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Websérie retrata resistência e tradição das artesãs de Mãe-Bá

Produção revela prática secular ameaçada por poluição da Samarco na lagoa em Anchieta

Tradição indígena, empoderamento feminino e resistência comunitária se encontram no trabalho das artesãs de Mãe-Bá, em Anchieta, sul do Estado, que protagonizam a websérie documental Arte em Taboa das Filhas de Mãe-Bá, um retrato da conexão entre cultura, meio ambiente e lutas coletivas e individuais realizado pela fotojornalista e produtora audiovisual Elizabeth Nader. Situada nas proximidades da lagoa que carrega o nome da lenda indígena capixaba, a comunidade preserva uma tradição ancestral de transformar a taboa, planta aquática abundante na região, em arte e sustento.

Elizabeth Nader

“Essa experiência foi um marco na minha vida profissional. A vida toda, a gente passa pela Rodovia do Sol, admira a beleza natural, mas eu nunca tinha entrado na comunidade”, conta a diretora. Segundo ela, o que mais a impressionou foi a força coletiva dessas mulheres, que revelam como a prática secular não apenas garante a subsistência, mas também fortalece o senso de pertencimento e a luta diante dos desafios ambientais e sociais que enfrentam.  

Elizabeth destacou a importância de situar o trabalho das artesãs como expressão da identidade cultural e da luta por autonomia das mulheres da comunidade de Mãe-Bá, líderes no processo de transformação da taboa em arte, tradição que persiste há gerações, apesar dos desafios impostos pela poluição ambiental. Há mais de 30 anos, a Samarco impacta diretamente a lagoa onde a taboa cresce, após construir a chamada Barragem Norte, usada para despejar efluentes industriais.

Elizabeth Nader



“No primeiro episódio, fazemos um levantamento contextual do bairro e da Lagoa. Os próprios moradores contam como era antes e como se transformou com os impactos das últimas décadas”, explica. 

O segundo episódio da série destaca o processo de extração da taboa, enquanto o terceiro foca na produção artesanal, mostrando o vínculo das mulheres com o artesanato e como essa prática atravessa gerações. O quarto apresenta histórias de superação, como o caso de Creuza Alves, que encontrou no artesanato uma forma de vencer a depressão, e de Evellyn Rodrigues, de apenas 12 anos, que vê na prática uma alternativa saudável ao uso excessivo de telas. O último episódio aborda a Casa do Artesanato de Mãe-Bá, um local que acolhe novos aprendizes e comercializa as peças. 

Elizabeth Nader destaca a forte presença indígena na identidade cultural do município de Anchieta, antiga aldeia de Iriritiba, muitas vezes silenciada ao longo dos anos. Para ela, dar visibilidade a essa herança é uma forma de potencializar a expressão que permanece viva através das práticas das artesãs, apesar das tentativas de apagamento.

A série também destaca a inclusão social que o artesanato promove, envolvendo pessoas com deficiência visual, auditiva e com instabilidades emocionais, além de participantes com mais de 60 anos. “O artesanato proporciona uma elevação da autoestima, ele funciona quase como uma terapia”, relata a documentarista.  

Elizabeth Nader

A estreia da produção será na próxima sexta-feira (6), às 18h, no Centro de Convivência de Mãe-Bá, com um episódio extra previsto para ser gravado no dia do lançamento. O evento contará ainda com uma exposição fotográfica de 20 imagens capturadas por Elizabeth Nader, retratando o cotidiano das artesãs e suas criações, e uma roda de conversa, com as artesãs, a equipe de produção e o público. 

Lagoa ameaçada

A Lagoa Mãe-Bá tem sido alvo de graves impactos ambientais devido à atuação da mineradora Samarco, que começou a operar na região em 1977. A empresa construiu a Barragem Norte dentro da lagoa, por onde despejava efluentes industriais, incluindo resíduos sólidos, como o minério de ferro, utilizados no processamento mineral.

Essas atividades prejudicaram profundamente o ecossistema da lagoa, comprometendo a fauna, a flora e a qualidade da água, essencial para a subsistência das comunidades locais que dependiam da lagoa para pesca, lazer e turismo. Com águas turvas e contaminadas, atualmente, a Lagoa Mãe-Bá se encontra imprópria para o consumo e recreação. 

Entre 2016 e 2020, com a paralisação das atividades da mineradora em decorrência do crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP, resultado do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), houve uma regeneração natural na lagoa, que demonstrou sinais de recuperação da fauna e da flora. No entanto, a partir da retomada parcial das operações em Anchieta, a comunidade observou novamente o aumento da poluição. A empresa prevê retomar 60% de sua produção antes do crime até o início de 2025, o que agravará o problema.

Em recente parecer, em que questiona o acordo milionário de isenção fiscal entre a Prefeitura de Anchieta e a Samarco, o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC) destacou as graves violações à legislação ambiental cometidas pela empresa, ao utilizar parte da Lagoa Mãe-Bá como uma “Área de Poluição Permanente”, onde rejeitos industriais são depositados há mais de 30 anos.  

O órgão ministerial realizou uma análise detalhada de imagens de satélite, coletadas entre 1973 e 2019, que confirmaram o uso predatório de parte da segunda maior lagoa do Espírito Santo pela Samarco, provocando danos irreparáveis ao ecossistema. Devido ao nível alarmante de poluição, há previsões de que a lagoa seja descomissionada ao final das operações da mineradora. A técnica, mencionada em estudos e discussões ambientais, envolve a completa remoção de sua água e do seu leito, o que eliminaria elimina todos os vestígios de que, um dia, a lagoa existiu. 

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