Superintendente do Incra no Estado rebate desinformações e anuncia metas para 2025
É preciso ampliar o número de servidores da Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Espírito Santo (Incra/ES) e avançar no processo de aquisição de terras. Essa é a avaliação de Penha Lopes, superintendente do Incra/ES.
Em entrevista a Século Diário, Penha Lopes traça um panorama da Reforma Agrária e da regularização dos territórios quilombolas sob sua gestão, iniciada em abril de 2023 – quando projetou o assentamento de 250 famílias até o final deste ano –, período em que o Espírito Santo e as demais unidades da federação puderam investir em ações de estruturação do Incra.
A superintendente do Incra/ES também reforça o desmentido sobre informações falsas publicadas em sites e mídias sociais nas últimas semanas, a respeito do processo de desapropriação da Fazenda Floresta e Texas, em São Mateus, no norte do Estado, que está em curso desde 2009. A autarquia publicou uma nota oficial sobre o tema nessa terça-feira (7).
De acordo com Penha Lopes, “os processos jurídicos [da Fazenda Floresta e Texas] terão continuidade na tramitação, garantindo o pleno direito das pessoas se manifestarem”. Afirmou também que “nossa função é garantir a transparência na ação” e reforçou que “a política de Reforma Agrária é uma prioridade do governo do presidente Lula e do ministro Paulo Teixeira, que confiaram a mim essa tarefa aqui no Espírito Santo”.
Orçamentos minimamente factíveis para Reforma Agrária começaram a ser destinados por Brasília principalmente a partir de 2024, já que, em 2023, a verba disponível havia sido definida pelo governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), declaradamente contrário à Reforma Agrária. Isso ajuda a entender o contexto distópico do episódio em curso, das fake news disseminadas a respeito da fazenda em São Mateus.
Para cumprir a missão, a superintendente salienta a necessidade de que a autarquia tenha orçamento mais robusto e aporte de mais servidores, preferencialmente concursados “para desempenhar e acompanhar os processos administrativos”, para que então se possa “avançar nas aquisições de áreas para reforma agrária, (prateleiras de terras)”.
Os processos de Reforma Agrária, pontua, são muito demorados, levando em média dez anos ou mais, como é o caso da Fazenda Floresta e Texas, e os de regularização de territórios quilombolas ainda mais longos, podendo chegar a vinte anos.
Excessiva demora que foi inclusive alvo de um processo judicial movido pela Defensoria Pública contra o Incra e a União, em favor da comunidade de Morro da Onça, em Conceição da Barra. “É necessário reduzir esse tempo”, sublinha, o que só pode acontecer mediante o fortalecimento do Incra e dos movimentos sociais que pressionam pelo cumprimento das prerrogativas constitucionais.
A respeito de sua gestão, ela relembra que “2023 foi o início da retomada da política de reforma agrária, com a criação de várias Instruções Normativas pra regularização do PNRA [Plano Nacional de Reforma Agrária], planejamento e recomposição do orçamento da autarquia, para resolver as pendências e concluir o assentamento de dois projetos, com assentamento de 37 novas famílias. Também regularizamos outras 71 famílias em seus lotes”.
Em 2024, prossegue, experimentou-se “outro ano atípico, com um processo de valorização da carreira dos servidores do Incra, concurso público com 742 vagas, sendo que 14 para o Espírito Santo, e restruturação da autarquia, com a criação de duas Divisões: de Obtenção de Terras e de Territórios Quilombolas”.
Em paralelo, foram criados dois assentamentos e cadastradas 42 novas famílias para o processo de seleção ainda em curso; foram assentadas 16 famílias em novos projetos de assentamento e outras 110 foram regularizadas em assentamento já existentes, com apoio a processos produtivos de assentamentos, principalmente mulheres.
No tocante aos territórios quilombolas, foram incluídas 1.030 famílias, de nove comunidades, no PNRA. Isso foi possível, explica, porque essas comunidades já estavam com seus Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID), uma das mais complexas etapas do processo de regularização dos territórios quilombolas, já concluídos.
“Com essa inclusão, as famílias terão direito às políticas de créditos e fomentos, ou seja, mais recursos para se desenvolverem economicamente e socialmente”, acrescenta Além disso, a comunidade de Linharinho, em Conceição da Barra, no norte do Estado, teve sua portaria de regularização do território publicada, o que é uma das últimas etapas do processo.
Para o biênio 2025-2026, a expectativa é assentar 190 famílias e regularizar outras 200 já assentadas. Nos territórios quilombolas, a estratégia inclui a implementação de um Termo de Execução Descentralizada (TED) firmado com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) para dar continuidade aos cadastros das famílias quilombolas.
A parceria também deve colaborar para definir “a proposta de cessão de áreas da empresa Suzano para as comunidades”, acrescenta a gestora, além de ajudar na realização de vistorias em duas outras comunidades quilombolas e entrega da titulação definitiva da comunidade de São Pedro, em Ibiraçu, na região do Rio Doce.
“Grande propriedade improdutiva”
“O Incra não ‘rouba’ terras. Ele executa o programa de reforma agrária estabelecido por lei, de forma transparente e com acompanhamento do Poder Judiciário”. A afirmação faz parte da nota publicada pela Incra/ES, desmentindo informações falsas publicadas em sites e mídias sociais nas últimas semanas sobre o processo de desapropriação da Fazenda Floresta e Texas.
A nota detalha o longo processo de desapropriação, de mais de dez anos, desde que a fazenda foi analisada sob o ponto de vista da produtividade, passando pelo julgamento na Justiça, até a determinação final de desapropriação, expedida no final do ano passado.
O Incra/ES ressalta que cabe à instituição a execução do artigo 184 da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.
O comunicado também explica que um dos principais requisitos para que uma propriedade cumpra sua função social é o “aproveitamento racional e adequado” da terra, o que é avaliado mediante o alcance simultâneo de dois índices: “o grau de utilização da terra (GUT), que deve ser superior a 80%, e o Grau de Eficiência de Exploração (GEE), que deve ser superior a 100% (Artigo 6º lei 8.629/93)”.
Esses cálculos e outras medidas constitucionais foram empreendidos ao longo da história do Incra capixaba, resultando em “73 Projetos de Assentamentos Federais existentes no Espírito Santo, onde atualmente residem quase 4 mil famílias que tiveram a oportunidade de acessar a terra, de onde retiram o sustento para sua família, política que transformou a vida dessas pessoas”, prossegue a nota.
Em relação à Fazenda Floresta e Texas, a autarquia esclarece ainda que o processo teve início em 2009, com a notificação dos proprietários antes da fiscalização do imóvel. Após a vistoria, o imóvel foi classificado como “grande propriedade improdutiva, pois teve o GUT de 49,61% e GEE foi de 69,12%, demonstrando que o imóvel não atingiu nenhum dos dois índices de produtividade”.
Ao longo dos 13 anos em que o processo transcorreu, tanto em âmbito administrativo quando judicial, com acompanhamento do Ministério Público Federal, foi garantido, afirma a nota, o “o contraditório e ampla defesa dos proprietários”, sendo que a desapropriação, ressalta, “só é efetivada com decisão judicial”. Destaca ainda que, “mesmo após a apresentação de recursos [por parte dos proprietários] e a realização de perícia no imóvel, não foi suficiente para convencer o judiciário de que a propriedade no período fiscalizado cumpria sua função social”.
Especificamente em relação às informações veiculadas nas mídias sociais e sites “com forte viés político”, o Incra/ES afirma que “a maior parte da família reside numa área que não será desapropriada, e o único proprietário que se encontra na área a ser desapropriada solicitou na Justiça o direito de permanecer nessa, conforme estabelecido no Art. 20 da Lei 8.629/93, pedido este que foi acatado pelo Judiciário”.
O comunicado lembra ainda que “o Incra é uma autarquia do Estado brasileiro, e não de um governo, e seus servidores, que em sua grande maioria são concursados, têm o dever de cumprir as atribuições do órgão, estando os mesmos sujeitos ao cumprimento das normas e da legislação vigente, sob pena de serem responsabilizados nas esferas administrativa, civil e penal. Sendo que toda e qualquer calúnia imputada aos servidores acarretará na responsabilização das pessoas que criam e disseminam estas informações falsas”.
Panorama da Reforma Agrária
Fato é que, passados quase 40 anos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o artigo que trata da Reforma Agrária está longe de mostrar resultados práticos que afastem do Brasil do status de um dos países com maior concentração de terras do mundo. Estudo da Oxfam publicado em 2019, por exemplo – Relatório Terra, Poder e Desigualdade na América Latina – mostrou que quase metade de toda a área rural brasileira (45%) está concentrada em apenas 1% das propriedades agrícolas.
No Espírito Santo, à exceção da região central serrana, principalmente em municípios como Santa Maria de Jetibá e Santa Teresa, e também da região do Caparaó, onde a área rural está majoritariamente bem distribuída entre pequenas propriedades da Agricultura Familiar, a maior parte do território rural reflete a excessiva concentração fundiária que caracteriza o país e a América Latina.
As regiões norte e noroeste do Estado apresentam essa característica de forma ainda mais contundente, tendo suas paisagens rurais dominadas por latifúndios cobertos de monocultivos, especialmente eucalipto (uso do solo que mais cresce no Espírito Santo, pelo menos desde 2007, segundo o Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo), pasto (que apesar da redução gradual da ocupação, ainda é o principal uso do solo, com cerca de 40% do território) e café.
Consequentemente, é nessa porção do território, acima do Rio Doce, que se concentram também a maior parte dos núcleos de movimentos sociais que lutam pela Reforma Agrária e os direitos de povos e comunidades tradicionais, principalmente camponeses, quilombolas e indígenas.
O município de São Mateus é bastante representativo dessa realidade, possuindo elevada cobertura vegetal formada por monocultivos e grandes propriedades rurais produtoras de commodities, que estão entre os principais obstáculos para a regularização dos territórios quilombolas e para o assentamento das famílias acampadas em busca do direito constitucional à Reforma Agrária.