Análise é da defesa dos antigidos em julgamento sobre o caso na Inglaterra
Na última semana, entre os dias 13 e 21 de janeiro de 2025, o julgamento da ação movida pelos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), contra a mineradora BHP Billiton foi retomado na Corte de Tecnologia e Construção de Londres. Esta é a primeira vez que o Direito Ambiental brasileiro é amplamente analisado em um tribunal inglês. Durante os interrogatórios, o especialista designado pela defesa da mineradora, Marcelo Dantas, enfrentou questionamentos devido a supostas contradições entre suas publicações acadêmicas passadas e o depoimento apresentado à corte – de acordo com o escritório de advocacia Pogust Goodhead, que representa os atingidos.
O processo coletivo envolve cerca de 620 mil vítimas, 46 municípios e 1,5 mil empresas, e busca responsabilizar a BHP pelo maior crime ambiental da história do Brasil, ocorrido em 2015. A empresa e a Vale são controladoras da Samarco, detentora da barragem.
Nesta fase do processo, especialistas em Direito Ambiental brasileiro apresentaram depoimentos técnicos e pareceres com o objetivo de esclarecer conceitos jurídicos essenciais para determinar a responsabilidade da BHP no desastre. A etapa teve como foco o princípio do poluidor-pagador, a definição de poluidores diretos e indiretos, além da relação de causalidade necessária para responsabilização.
Interrogado sobre responsabilidade ambiental, o perito indicado pela BHP declarou que “a responsabilidade exige uma conduta imediatamente e diretamente causadora do dano”. Contudo, segundo a defesa dos atingidos, em uma publicação de 2021, o mesmo especialista havia defendido que “uma mera contribuição para o dano é suficiente para caracterizar a responsabilidade do poluidor”. Confrontado, ele teria atribuído a mudança de posição a “deslizes” e alegou que seu raciocínio evoluiu, deixando de utilizar a expressão “mera contribuição”. Na visão da Pogust Goodhead, a mudança de entendimento enfraqueceu os argumentos da BHP e reforçou as alegações das vítimas, que defendem a necessidade de uma abordagem mais ampla para analisar a responsabilidade ambiental.
Por outro lado, o especialista designado pela defesa dos atingidos, Ingo Scarlet, sustentou que a responsabilização pelo desastre deve considerar não apenas o envolvimento direto na operação da barragem, mas também as omissões relacionadas ao dever de fiscalização e ao financiamento de atividades potencialmente danosas. Ele baseou sua argumentação na Teoria do Risco Integral, amplamente adotada no Brasil, que dispensa a necessidade de comprovação de culpa para responsabilizar os agentes envolvidos.
Com o encerramento dos depoimentos sobre Direito Ambiental, o julgamento entrou agora em uma nova fase. Dessa quarta-feira (22) até quarta que vem (29), especialistas em geotécnica prestam depoimentos sobre as condições da barragem antes do colapso. As partes terão até 19 de fevereiro para preparar seus argumentos finais, que serão apresentados à Corte entre os dias 5 e 13 de março. A sentença final é esperada para meados de 2025 e definirá as indenizações, que podem alcançar até R$ 230 bilhões, conforme estimativas da defesa.
Para as vítimas que lutam por justiça há quase uma década, o julgamento representa uma esperança de reparação, especialmente após o desfecho desfavorável no tribunal da Justiça Federal de Minas Gerais. No Brasil, as mineradoras e 22 réus, incluindo altos executivos, foram absolvidos das acusações criminais relacionadas ao rompimento da barragem de rejeitos. Além disso, as vítimas denunciam violações de direitos no processo de reparação conduzido no Brasil, que entrou em uma nova fase com a homologação do acordo de repactuação. Esse acordo foi negociado em sigilo pelas cúpulas dos governos federal e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, sem a participação dos atingidos.
Entre os principais problemas apontados no acordo estão cláusulas abusivas, como a exclusão de milhares de famílias das indenizações e a exigência de quitação ampla e irrestrita. Essa exigência impede que municípios e indivíduos afetados busquem outras formas de reparação, inclusive na Justiça internacional.
Até o momento, quatro municípios desistiram de participar da ação na Inglaterra devido às condições impostas pela repactuação: Conceição da Barra e São Mateus, no Espírito Santo, além de Córrego Novo e Sobrália, em Minas Gerais. No entanto, o processo segue com 42 municípios envolvidos, localizados na Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais. Entre os capixabas, Baixo Guandu, Colatina e Marilândia permanecem representados na ação.
O escritório de advocacia responsável pela representação das vítimas argumenta que a BHP deve ser responsabilizada por falhas operacionais e omissões de segurança. Documentos e testemunhos apresentados desde o início das sessões, em 21 de outubro de 2024, indicam que a empresa já tinha conhecimento dos riscos desde 2014, mas falhou em tomar medidas para prevenir o desastre. Entre as evidências, estão estimativas internas que previam até 100 mortes e um impacto financeiro inicial de US$ 200 mil por vítima.