Diagnóstico da WWF Brasil aponta soluções baseadas na natureza para eventos climáticos
De 2007 a 2002, aproximadamente 134,5 mil indivíduos foram afetados por inundações nos municípios capixabas da Bacia Hidrográfica do Rio Itabapoana, o que inclui pessoas desalojadas, desabrigadas, feridas ou mortas. O número desse período de 15 anos é 216% mais elevado do que entre 1991 e 2006, quando se registrou cerca de 42,5 mil habitantes prejudicados.
Os dados são de um diagnóstico hidroambiental da Organização Não Governamental (ONG) WWF Brasil, com trabalho executado pela empresa de consultoria Aquaflora Meio Ambiente, que foi lançado em dezembro. Segundo a ONG Restauração e Ecodesenvolvimento da Bacia Hidrográfica do Itabapoana (Redi), que contribuiu com o estudo, trata-se de um relatório preliminar feito a pedido do governo estadual, e que deverá subsidiar a elaboração de planos mais robustos.
O estudo aponta que cerca de 82% da população dos municípios capixabas do Itabapoana vive em áreas com risco de inundação ou nas suas proximidades. Aproximadamente 108 mil pessoas habitam os nove municípios do sul do Estado abrangidos pela bacia: Divino de São Lourenço, Guaçuí, São José do Calçado, Bom Jesus do Norte, Apiacá e Mimoso do Sul (totalmente); Dores do Rio Preto, Muqui e Presidente Kennedy (parcialmente).
Outro ponto destacado no diagnóstico é que as inundações de grande volume (mais 300 metros cúbicos) se tornaram mais intensos no período de 1996 a 2021, aumentando a periodicidade média em que ocorrem para 1,4 anos. No período anterior a 1995, o intervalo médio entre as enchentes era de 2,5 anos.
Mas as chuvas e inundações não são os únicos problemas. Os municípios da região também tem enfrentado períodos mais frequentes de secas. Entre 2003 e 2022, as cidades da região que registraram maior número de estiagens oficialmente registradas foram Mimoso do Sul (6), Presidente Kennedy (4), Guaçuí e Muqui (ambos com 2).
“Em relação às pessoas afetadas pelos efeitos de estiagens severas, também se percebe um crescimento significativo do número de atingidos no período mais recente (2007-2022), visto que neste subperíodo 49,2 mil pessoas sofreram os impactos das secas, enquanto que no subperíodo anterior (1991-2006) não houve registros de pessoas atingidas por este fenômeno. A grande maioria das populações atingidas por secas se concentra nos municípios de Mimoso do Sul (32 mil pessoas) e Muqui (10,4 mil pessoas)”, diz o documento.
Três municípios somam 100% dos maiores prejuízos econômicos da região por conta das secas, entre 2007 e 2022: Mimoso do Sul (R$ 310 milhões), Presidente Kennedy (R$ 173 milhões), e Guaçuí (R$ 25 milhões). No caso das grandes inundações, os maiores prejudicados foram Bom Jesus do Norte (R$ 79 milhões), Guaçuí (R$ 70 milhões), São José do Calçado (R$ 44 milhões), Apiacá (~R$ 30 milhões) e Mimoso do Sul (R$ 22 milhões).
De acordo com o diagnóstico, a bacia do Itabapoana teve a vegetação natural removida e substituída por outros usos em 73% do seu território. Um dos principais fatores de pressão para desmatamento é a pecuária. A utilização do solo para pastagens ocupa cerca de 57% do território da região. Além da menor cobertura vegetal, que contribui para efeitos erosivos, o pisoteio de gado da pecuária torna o solo mais impermeável.
A baixa qualidade da água é outro desafio da região, de acordo com o estudo, o que pode ter a ver com a ineficácia da coleta e tratamento de esgoto. Esse problema se mostrou mais evidente nas áreas de predominância de pastagens, devido à carga orgânica proveniente da criação animal e ao carreamento de sedimentos em áreas degradadas.
A implantação de sistemas de geração de energia hidrelétrica ao longo do Rio Itabapoana e tributários também teve efeitos nocivos: forte redução de vazões a jusante na época de estiagens, e liberação abrupta de água em momentos de abertura de comportas, causando processos erosivos nas margens do rio a jusante.
Soluções
Nem todas as notícias são ruins. O documento aponta que há “um progressivo e significativo decréscimo no processo de desmatamento na bacia do Itabapoana a partir do ano 2010, possivelmente um efeito tardio da instituição da lei da Mata Atlântica em 2006”.
O diagnóstico também apresenta soluções baseadas na natureza para promover a adaptação dos municípios capixabas a eventos climáticos extremos, que tem se tornado cada vez mais frequentes no mundo todo. Mais de 1 mil capixabas já foram afetados por alagamentos e enchentes nestas primeiras semanas de janeiro.
Um dos pontos positivos da região destacados é a existência de duas das mais importantes unidades de conservação integral do Estado: o Parque Nacional do Caparaó e o Monumento Natural Serra das Torres. As áreas do entorno das unidades funcionam como zonas de amortecimento, que mitigam os impactos das ações humanas. Uma solução seria implantar corredores ecológicos, para ligar essas regiões a outras, como a dos “Alagados do Itabapoana”, considerada como uma das áreas prioritárias para conservação da biodiversidade em nível estadual.
Outras soluções para adaptar os municípios às mudanças climáticas incluem: restauração da vegetação nativa em áreas não utilizadas pela agropecuária; substituição de atividades agrícolas e pecuárias convencionais por sistemas agroflorestais e silvopastoris; construção de micro-reservatórios de detenção vegetados; fechamento de canais de drenagem em planícies de inundação; remoção de estruturas artificiais que impedem o extravasamento em planícies de inundação; recuperação de áreas de nascentes; e implantação de dispositivos nas barragens de hidrelétricas para permitir a subida de peixes na época da piracema.
“O relatório é muito importante, porque apresenta uma série de informações e é muito bem embasado. Além disso, propor soluções baseadas na natureza, pouco conhecidas pelas prefeituras da região é fundamental, tendo em vista que a maior parte dos municípios do Itabapoana se concentra em soluções de infraestrutura cinza, como sistemas de drenagem”, comenta a diretora de Estratégias da Redi, Isabela Narde.
Porto Central
Um ponto considerado negativo no relatório é a forma como aborda a construção do Porto Central, em Presidente Kennedy. Ainda que sejam citadas as críticas ao processo de licenciamento ambiental, o empreendimento é tratado como “um motor para o desenvolvimento econômico da região sul do Espírito Santo, proporcionando oportunidades de emprego e investimentos”.
“O Porto Central vai fazer a derrubada da restinga e ainda coloca em risco a região dos Alagados do Itabapoana. Ambas são regiões muito importantes para o armazenamento de carbono, contribuindo para a redução da emissão de gases que aceleram o aumento da temperatura do planeta. Então, colocar o porto como algo estratégico é uma contradição”, critica Isabela.
Também há outras questões relacionadas à emergência climática que precisam ser contempladas no planejamento de políticas públicas, como a questão do calor extremo. “Há muitas residências que não estão aptas a lidar com essa situação”, completa.