Estações de monitoramento registram níveis alarmantes, denuncia Juntos SOS
“Após 16 anos de TCA [Termo de Compromisso Ambiental], milhões de reais gastos, e com números das estações de Jardim Camburi, Ilha do Boi, Cidade Continental, Carapina e Praia do Canto que já atingiram níveis recordes em outubro, a poluição em dezembro promete ser a maior da série histórica”. O alerta é do presidente da Juntos SOS Espírito Santo Ambiental, Eraylton Moreschi, com base nos dados de Monitoramento da Qualidade do Ar do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (lema), e considera, ainda, o agravamento do problema devido às condições climáticas de verão.
Uma recente denúncia protocolada pela Juntos SOS no Iema reflete queixas recorrentes da população sobre o aumento da poluição em suas casas, registradas formalmente nos protocolos Gampes nº 2023.0026.3487-94 e 2023.0026.5146-79. Desde o início de dezembro, moradores de diversos bairros relatam que o pó preto tem se tornado intolerável.
A entidade também aponta descumprimento de recomendações expedidas pelo Ministério Público, o que pode configurar violação da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que prevê sanções civis, penais e administrativas para condutas que causem danos ao meio ambiente.
Poluidoras como Vale e ArcelorMittal, além do próprio Iema, não apresentaram, como ressalta a Juntos SOS, os planos de contingência nem as análises detalhadas sobre a poeira sedimentável emitida das usinas do Complexo de Tubarão, conforme solicitado em Notificações Recomendatórias de dezembro de 2023, como parte dos Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) firmados em 2018 entre os Ministérios Públicos Federal e Estadual (MPF e MPES), a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), o Iema, e as duas poluidoras.
As notificações buscavam mitigar os efeitos da poluição em condições climáticas adversas, mas as medidas não foram implementadas de forma eficaz e a população continua exposta a riscos ambientais e de saúde, destaca Moreschi. “Os números provam que os TCAs são ineficientes para combater a poluição, agravada pelo vento nordeste e o calor do verão”, criticou.
Entre as principais demandas da organização, está o enclausuramento das pilhas de minério de ferro e carvão dessas empresas, uma solução técnica já reivindicada judicialmente pela Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), como forma de mitigar os impactos sobre a saúde da população e o meio ambiente.
Providências
Cobranças por medidas urgentes também foram reiteradas nesta sexta-feira (20) pelo vereador André Moreira (Psol), na última sessão do ano da Câmara de Vitória, que marcou a prestação de contas do prefeito, Lorenzo Pazolini (Republicanos).
Ele ressaltou os danos causados pela poluição à saúde da população, revelando que 26 mil casos de doenças respiratórias foram registrados apenas na rede pública de Vitória entre julho e dezembro de 2023, período marcado por diversas ultrapassagens aos limites de poluentes estipulados pelo Decreto Estadual nº 3.463-R/2013, considerados extremamente altos e em desacordo com os padrões da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a regulação da qualidade do ar.
O vereador também criticou a derrubada da Lei Municipal 10.011/2023, que estabelecia políticas, normas e diretrizes para a proteção da qualidade do ar, com base nas mais recentes recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Após aprovação e sanção pelo prefeito, a legislação foi suspensa dois dias depois, por decisão liminar do desembargador Fernando Zardini Antonio, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), que acatou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pela Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo (Findes), sob a justificativa de que o município não teria competência para legislar sobre a qualidade do ar.
A preocupação com os parâmetros de regulação é reforçada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2022, que reconheceu a necessidade de atualização dos padrões estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), determinando que fossem ajustados às novas diretrizes da OMS para proteção da saúde pública.
O vereador reforçou que a legislação estadual e federal não atendem à realidade de Vitória, e cobrou uma ação da prefeitura para garantir a implementação de uma legislação específica sobre a questão na cidade, que enfrenta um contexto único no Brasil, com duas grandes empresas poluidoras na região, uma dentro do território e outra à margem.
“Essa lei foi sancionada por essa Casa em quase unanimidade, aprovada por Vossa Excelência, sancionada sem nenhum veto, mas foi derrubada pela Findes sob a gestão da sua atual vice [Cris Samorini, do PP]. Essa lei precisa ser defendida, o prefeito precisa defendê-la no Tribunal e precisa ser defendida com recurso extraordinário ao STF, porque ninguém aguenta mais o pó preto na cidade de Vitória”, afirmou.
Ele também apresentou uma indicação ao Poder Executivo Municipal, com base no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Qualidade do Ar, conhecida como CPI do Pó Preto, instituída entre fevereiro e julho de 2024 na Câmara Municipal. Entre os pedidos, estavam a fiscalização das empresas poluidoras da Ponta de Tubarão; a realização de análises e estudos atualizados sobre a poluição atmosférica; e a interposição de recursos jurídicos, incluindo um Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF), pela constitucionalidade da Lei de Qualidade do Ar em Vitória.
Sem metas específicas
Em abril deste ano, o governador Renato Casagrande sancionou a a nova política de qualidade do ar, que transfere a gestão para a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), enquanto o Iema mantém o papel de órgão fiscalizador e o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) trona-se órgão consultivo.
Aprovada na Assembleia Legislativa em março, sem discussão com a sociedade civil, a legislação não atualiza os limites máximos permitidos de concentração de poluentes atmosféricos e indica que serão regulamentados por meio de decreto. Enquanto isso, os valores continuam sendo os definidos pelo Decreto 3.463-R, de 2013, considerados defasados por especialistas.
Durante reunião realizada pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa em outubro último, representantes do Iema e da Vale e ArcelorMittal afirmaram que os compromissos assumidos nos TCAs estariam plenamente cumpridos até a data limite de 31 de dezembro deste ano, mas a maioria das metas foi descumprida pelas empresas poluidoras.
O Ministério Público de Contas (MPC-ES) também se manifestou sobre o tema em setembro deste ano, apontando falta de controle e negligência por parte dos órgãos ambientais responsáveis pela gestão da qualidade do ar e fiscalização dos compromissos ambientais firmados pela Vale e ArcelorMittal há quase seis anos.