegre, e Forno Grande (PEFG) e Mata das Flores (PEMF), em Castelo, no sul, e o Parque Estadual de Pedra Azul (PEPAZ), em Domingos Martins, na região serrana.
Hugo Cavaca afirma que já existem análises técnicas e turísticas detalhadas que fundamentam a oposição ao projeto e o movimento está determinado a levar a luta até as últimas instâncias para que a privatização dos parques seja abandonada. “Não estamos aqui para propor ajustes, pois ele apresenta problemas estruturais desde a sua concepção”, ressalta, apontando que o Peduc fere legislações ambientais e a Constituição Federal.
Ele lembra que o decreto que institui o programa de concessão foi feito em junho de 2023, mas foi somente em dezembro do mesmo ano que o governo contratou a consultoria Ernst & Young, uma multinacional sem expertise ambiental, para elaborar os projetos. Segundo Hugo, a sociedade civil não teve conhecimento de nada do que estava sendo discutido e tramado pelo Governo Casagrande. “Simplesmente, a gestão estadual, em determinados momentos, lançou no seu site projetos conceituais de concessão, que nós entendemos que na verdade são privatizações de seis parques estaduais”, relata.
Quando o governo anunciou os projetos, não estavam sequer em fase de consulta pública e não havia nenhum envolvimento da população, nem mesmo do conselhos das unidades de conservação no processo, acrescenta o representante do movimento. “Os planos para os parques Paulo César Vinha e Itaúnas incluem infraestruturas megalomaníacas e invasivas, que buscam transformar as áreas naturais em grandes empreendimentos turísticos, sem considerar os trâmites processuais necessários e a participação popular”, criticou o especialista, que foi o primeiro gerente do Parque Estadual Paulo César Vinha.
Os planos de infraestruturas turísticas para os parques, modelados pela consultoria Ernst & Young, contratada sem licitação por R$ 8 milhões, foram divulgados pela mídia antes de passarem por consulta popular e incluem estruturas como teleféricos, tirolesas, restaurantes, hospedagens e estacionamento para centenas de veículos. Entre os principais pontos de crítica, está a lógica de mercantilização da natureza, a falta de transparência, e a ausência de consulta popular sobre os impactos ambientais e sociais do projeto idealizado pelo secretário de Meio Ambiente, Felipe Rigoni.
Os organizadores da marcha afirmam que a privatização das unidades pode comprometer a conservação ambiental e os direitos das comunidades que dependem das áreas protegidas. O ato convida a população a “dizer não à mercantilização da natureza” e defender a preservação dos parques como patrimônios naturais e culturais coletivos.
O tema tem sido debatido em audiências públicas convocadas pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa. A primeira reuniu mais de 300 pessoas na sede da Casa de Leis, no início de outubro, a maioria contrária ao programa. Na ocasião, o ambientalista rebateu a declaração de Rigoni, que afirmou que essas infraestruturas seriam construídas em áreas degradadas. “Avisei que ele estava muito mal informado”, declarou.
Na vila tradicional de Itaúnas, onde tem ocorrido uma das maiores reações em oposição ao programa, o encontro no último mês foi marcado por manifestações em defesa do protagonismo da comunidade local na gestão do parque. Os participantes destacaram a importância de estar no centro das decisões sobre o futuro da UC, argumentando que vários habitantes que desenvolvem práticas tradicionais na área dependem da conservação ambiental para a manutenção de seus modos de vida.
Nesta quarta-feira (27), será realizada uma nova audiência, em Paulo César Vinha, para continuar o debate sobre a privatização do parque e reforçar a necessidade de garantir a participação efetiva da população local nas decisões da unidade que representa o legado vivo do ambientalista Paulo César Vinha, assassinado enquanto denunciava crimes ambientais no parque. A audiência será realizada às 19h, na Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMEIEF) Professor José Antônio de Miranda, no bairro Santa Mônica.
‘Inversão completa’
Sem a realização de estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/Rima), os primeiros projetos de infraestrutura turística para os Parques Estaduais de Itaúnas, em Conceição da Barra, e Paulo César Vinha, em Guarapari, propõem grandes intervenções em áreas protegidas, o que tem gerado preocupações a ambientalistas, comunidades locais e setores ligados à conservação ambiental.
No Parque Estadual Paulo César Vinha, o plano divide as intervenções em dois núcleos. No primeiro, que engloba a portaria principal, a Lagoa de Caraís e o Mirante do Alagado, serão instalados teleféricos, uma torre de tirolesa e trilhas suspensas. O segundo, que cobre o acesso secundário, abrange a Lagoa Feia e áreas alagadas e receberia a instalação de 28 glampings e bangalôs, decks flutuantes, piscina e um restaurante na rocha.
Em Itaúnas, o plano de intervenção é dividido em cinco polos. O primeiro engloba a região do Hotel Barramar, segundo a Seama, projetado pelo escritório do arquiteto Oscar Niemeyer e que ainda dependeria de ampliação da área do parque. O segundo reúne intervenções na antiga foz do Rio Itaúnas, e, depois, estão previstas as intervenções zona da sede, no Polo da Trilha dos pescadores e na Praia do Riacho Doce.
O biólogo Hugo Cavaca aponta que o governo está fazendo uma “inversão completa” ao colocar o turismo como prioridade, sobrepondo-o ao objetivo primário das unidades de conservação, que é a preservação da biodiversidade. Ele explica que, embora o turismo ecológico seja uma das funções dessas áreas, esse não deve ser o objetivo principal, como está sendo tratado pelo governo.
O representante do movimento em defesa dos parques alerta para os riscos de uma concessão sem considerar as características e a fragilidade de cada unidade e afirma que a conservação da natureza, incluindo a manutenção de ecossistemas e espécies ameaçadas, deve ser o foco, e não a promoção do turismo de massa. “Você não pode sobrepor um objetivo a outros sete e colocá-lo como se fosse o único objetivo”, observa.
Ele ressalta que fatores como o entorno das unidades de conservação, a pressão antrópica, a poluição e a presença de espécies ameaçadas devem ser levados em conta antes de se implementar grandes empreendimentos turísticos. Outro problema destacado é o ajuste dos planos de manejo das unidades para permitir o desenvolvimento das estruturas, o que representa uma violação dos princípios de preservação, indica o biólogo. “Estão planejando estruturas em áreas extremamente frágeis, onde não podem ocorrer uso público, e ajustando os planos de manejo para que isso ocorra”, denuncia.