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Comunidade se mobiliza para pedir paz em Patrimônio da Penha

Reconhecida pela cultura alternativa, vila teve confusão e mortes durante Ano Novo

Raiz Toop Uruguay

A comunidade de Patrimônio da Penha, distrito de Divino de São Lourenço, município da região do Caparaó capixaba, está se mobilizando para pedir paz e reivindicar maior segurança na vila. O movimento ocorre após o registro de um conflito generalizado durante as festividades de Ano Novo, que resultou na morte de duas pessoas.

No fim da tarde deste domingo (5), moradores realizaram um ato com dança circular e cortejo pela rua principal de Patrimônio da Penha, também em comemoração ao Dia de Reis. Nesta segunda-feira (6), às 18h, acontece uma reunião extraordinária na Associação de Moradores e Pequenos Agricultores de Patrimônio da Penha (Ampa), no salão comunitário da vila. Um novo encontro deverá ser agendado em breve com representantes da Polícia Militar do Estado (PMES), tendo em vista que a corporação informou que só poderia se reunir a partir de quarta-feira (8).

“Patrimônio da Penha foi idealizada e construída com base na busca pela paz e integração com a natureza. Isso ainda é verdade, por mais que já não seja mais o movimento alternativo que vem encampando esse discurso como foi no princípio. A vila ainda é um dos únicos lugares em que eu simplesmente saio na rua a hora que eu quiser e do jeito que eu quiser, sem o receio de ser abordada e violentada, é uma paz que é raríssima no mundo de hoje”, comenta Laíssa Gamaro, artista que mora há dez anos na comunidade e faz parte da Ampa.

Localizada aos pés do Pico da Bandeira e do Parque Nacional do Caparaó, Patrimônio da Penha é considerado um reduto contracultural no Espírito Santo. Nos anos 1980 e 1990, a vila começou a receber um fluxo de grupos que buscavam refúgio contra a correria das metrópoles. Na época, adquirir lotes na vila se mostrava vantajoso do ponto de vista financeiro, mas a localização em um dos pontos “mais enérgicos do planeta”, como dizem os adeptos de filosofias místicas da região, sempre foi o principal atrativo.

Ao longo dos anos, as belezas naturais e a aura mística contribuíram para o grande desenvolvimento do turismo em Patrimônio da Penha. Mas, nos últimos tempos, o clima de sossego começou a se transformar, com festas com carros de som e brigas pelas ruas.

Segundo Laíssa Gamaro, a pandemia de Covid-19 foi um grande divisor de águas, com a necessidade de isolamento das pessoas, ao mesmo tempo em que, no contexto nacional, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) incentivava a política da violência. Com isso, problemas estruturais já presentes em locais próximos, como Ibitirama e Guaçuí, começaram a dar sinais também em Patrimônio da Penha.

“Logo no fim da pandemia, quando a gente ainda avaliava se era seguro ou não abrir as portas dos comércios, as pessoas já estavam ocupando as ruas. Então, Patrimônio da Penha foi tomada por uma onda de horror, com carros de som ligados de madrugada adentro, tocando músicas com letras misóginas”, relata.

Segundo ela, as forças de segurança não têm dado o apoio necessário. “A postura da polícia é falar: ‘Olha, então me passa seu CPF e seu nome, porque a gente vai dizer que é você que está pedindo para parar com o carro de som’. Ou seja, as pessoas da comunidade ficam num lugar de vulnerabilidade. Quem vai querer se expor?”, indaga.

“Não estamos isolados do mundo”

Assim, os acontecimentos do réveillon foram a culminância de um processo que já vinha ganhando corpo. Segundo informações da Polícia Militar e de moradores, por volta das 2h do último dia 1º, a confusão começou quando um carro Fiat Uno tentou passar pela rua principal de Patrimônio da Penha no meio da multidão, esbarrando nas pessoas e derrubando copos de cerveja.

Como a multidão não deixava o carro passar, uma mulher teria saído do carro irritada, e então começou uma briga. O condutor também deixou o veículo e realizou disparos de arma de fogo, atingindo um adolescente de 17 anos. O menino foi socorrido, mas durante o trajeto, o motorista, de 29 anos, capotou com o carro e os dois morreram. Revoltada, a população colocou fogo no carro do suspeito, que fugiu com a companheira do local.

Não havia policiamento no momento da confusão, segundo moradores – a PM chegou depois de ser acionada –, e ninguém foi detido. Segundo a Polícia Civil (PC), o caso segue sob investigação da Delegacia de Polícia (DP) de Divino de São Lourenço, e informações podem ser compartilhadas de forma sigilosa e gratuita por meio do Disque-denúncia (181).

O município de Divino de São Lourenço como um todo, não apenas Patrimônio da Penha, tem os mais baixos índices de violência do Estado, a ponto de não ter registrado nenhum crime letal intencional nos anos de 2022 e 2023, de acordo com o Anuário Estadual da Segurança Pública de 2024.

“Coisas como essa catástrofe que ocorreu nos fazem despertar para a importância de nos unirmos enquanto coletivo, enquanto comunidade e abraçar a causa. Patrimônio da Penha não está isolado do resto do mundo, então se o cenário está cheio de ruídos e problemas sérios estruturais, contextos sociais que instigam e alimentam relações violentas, imaginários sociais, músicas, filmes e políticas que incentivam a misoginia, o machismo, incitam a todo tempo a competição, a violência, isso respingaria aqui cedo ou tarde”, avalia Laíssa.

“Eu, como muitas e muitos moradores, acredito e vivo o sonho dessa terra sagrada, e sei que com paciência e persistência ele continuará sendo esse lugar mágico regido pela paz e pelo amor. Vamos tomar nossa rua de volta!”, conclui.

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