Marcelo Calazans, da Fase, alerta para impactos: obras começam nesta quarta-feira
Apesar dos inúmeros questionamentos da comunidade local, as obras da fase 1 do projeto do Porto Central, em Presidente Kennedy, no sul do Espírito Santo, terão início nesta quarta-feira (4). Nessa etapa, será construída a infraestrutura portuária para acomodar um terminal de granéis líquidos de águas profundas. Contudo, o sentimento de muitos não é de que isso trará desenvolvimento. “Para construir, tem que destruir muito”, alerta o sociólogo e educador popular da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Marcelo Calazans.
No terminal será realizado transbordo de petróleo entre navios para operações com embarcações de grande porte, como os Very Large Crude Carriers (VLCCs). Serão removidos cerca de 65 hectares de um total de 2 mil para os quais o Porto Central conseguiu licença. Para isso, segundo o Porto Central, teve início em outubro “o resgate da fauna terrestre e serão feitas medidas compensatórias, como plantio de mais de 12 mil mudas nativas”.
Para Marcelo, trata-se de “uma compensação que não compensa”. De acordo com ele, em nenhum lugar que isso foi feito deu certo. Ele exemplifica com o vazamento de óleo ocorrido na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, no ano 2000, quando houve um vazamento de óleo. Marcelo recorda que foram plantas mudas sem nenhum planejamento, que acabaram não sobrevivendo. Para o sociólogo, a iniciativa implementada em Presidente Kennedy também não tem planejamento suficiente.
A conclusão das obras da primeira fase está prevista para meados de 2027. A previsão para o início das operações é dezembro do mesmo ano. As etapas incluem a conclusão da supressão vegetal, obras civis de terraplanagem e implantação do canteiro de obras. Também estão previstas a produção, transporte e armazenagem de rochas para o quebra-mar sul, a instalação da central de fabricação dos elementos de concreto e a dragagem do canal de acesso.
Para a Fase 1, serão contratados 1,2 mil trabalhadores. “Em sua grande maioria homens, trabalhadores temporários. O Espírito Santo é famoso nesses casos, como em Barra do Riacho [Aracruz], onde muitos depois ficaram desempregados. A região vai ficar com um inchaço de trabalhadores temporários e precários, e a construção do porto ainda vai destruir a pesca, ou seja, acabar com a fonte de renda que já existe. O porto vai ser automatizado, vai gerar 200, 300 empregos fixos, no máximo”, destaca Marcelo.
A obra do Porto Central encontra resistência da comunidade local e de ambientalistas. Na última quinta-feira (28), a Campanha Nem Um Poço a Mais protocolou, no Governo do Estado, um abaixo-assinado contra a instalação. A entrega do documento foi parte da manifestação contra a expansão da indústria petroleira no Espírito Santo, realizada na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória. O documento conta com mais de 25 mil assinaturas.
A posição contrária à instalação do Porto Central se dá por “desrespeitar patrimônio cultural e religioso, cercando e sufocando o Santuário das Neves”. O templo, datado de 1694, ficará “ilhado” com a construção do porto, já que o empreendimento avançará até o Santuário, onde de um lado será construído o estacionamento dos caminhões, e do outro, o espaço para tonéis de até 20 metros, conforme destacou a ativista da Campanha Nem Um Poço a Mais, Flávia Bernardes, por ocasião da manifestação realizada durante a Romaria de Nossa Senhora das Neves, em agosto último.
Além disso, destacou, na época, que a estrada do santuário vai desaparecer, para dar lugar ao canal de acesso do porto. Outro problema é que a igreja é localizada em uma área de alagado. O porto, ao seu redor, ficará em uma altura de 4,5 metros acima. Portanto, em caso de alagamento, a água seguirá para a área da igreja.
Também é destacado no abaixo-assinado que a obra inviabilizará a pesca artesanal e que não houve “consulta livre, prévia, informada e de boa-fé aos pescadores artesanais e comunidades tradicionais do sul ES, norte do RJ e ao longo do rio Itabapoana”.
No documento à gestão de Renato Casagrande (PSB) é denunciado, ainda, que a instalação ameaça a segurança de meninas e mulheres. Com a chegada de mais de 4 mil homens para trabalhar na região no período de instalação do empreendimento, se teme pelo aumento de casos de violência, como a doméstica, e o aliciamento de crianças para a prostituição. Além disso, há preocupação com a destruição da restinga e seus alagados preservados e falsas promessas de emprego para a população local. Os manifestantes destacam que a instalação do porto vai “servir às petroleiras, causadoras da emergência climática, que deveriam cessar a exploração de petróleo e gás”.
A instalação do Porto Central será um dos assuntos a serem debatidos na recém-criada Comissão de Justiça e Paz (CJP) da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim, no sul. O vigário episcopal para Ação Social, padre Evaldo Praça, afirma que uma das ações da CJP será intensificar a aproximação com a Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), que tem estudado os impactos que o empreendimento causará na região. A Comissão, segundo o sacerdote, irá assessorar o bispo Luiz Fernando Lisboa, que, destaca, desde que tomou posse, em 2021, tem se empenhado nas questões sociais.
A CJP, explica, é necessária “diante dos desafios, podendo contribuir muito para o enfrentamento em relação aos problemas ambientais, à violação dos direitos humanos e àquilo que não promove uma cultura de paz”. Assim, junto à sociedade civil, que participará da Comissão com 22 integrantes, poderá elaborar atos, abaixo-assinados e outras iniciativas de mobilização popular.