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‘Território de resistência’: comunidade se opõe à privatização do César Vinha 

Audiência em Guarapari reiterou críticas e impactos de programa do governo

O Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação (Peduc) foi amplamente rejeitado em mais uma audiência pública itinerante, realizada nesta quarta-feira (27), que discutiu a proposta de privatização do Parque Estadual Paulo César Vinha (PEPCV), em Guarapari. A audiência convocada pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, reuniu ambientalistas, comunidades locais, representantes de setores ligados à conservação ambiental e companheiros de luta de Paulo Vinha, no auditório da Escola Professor José Antônio de Miranda, no bairro Santa Mônica. 

Setur

O projeto continua a provocar críticas e resistência pela ausência de transparência e consulta popular sobre os impactos socioambientais nas áreas afetadas pelo projeto do governo estadual, que estabelece a concessão de seis parques naturais para exploração turística pelo empresariado por 35 anos. Os leilões estão programados para 2025 e envolvem ainda o Parque Estadual de Itaúnas (PEI), em Conceição da Barra, norte do Estado; Parque Estadual Cachoeira da Fumaça (PECF), em Alegre, e Forno Grande (PEFG) e Mata das Flores (PEMF), em Castelo, no sul; e o Parque Estadual de Pedra Azul (Pepaz), em Domingos Martins, na região serrana. 

Companheiros de luta do ambientalista Paulo César Vinha, assassinado no local por empresários contrabandistas, expressaram sua preocupação com o impacto da concessão sobre seu legado deixado. O ex-presidente da Assembleia e amigo de Paulo, Claudio Vereza, cobrou a presença do secretário de Estado de Meio Ambiente, Felipe Rigoni, que, após ser amplamente criticado na primeira audiência, realizada na Assembleia, e diante do forte desgaste político causado pela condução do projeto, preferiu enviar em seu lugar o assessor, Vitor Ricciard, que se tornou porta-voz do Peduc nos debates realizados desde então.

“Me desculpe, mas o secretário tinha de estar aqui ouvindo, e colocaram vocês aqui de ‘bucha de canhão”, disse aos representantes do órgão ambiental. Alvo de um abaixo-assinado pedindo sua saída da pasta, o líder da Seama tem sido questionado não apenas pela falta de expertise ambiental, como por medidas que flexibilizam leis de proteção e sua vinculação a interesses econômicos.  

Adriano Albertino da Vitória, secretário da Associação da Comunidade Quilombola de Alto Iguapê e diretor do Sindiupes, destacou ainda que o parque, pela sua história, é um “território de resistência”, onde o ambientalista Paulo César Vinha “falou pela vida dos animais e das plantas”, e afirmou que a comunidade quilombola se posiciona contra qualquer exploração lucrativa do parque, que deve manter sua função de preservação ambiental e importância simbólica para a cultura local.  

Ato político de 30 anos da morte de Paulo Vinha. Foto: Divulgação

A defesa do programa foi realizada por Vitor Ricciardi e dirigentes do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), que justificam que a concessão permitiria atrair investimentos privados para melhorar a gestão e a infraestrutura do parque, sem comprometer sua preservação, argumento que não convenceu o público. A preocupação com o risco de interesses econômicos sobreporem-se às necessidades de conservação ambiental, como ressaltado em diversas falas ao longo da reunião.  

Entre os participantes que frisaram os impactos negativos do modelo de exploração proposto, o biólogo e ambientalista Walter Có alertou que os ecossistemas ameaçados pelo projeto são essenciais para o futuro da humanidade, abrigando remédios e conhecimentos que ainda podem ser descobertos.

Ele apontou que a construção de empreendimentos como tirolesas, teleféricos, restaurantes, piscinas e bangalôs no interior das Unidades de Conservação (UC) interferirão nos ciclos naturais, perturbando a fauna e flora locais, atraindo animais para áreas onde não encontram alimento, ou repelindo espécies importantes. “Essas estruturas são incompatíveis com os parques”, reiterou.

Outro ponto de tensão foi o questionamento sobre os R$ 8 milhões destinados à contratação da multinacional Ernst & Young para elaborar a modelagem econômica da concessão. O presidente do Conselho Interativo de Segurança e Defesa Social da Região Norte de Guarapari (Consenorte) e representante das associações de moradores no Conselho Gestor do Parque Paulo César Vinha, Lúcio Lopes, destacou que esses recursos poderiam ser melhor aplicados em ações de recuperação ambiental e no fortalecimento da estrutura do parque. Além disso, questionou a falta de clareza em relação à arrecadação de compensações ambientais das empresas poluidoras, valores que poderiam ser direcionados para ações de preservação, e denunciou que o Conselho Gestor do parque não tem conhecimento desses valores. 

A proposta apresentada pelo representante do Consenorte em alternativa à exploração econômica das unidades de conservação é implementar os empreendimentos fora das áreas protegidas: “O projeto deve ser implementado do outro lado da pista, na área degradada onde ocorrem extrações ilegais de areia, para que a área possa ser recuperada”, explicou. Outra proposição do conselho é de um decreto legislativo para sustar toda a negociação, até que a população seja incluída nas deliberações sobre o futuro das Unidades de Conservação (UCs).

Primeiro gerente do Parque Estadual Paulo César Vinha, o ambientalista Hugo Cavaca reiterou as críticas à condução do processo de concessão dos parques estaduais e refutou os argumentos de que o projeto ainda poderia ser ajustado com base em sugestões futuras. “Se não fosse a mobilização dos deputados e da população civil, esse programa teria sido aprovado silenciosamente”, enfatizou.

Ele também questionou a atuação da Seama junto ao Iema para ajustar o plano de manejo das Unidades de Conservação ao projeto. O documento técnico e multidisciplinar, elaborado com a participação da sociedade civil por meio de oficinas, define zonas de uso, como áreas de mata primitiva, onde não pode haver licitação pública, e estabelece regras e diretrizes sobre como a área deve ser gerida.  

O representante da Comissão Estadual de Defesa das Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES), Júlio César Carminati Simões, também se manifestou durante a audiência e afirmou que o colegiado vai analisar as denúncias relacionadas à legalidade do projeto e sua condução.

Para a deputada Iriny Lopes (PT), “é um processo que começou equivocado, teria que ter primeiro a conversa. Uma coisa é seguir a lei para que ela não perca sua característica de proteção integral, e outra coisa é fazer com que essa unidade de conservação crie ambiente para desenvolvimento socioeconômico”, analisou. 

Próximos passos 

A próxima audiência pública sobre o Peduc será em Alegre, no sul do Estado, onde está situado o Parque Estadual da Cachoeira da Fumaça. Além do debate em Guarapari, foi realizada uma audiência itinerante em Itaúnas, onde a comunidade reivindicou participação na gestão do parque localizado na vila e mais investimentos públicos.  

Um protesto foi convocado pelo Movimento em Defesa das Unidades de Conservação (UCs) do Espírito Santo para o próximo dia 12, às 16h, com concentração na Praça Oito, no Centro de Vitória. Os manifestantes seguirão em direção ao Palácio Anchieta, sede do governo estadual, para ecoar a insatisfação da sociedade civil com o programa estadual.

Tirolesa projetada para o PEPCV – Foto: Divulgação/ Ernst & Young

Estruturas turísticas 

Sem a realização de estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/Rima), os primeiros projetos de infraestrutura turística para os Parques Estaduais de Itaúnas, em Conceição da Barra, e Paulo César Vinha, em Guarapari, propõem grandes intervenções em áreas protegidas.

No Parque Estadual Paulo César Vinha, o plano divide as intervenções em dois núcleos. No primeiro, que engloba a portaria principal, a Lagoa de Caraís e o Mirante do Alagado, serão instalados teleféricos, uma torre de tirolesa e trilhas suspensas. O segundo, que cobre o acesso secundário, abrange a Lagoa Feia e áreas alagadas e receberia a instalação de 28 glampings e bangalôs, decks flutuantes, piscina e um restaurante na rocha.   

Em Itaúnas, o plano de intervenção é dividido em cinco polos. O primeiro engloba a região do Hotel Barramar, segundo a Seama, projetado pelo escritório do arquiteto Oscar Niemeyer e que ainda dependeria de ampliação da área do parque. O segundo reúne intervenções na antiga foz do Rio Itaúnas, e, depois, estão previstas as intervenções zona da sede, no Polo da Trilha dos pescadores e na Praia do Riacho Doce. 

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