Pesquisadora alerta para exclusão de crianças PCDs no sistema de acolhimento
O Brasil enfrenta uma crise nos sistemas que garantem os direitos das crianças e adolescentes, com um número alarmante dessa população enfrentando violências nos serviços de acolhimento institucional. A constatação, resultante do trabalho de pesquisa e extensão realizado pela professora Bruna Taño, em parceria com a professora Teresinha Cid Constantinidis, do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), aponta para uma série de violações de direitos e a falta de cuidados adequados para esses jovens, especialmente aqueles com deficiência.
O levantamento, realizado pela professora Bruna Taño em novembro último, revelou uma realidade de exclusão: apenas 81 pessoas no Brasil estão dispostas a adotar crianças ou adolescentes com mais de 10 anos e com deficiência intelectual. De acordo com os dados extraídos do Sistema Nacional de Adoção (SNA), que reúne dados das crianças em acolhimento institucional e dos pretendentes à adoção no país, existem 35,6 mil famílias que manifestaram interesse pela adoção, mas a maioria busca perfis com idades menores e sem deficiência.
No Brasil, existem 33,7 mil crianças acolhidas, das quais 5 mil estão disponíveis para adoção e 1,4 mil em busca ativa. As demais estão em processo de adoção. Do total, 6,5% têm alguma deficiência, sendo que, dessas, 90% possuem deficiência intelectual. Bruna destaca que a falta de uma rede de apoio, a defasagem de serviços de saúde mental e a superlotação das instituições de acolhimento são problemas recorrentes, que contribuem para a exclusão social e perpetuação de violências contra essa população.
“Estamos falando de uma realidade em que muitas dessas crianças e adolescentes não têm projeção de retorno à família de origem nem de adoção. Isso significa que passarão a vida institucionalizados, excluídos do convívio e do pertencimento comunitário”, alerta.
Ela ressalta um processo de violência sistêmica, atravessado pelo capacitismo e pelo racismo, que produzem o apagamento do direito à convivência familiar e comunitária. “O Estado produz a condição de não passível de adoção para determinados grupos de crianças e adolescentes, em especial aqueles com deficiência. Enquanto o sistema de pertencimento social não for para todos, continuaremos operando sob a lógica dos privilégios” critica.
Outro problema é medicalização excessiva enfrentada por essas crianças, como resposta às dificuldades agravadas pela fragilidade da rede de cuidados e a defasagem no atendimento em saúde mental. A falta de Centros de Apoio Psicossocial Infantis (CAPS), psiquiatras especializados, e a superlotação de abrigos e escolas levam à medicalização de suas vidas e à criminalização das famílias em situação de vulnerabilidade, explica a pesquisadora.
“O problema está na rede, na política pública, na sociedade civil, que não se responsabiliza. Nossa pesquisa mostra que crianças acompanhadas por equipes intersetoriais e territoriais são menos medicalizadas. No entanto, crianças em acolhimento são frequentemente submetidas ao uso de psicotrópicos, o que muitas vezes envolve contenção química. Isso reflete falhas graves na gestão das políticas sociais”, observa.
Para muitas crianças e adolescentes com deficiência ou problemas de saúde mental, a institucionalização de longa duração é quase uma sentença. Bruna reforça que o diagnóstico, em muitos casos, acaba tirando o direito à vida adulta, e muitos acabam em residências inclusivas ou instituições de caridade, sem a chance de viver em sociedade como cidadãos plenos.
A saída, segundo ela, está no fortalecimento das políticas públicas, no combate ao capacitismo e na criação de uma rede intersetorial eficiente. “Precisamos aumentar os serviços de base comunitária, melhorar as condições escolares e de trabalho, e investir em espaços públicos onde essas crianças possam circular e ser incluídas. A política de direitos só funciona com uma rede intersetorial que integre os serviços. Só assim deixaremos de patologizar a vida dessas pessoas,” argumenta.
Além disso, a pesquisadora destaca a importância de promover a participação social e o pertencimento comunitário como pilares do cuidado. “Não adianta termos um ambulatório super especializado se a criança não tem garantia de atendimento no território onde vive. A política de direitos só funciona com uma rede que opere de forma integrada,” conclui.